Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 18, 2005

Jefferson Peres:‘O país não se suicida, vai se salvar por si só’

O Globo entrevista

Adriana Vasconcelos e Maria Lima

Rouco em conseqüência das intervenções enérgicas que teve de fazer na semana passada quando conduziu, na condição de parlamentar mais experiente do grupo, a eleição para a presidência da CPI dos Correios, o senador Jefferson Peres (PDT-AM) faz um diagnóstico sombrio dos desdobramentos da crise de legitimidade que se abateu sobre o governo e o Congresso. Diz que o Congresso vive o pior dos mundos, pois não conseguirá cassar os deputados acusados de receber o mensalão e a sociedade vai entender isto como uma posição corporativista. “O Congresso não tem saída”, diz. Ele acha que o presidente Lula não sofrerá um processo de impeachment, mas faz duras críticas ao imobilismo do presidente e ao fato de ele ter demorado a retirar José Dirceu do governo. Mais: chama de leviandade e alienação as piadas sobre futebol e o comportamento de Lula diante da crise. O senador não acredita que Lula abandone a idéia de buscar a reeleição, mesmo considerando que o presidente não gosta de governar, de decidir e nem de resolver problemas: “Ele gosta é do palco iluminado.” Mas apesar de todo quadro adverso, Peres diz que não perde a esperança: acredita que a sociedade brasileira vai dar um choque de decência na classe política e que o país vai se salvar por si só.

Como o senhor vê essa onda de denúncias que atingem o governo e o Parlamento?

JEFFERSON PERES: A crise política gerada pode ou não desembocar numa crise institucional. Embora as instituições no país estejam mais consolidadas e as pressões que havia na época da crise do Collor sejam diferentes, a crise institucional não pode ser descartada se ficar mais comprometida do que já está a pessoa do presidente da República. Nessa hipótese haverá um abalo das instituições. O que já existe, e é grave, é a crise de legitimidade.

Como o senhor avalia o comportamento do governo diante das denúncias, da CPI dos Correios e agora do mensalão?

PERES: É um comportamento que gera tamanho desgaste ao governo que não posso atribuir à falta de inteligência dos homens que nos governam...

É deliberado então?

PERES:O que fizeram (para garantir o comando da CPI dos Correios) mostra que há um medo, um verdadeiro pavor de que uma investigação rigorosa desvende um quadro de corrupção maior do que já foi revelado.

Com toda essa blindagem na CPI, como o senhor avalia os riscos de ela acabar em pizza?

PERES:Por mais sério, decente e equilibrado que seja o senador Delcídio Amaral (PT-MS, presidente da CPI), ele é membro e líder do PT e tem estreita relação com a cúpula governamental. Isso o condiciona fortemente. Nas decisões cruciais que envolvam algo muito incômodo para o governo ele sofrerá pressão irresistível. No entanto é uma CPI instalada sob comoção nacional, com forte vigilância tanto da oposição quanto dos meios de comunicação, é claro que os senadores, presidente e relator, mesmo que queiram, terão muita dificuldade em conter as investigações.

Há uma revolta maior da opinião pública por serem denúncias de corrupção contra um governo do PT, tido como partido ético?

PERES:É, é isso sim. Quando os fatos aconteceram em partidos de centro, nos quais o povo já não depositava fé, não se esperava muito mesmo. Mas o PT fazia a diferença, uma grande parcela da população acreditava que era um partido que se distinguia dos outros. Quando muda e repete os erros dos antecessores, o povo se sente traído. Antes, todas as frustrações e decepções iam para o PT, hoje não vão para partido algum.

O que o senhor acha do comportamento do presidente de estar tentando se dissociar do PT e das denúncias envolvendo corrupção no Congresso e no governo?

PERES: Não sei se isso vai funcionar. Acho um erro grave do presidente. Talvez enquanto ele vivia a lua-de-mel com o poder funcionasse. Hoje, no meio dessa grave crise, quando o presidente faz um teatro, aparecendo sempre risonho, falando de outros assuntos, de clubes de futebol, fazendo piadas, ele está passando a imagem de duas coisas: leviandade e alienação.

Quando tomou conhecimento do mensalão, errou ao não determinar investigação?

PERES: Ele foi alertado pelo governador Marconi Perillo, de Goiás, seis meses antes do Roberto Jefferson. A reação dele foi de indiferença: “Isso diziam do Sérgio Motta”, teria dito. Dá a impressão que a reação dele foi assim: isso é natural . E nada fez. Depois, na advertência do Roberto Jefferson, segundo ele, o presidente teria feito cessar o mensalão. Mas não bastava. Qualquer presidente da República responsável teria reagido de forma indignada com medidas concretas de investigação e punição.

O senhor acha que a imagem do presidente Lula está indelevelmente manchada e por isso já fala em desistir da reeleição para evitar uma derrota nas urnas?

PERES: Ele deve aguardar para ver qual é o quadro daqui a um ano. É claro que ele tem apego ao poder, sim. Talvez mais por esse lado charmoso do poder de falar freqüentemente, viajar, se sentir um líder internacional. Isso deve ter mexido com a cabeça de um homem de cabeça simples como o Lula. Creio que seria muito doloroso para ele não continuar no poder por isso. Tudo indica que ele não gosta de operar o governo, de examinar problemas, de decidir, ele gosta é do palco iluminado.

