Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 16, 2005

Jefferson e a missão de Jorge Viana Por Alberto Dines


ultimo segundo

Autor da minuta da modelar Constituição americana, terceiro presidente dos EUA e um dos patriarcas da república com o mais expressivo legado político, Thomas Jefferson (1743-1826), não poderia imaginar que 250 anos depois o seu nome seria tão usado no Brasil para batizar meninos destinados a seguir a carreira política.

Um destes Jeffersons, Roberto, nasceu em 1953, rechonchudo, tornou-se rotundo, fez carreira no trabalhismo fluminense (PTB) que não é propriamente uma academia para exercitar virtudes e inclinado para o bel canto enveredou pela histrionice.  Outro Jefferson, Péres, amazonense (nascido em 1932) hoje senador da República pelo PDT   é de outra cepa: escolheu o caminho da ética, veterano nas investigações legislativas e o decano da recém instalada CPI do Correiogate.

 

Sobre  o Jefferson (Roberto) e as más companhias com que andava o governo, disse o outro Jefferson (Péres): "quem anda com porcos come farelo". Não poderia ter sido mais explícito sobre o chiqueiro que se instalou na política brasileira a partir do momento em que o então presidente da República, José Sarney, iniciou o processo de comprar consciências para aumentar o seu mandato.

 

A promiscuidade entre o Executivo e Legislativo começou no início do mandato do vice de Tancredo Neves e continua até hoje. Fantasiado de vestal da moralidade, Sarney é o paradigma do despudor que macula os dois poderes mais visíveis da República.

 

O escândalo das mesadas pagas pelo PT a deputados dos partidos de aluguel é o momento culminante de um fisiologismo que comprometerá decisivamente nossas instituições se não for imediatamente estancado. Obrigado a chafurdar na imundice criada pela "boa fé socialista" (expressão do ministro José Dirceu), o governo agora pretende dar a volta por cima e acelera a preparação da reforma política.

 

Não vai adiantar. E quem o diz com todas as letras é o governador do Acre, Jorge Viana, eleito pelo PT e apoiado pelo PSDB. Na entrevista à "IstoÉ" (8/6), Viana é taxativo: o confronto mortal PT-PSDB, ambos social-democratas, é o responsável  pelas alianças suspeitas e, principalmente, pela hegemonia dos fisiológicos.

 

"Quem estiver no governo vai ter que estabelecer alianças com as forças políticas conservadoras..." O hábil governador evitou usar uma expressão mais contundente como "forças políticas espúrias" mas é enfático ao defender um diálogo diferenciado com o PSDB. "Sou um aliancista", afirma Jorge Viana

 

Proposta audaciosa, missão quase impossível que talvez só ele, na qualidade de amigo do presidente Lula e amigo do ex-presidente FHC, poderia articular. Teria prontamente o endosso dos ministros Palocci e Gushiken, notórios estrategistas  e, com toda a certeza, a animosidade de Dirceu e Genoíno,  guerrilheiros por vocação.

 

A própria concepção da reforma política encomendada ao ministro Márcio Thomas Bastos corre o risco de  graves deformações genéticas se o governo, para aprová-la, amparar-se excessivamente no poderoso PMDB. A outrora gloriosa agremiação é, na realidade, uma federação de partidos onde o citado Sarney comanda uma facção de teor moral tão qualificado quanto o da horda de "mensalistas" e picaretas que compõem o grosso do PTB, PL e PP.

 

Uma reforma política capaz de cauterizar definitivamente os focos infecciosos da política brasileira exige não apenas uma concepção idealista e decente mas, sobretudo, uma blindagem capaz de protegê-la ao longo de sua tramitação legislativa das contaminações oportunistas que fatalmente ocorrerão.

 

A sábia, patriótica e corajosa proposta do governador Jorge Viana transcende à esfera parlamentar. Dentro dela está a gênese de um renascimento institucional capaz de nos projetar para além da ultrajante esfera de republiqueta ou república de bananas à qual fomos condenados.

 

Os erros crassos embutidos na "Constituição-Cidadã" de 1988 podem ser rapidamente reparados por uma parceria de partidos infensos ao fisiologismo. E apenas dois grandes partidos como o PT e o PSDB -- apoiados por outros menores como o PPS, PSB, PV e parcelasdo PMDB e do PFL  --têm condições de produzir um estatuto político democrático e moderno, capaz de legar às futuras gerações de brasileiros uma república efetivamente jeffersoniana.

 

Sem esta aliança estaremos condenados a assistir ao minguar  dos Jeffersons Péres e a proliferação dos Roberto Jeffersons .

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