Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 02, 2005

A AÇÃO DE FONTELES- células-tronco

 A indiscutível competência técnica do procurador-geral da República, Claudio Fonteles, parece ter sido abalada por suas convicções religiosas. Essa, afinal, é a mais plausível das explicações para a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra o artigo da Lei de Biossegurança que autoriza a utilização de células-tronco de embriões humanos para pesquisa ou tratamento de doenças que o ilustre jurista propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF).
A argumentação de Fonteles tem proveniência católica. Partindo do pressuposto de que a vida começa com a concepção, o procurador-geral sustenta que a permissão para as pesquisas -que, por ora, implicam a destruição do embrião- viola o caput do artigo 5º da Constituição.
O problema está no fato de que a tradição jurídica brasileira não corrobora a tese de que a vida começa com a fertilização do óvulo. A chamada personalidade civil -o que de mais próximo a uma definição de vida o direito tem a oferecer- só surge quando o bebê nasce com vida (artigo 2º do novo Código Civil). É razoável que essa seja a ordem jurídica, ou todas as mulheres que tenham concebido e perdido o embrião (estima-se que de 2/3 a 3/4 dos óvulos fecundados jamais se fixem no útero) se tornariam, pelas regras da sucessão, herdeiras de quem as fecundou.
É claro que o mesmo Código Civil também protege os direitos dos nascituros "desde a concepção". Mas esses direitos não são os mesmos concedidos a um ser vivo com personalidade jurídica, ou a lei jamais poderia autorizar o chamado aborto necessário (art. 128 do Código Penal), que é aquele exercido por médico para salvar a vida da mãe.
E vale notar que a Lei de Biossegurança autoriza, para fins de relevante pesquisa médica, a destruição apenas de embriões que sobram de tratamentos de fertilidade, isto é, que nem foram implantados num útero, sendo assim nulas suas chances de vir a nascer. O destino desses blastocistos seria a destruição ou permanecer congelados para sempre.
Como procurador-geral da República, Fonteles pode e deve agir segundo sua consciência. Só não deveria esquecer o que aprendeu na faculdade de direito.
folha de s paulo editorial

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