Por isso demorou tanto a reagir em relação ao ministro José Dirceu, já alvo de denúncias lá atrás?

PERES:O grande erro de Lula foi não afastá-lo no episódio Waldomiro Diniz. Quando você coloca ao seu lado, vizinho ao seu gabinete presidencial, um escroque, você foi leviano na escolha desse seu auxiliar. A exoneração chega tardiamente. Ao manter o José Dirceu e impedir a criação da CPI do Waldomiro, Lula cometeu o maior erro do seu governo. Ao impedir a CPI, Lula não queria buscar a verdade. Ou melhor, sabia a verdade, só não queria que ela viesse à tona. Isso mostra um enorme despreparo para o exercício do poder. Lula não é um patrimonialista, que tire proveito do poder em termos de enriquecimento ilícito pessoal, não tenho dúvida. Mas não tem espírito republicano, no sentido de que a Presidência da República é uma instituição, que deve ser exercida com impessoalidade. Ele acha que pode beneficiar amigos e correligionários, distribuir benesses. Ele não tem espírito republicano, talvez por falta de formação. É um homem muito obscuro. Pode me chamar de preconceituoso, mas sua formação intelectual limitada contribui para isso.

Uma reforma ministerial pode mudar o quadro atual?

PERES:Acho que muito mais que reforma ministerial, vai ter efeito sim é o comportamento do governo daqui para diante. O governo se tornou refém do fisiologismo no Congresso.

Hoje, a crise também atinge em cheio o Legislativo, com cem parlamentares acusados de receber o mensalão...

PERES:Como um Congresso desacreditado vai depor um presidente? Isso é um fator que torna dificílimo um processo de impeachment. O Congresso do tempo do Collor tinha um pouco mais de autoridade do que este.

E como cassar cem deputados, se cada um tem pelo menos três amigos?

PERES:Vejam como o Congresso está no pior dos mundos. Se não surgirem provas, os parlamentares apontados por Roberto Jefferson não poderão ser cassados, mas aos olhos do povo são culpados, sim. Então, na percepção popular, o Congresso não os cassou por corporativismo. O Congresso não tem saída. Por isso sou parlamentarista.

Qual é o maior dilema do governo Lula hoje?

PERES: O dilema do Lula hoje é saber como vai conviver com essa base parlamentar que não conhece outro modo de operar. Poderia dar uma guinada, descartar a banda podre da base, mas aí ficaria refém do PMDB e teria que partilhar o poder realmente. Até hoje ele partilhou o governo, mas não partilhou o poder. Talvez a essa altura, para salvar o barco, o PMDB não cobre como preço o fisiologismo, o simples loteamento de cargos.

A reforma política é uma saída ?

PERES: A reforma política com novas eleições. Talvez seja o início do processo.

Mas como será possível fazer uma reforma política séria com um Congresso aparentemente viciado?

PERES:Talvez a crise obrigue a fazer a reforma política. Os partidos que mais se opunham à reforma política eram exatamente o PL, o PTB e o PP, com o apoio do PT para não perder o seu apoio. Eles chantageavam o PT.

O senhor acha que nas próximas eleições haverá muito voto em branco como uma reação a tudo isso?

PERES: Temo muito isso. Hoje os parlamentares já são hostilizados em público. O senador Magno Malta, ao ser chamado na fila no aeroporto em Brasília, gritaram: olha o mensalão, olha o mensalão! O descrédito é muito grande. Circulo muito, ando de táxi, vou ao supermercado, shopping e o que ouço é o povo dizendo que foi traído pelo PT, mas condenam também os outros partidos: “Como podem falar do PT se também faziam isso?”.

Então isso pode abrir o caminho para os populistas, os aventureiros?

PERES:Abre, abre... A crise de legitimidade pode dar origem a um demagogo, aventureiro, um Hugo Chávez da vida. Já pensou? O grande exemplo para o Brasil hoje é o Chile, onde existe uma “concertación”. Esquerda e direita se unem num pacto em torno do que é básico. Não divergem quando o assunto é macroeconomia. Mas aqui não há acordo nem sobre o básico e a corrupção é generalizada.

O que gera índices de corrupção tão altos no Brasil?

PERES: Problemas institucionais e culturais. As instituições são frágeis e a polícia, desequipada e corrompida. Do outro lado há um Poder Judiciário que não julga.

Dá para ter esperança com esse quadro terrível?

PERES:Não sou um pessimista. Este país não se suicida. Não vai surgir um salvador da pátria, o país vai se salvar por si só. A sociedade brasileira está amadurecendo em todos os aspectos e vai encontrar saída para isso. Talvez o povo brasileiro dê aquilo de que nós estamos muito precisados: um choque de decência.“A sociedade brasileira está amadurecendo em todos os aspectos e vai encontrar saída para isso. Talvez o povo brasileiro dê aquilo de que nós estamos muito precisados: um choque de decência”

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