Um destes Jeffersons, Roberto, nasceu em 1953, rechonchudo, tornou-se rotundo, fez carreira no trabalhismo fluminense (PTB) que não é propriamente uma academia para exercitar virtudes e inclinado para o bel canto enveredou pela histrionice. Outro Jefferson, Péres, amazonense (nascido em 1932) hoje senador da República pelo PDT é de outra cepa: escolheu o caminho da ética, veterano nas investigações legislativas e o decano da recém instalada CPI do Correiogate.
Sobre o Jefferson (Roberto) e as más companhias com que andava o governo, disse o outro Jefferson (Péres): "quem anda com porcos come farelo". Não poderia ter sido mais explícito sobre o chiqueiro que se instalou na política brasileira a partir do momento em que o então presidente da República, José Sarney, iniciou o processo de comprar consciências para aumentar o seu mandato.
A promiscuidade entre o Executivo e Legislativo começou no início do mandato do vice de Tancredo Neves e continua até hoje. Fantasiado de vestal da moralidade, Sarney é o paradigma do despudor que macula os dois poderes mais visíveis da República.
O escândalo das mesadas pagas pelo PT a deputados dos partidos de aluguel é o momento culminante de um fisiologismo que comprometerá decisivamente nossas instituições se não for imediatamente estancado. Obrigado a chafurdar na imundice criada pela "boa fé socialista" (expressão do ministro José Dirceu), o governo agora pretende dar a volta por cima e acelera a preparação da reforma política.
Não vai adiantar. E quem o diz com todas as letras é o governador do Acre, Jorge Viana, eleito pelo PT e apoiado pelo PSDB. Na entrevista à "IstoÉ" (8/6), Viana é taxativo: o confronto mortal PT-PSDB, ambos social-democratas, é o responsável pelas alianças suspeitas e, principalmente, pela hegemonia dos fisiológicos.
"Quem estiver no governo vai ter que estabelecer alianças com as forças políticas conservadoras..." O hábil governador evitou usar uma expressão mais contundente como "forças políticas espúrias" mas é enfático ao defender um diálogo diferenciado com o PSDB. "Sou um aliancista", afirma Jorge Viana
Proposta audaciosa, missão quase impossível que talvez só ele, na qualidade de amigo do presidente Lula e amigo do ex-presidente FHC, poderia articular. Teria prontamente o endosso dos ministros Palocci e Gushiken, notórios estrategistas e, com toda a certeza, a animosidade de Dirceu e Genoíno, guerrilheiros por vocação.
A própria concepção da reforma política encomendada ao ministro Márcio Thomas Bastos corre o risco de graves deformações genéticas se o governo, para aprová-la, amparar-se excessivamente no poderoso PMDB. A outrora gloriosa agremiação é, na realidade, uma federação de partidos onde o citado Sarney comanda uma facção de teor moral tão qualificado quanto o da horda de "mensalistas" e picaretas que compõem o grosso do PTB, PL e PP.
Uma reforma política capaz de cauterizar definitivamente os focos infecciosos da política brasileira exige não apenas uma concepção idealista e decente mas, sobretudo, uma blindagem capaz de protegê-la ao longo de sua tramitação legislativa das contaminações oportunistas que fatalmente ocorrerão.
A sábia, patriótica e corajosa proposta do governador Jorge Viana transcende à esfera parlamentar. Dentro dela está a gênese de um renascimento institucional capaz de nos projetar para além da ultrajante esfera de republiqueta ou república de bananas à qual fomos condenados.
Os erros crassos embutidos na "Constituição-Cidadã" de 1988 podem ser rapidamente reparados por uma parceria de partidos infensos ao fisiologismo. E apenas dois grandes partidos como o PT e o PSDB -- apoiados por outros menores como o PPS, PSB, PV e parcelasdo PMDB e do PFL --têm condições de produzir um estatuto político democrático e moderno, capaz de legar às futuras gerações de brasileiros uma república efetivamente jeffersoniana.
Sem esta aliança estaremos condenados a assistir ao minguar dos Jeffersons Péres e a proliferação dos Roberto Jeffersons .
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