Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 02, 2005

Idiotas! PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.



Na semana passada, soube que saiu o novo álbum da banda Automata, de Salvador. O que vem fazer uma banda de rock numa coluna de economia? Simplesmente o seguinte: uma das músicas do disco foi inspirada em artigo publicado neste espaço em 2002, sob o título "Revisitando o triunfo do idiota". Quando soube, fiquei exultante. Que outro economista, pergunto, pode ostentar algo assim no seu currículo?
Fiquei pensativo, também. Há muito tempo não escrevo sobre o triunfo do idiota. E, no entanto, ele é cada vez mais completo e avassalador. O tema chega a ser perigoso.
Um dos que lançaram essa discussão (talvez tenha sido o primeiro) foi o grande filósofo e ensaísta espanhol Ortega y Gasset, no seu livro "A Rebelião das Massas", de 1930. Anos depois, o nosso Nelson Rodrigues retomou a tese (com mais graça).
O fenômeno é relativamente recente. Os idiotas sempre foram maioria, desde tempos imemoriais. Só que antigamente o idiota era submisso e humilde. Não se aventurava fora de limites estreitos e bem definidos. De repente (mais precisamente no século 20), ocorre a sublevação jamais vista, nunca imaginada. Os idiotas descobrem o óbvio: "Somos maioria, esmagadora maioria". E passaram o trator por cima dos melhores. Começaram a se projetar em escala global (a própria "globalização" é, no essencial, obra límpida e inequívoca dos idiotas).
Os papéis se inverteram. Funções e responsabilidades antes reservadas aos melhores passaram a ser exercidas por idiotas de babar na gravata. Qualificações exigidas: alguma habilidade, marketing, jogo de cintura, palavra fácil e audácia. Com base nisso, passaram a governar países, dirigir empresas, dar aulas, publicar livros, proferir conferências, conceder entrevistas etc.
Na nossa época, os inteligentes, os sensíveis, os profundos vivem totalmente acuados. Para não serem massacrados, muitos simulam idiotice. Nelson Rodrigues falava dos "falsos cretinos", sujeitos inteligentes e até excepcionais que se vêem, entretanto, compelidos a disfarçar o seu talento como se se tratasse de alguma mácula, algum pecado, alguma tara vergonhosa.
É claro que em outras épocas sempre havia um ou outro idiota em posição de destaque. Mas agora os idiotas estão em todas as áreas e dominam grande parte da cena.
Exemplos? Vamos começar pelo alto: o "companheiro Bush". Quem sou eu para julgar o presidente do país mais poderoso do mundo? Deixo a tarefa para um dos gênios brasileiros do século 20: Oscar Niemeyer. Em solenidade anteontem no Rio de Janeiro, o grande arquiteto referiu-se ao companheiro Bush assim: "É um idiota". Na minha opinião, John Kerry perdeu a eleição fundamentalmente por não ter sabido dissimular a sua esmagadora superioridade. Foi considerado arrogante e elitista. Caixão.
Na verdade, era da política de juros e câmbio que eu pretendia falar hoje (o espaço está acabando). A direção do Banco Central está reeditando os aspectos mais idiotas da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. A combinação de juros estratosféricos e câmbio fortemente sobrevalorizado ajuda a combater a inflação e poderá permitir que ela fique dentro do intervalo estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional para 2005.
Mas, santo Deus, a que preço! A economia encontra-se em franca desaceleração, o que afetará cada vez mais as taxas de desemprego e os salários. A produção industrial e os investimentos estão em queda. As taxas de juro sobrecarregam o custo da dívida pública e promovem concentração da renda nacional em um país que já apresenta uma das piores distribuições de renda e de riqueza do planeta. A valorização cambial prejudica fatalmente as contas externas e reforça a tendência à estagnação.
Idiotice? Não creio. Os diretores do BC são todos inteligentíssimos. Só há uma conclusão possível: a política de moeda e câmbio está nas mãos de "falsos cretinos", que operam sob intensa pressão dos idiotas de todas as procedências.
Faço então um apelo enfático: idiotas do Brasil inteiro, por favor, dêem um descanso à diretoria do BC!
folha de s paulo

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