Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 05, 2005

JANIO DE FREITAS: A corrupção da corrupção

JANIO DE FREITAS
Desde que Gilberto Gil disse, na entrevista-show da semana passada para a Folha, que PT e PSDB deveriam estar unidos, não se precisa mais reiterar a identificação continuista do subgoverno Lula com o subgoverno Fernando Henrique como conservadores do subdesenvolvimento brasileiro. Palavra de ministro é palavra oficial de governo, tanto que Gil não recebeu nem o mais leve reparo palaciano ou petista. Se a igualdade está reconhecida e consagrada, o que resta é pesquisar eventuais diferenças.
Tarefa de estreitas perspectivas. Por isso, de minha parte, começo com um agradecimento a Antonio Palocci, por sua imediata e estimulante contribuição. Noticiou-se que Palocci "vai liberar em 15 dias R$ 400 milhões em emendas parlamentares", para facilitar o bloqueio à CPI da corrupção nos Correios do governo Lula. Os fatos não foram tão simples e a notícia, assim, não faz justiça a Antonio Palocci.
Primeira fase dos fatos: Palocci e José Dirceu reúnem-se com líderes de bancadas partidárias no Congresso, para acertar os meios de fortalecer o apoio à recusa de CPI. Os meios ficaram expressos numericamente na importância citada ali atrás. Os líderes foram convidados ao balcão.
Segunda fase: Palocci vai à casa de Severino Cavalcanti, conversar sobre meios de facilitar os interesses do governo na Câmara. Note-se, não foi o encontro de duas pessoas. Fato sem precedente, eram, ali, o ministro da Fazenda indo negociar com o presidente da Câmara. O balcão foi à casa de um dos dois presidentes do Poder Legislativo.
Terceira fase: o resultado. Os R$ 400 milhões subiram para R$ 650 milhões, com o compromisso de Palocci de liberar R$ 250 milhões de "atrasados" em verbas destinadas a e por deputados.
No PT e no jornalismo governista diz-se que todos os governos liberaram emendas parlamentares para obter apoio de parlamentares. A regra, em favor do governo que vinha para mudar, é justificar-se com a evidência de que apenas faz o que já era feito, sobretudo se esse malfeito era do governo Fernando Henrique. A incessante repetição de assassinatos, porém, não torna os novos assassinatos legais ou, pelo menos, normais. Tão aceitável pode ser a liberação legítima de emendas sérias, como a liberação pode tornar-se, mais que ato imoral, ilegalidade mesmo. No que se está vendo, o propósito corruptor é inegável.
Agora a diferença, já que, reconhecida oficialmente a igualdade, é preciso achar alguma(s) entre o atual e o governo passado. A diferença é sutil, mas importante: Pedro Malan era discreto, se lhe faltou pudor para o ato, às vezes até sobrou para evitar expô-lo, a ponto de encobri-lo sob os soturnos da madrugada, como no caso do Banco Nacional com a criação do Proer, nova modalidade de ataque aos cofres públicos. Pela linguagem presidencial em vigor, de "sacos cheios" e "quebrar a cara" e mais o impublicável, Antonio Palocci adotou o descaramento. Digamos que escancarou a imoralidade configurada no uso de dotações de dinheiro público para comprar o apoio de parlamentares.
Faz diferença o uso de um ou de outro método? Na essência, são idênticos. Mas assim como a repetição do método de corromper discretamente tornou-o, pela repetição, aceito e até defendido em jornais importantes, acentuando o processo de degradação da política e da cidadania, assim o método Palocci é mais um passo degradante, primeiro, e logo causador de mais degradação. A vida política brasileira e a administração governamental já estão bastante sujas para não precisar de mais imundices.
folha de s paulo

Nenhum comentário:

Arquivo do blog