Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 06, 2005

FOLHA DE S.PAULO -ENTREVISTA

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

Economista diz que peso maior dos juros recaiu sobre investimentos e rechaça "herança maldita"

Política econômica tolhe o entusiasmo para investir

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o economista José Roberto Mendonça de Barros, pior do que o resultado de 0,3% de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre deste ano é o fato de estar se ""dissipando o entusiasmo" do setor empresarial por novos investimentos.
""É claro que o governo sabe que o custo [da atual política monetária] seria uma freada no PIB. É gente competente que está na operação", afirma. ""O que lamento muito é a perda do entusiasmo dos empresários em investir. Perdeu-se o "fósforo" dessa decisão, que é o entusiasmo."
Sócio-diretor da MB Associados e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre janeiro de 1995 e março de 1998, no primeiro mandato do governo FHC, o economista diz não enxergar muitas condições de a economia brasileira sustentar um crescimento acima de 3% ao ano.
Para Mendonça de Barros, o governo Lula comete um erro ""monumental" ao adotar uma visão de Estado da ""década de 60". Sobre o termo ""herança maldita" empregado por Lula para definir a administração anterior, afirma: "Se maldita fosse, o atual governo teria mudado a política econômica, que é igual à anterior. E isso é o melhor que eles têm a mostrar".
Mendonça de Barros é doutor em Economia pela Universidade de São Paulo e fez pós-doutorado no Economic Growth Center, da Universidade de Yale, nos EUA. Leia os principais trechos da entrevista concedida à Folha:


Folha - O resultado do PIB no primeiro trimestre de 2005 mostra que, aparentemente, a estratégia do governo para esfriar a demanda e controlar a inflação deu certo. O governo não deveria comemorar?
José Roberto Mendonça de Barros - Do ponto de vista da política monetária, não há dúvida de que esse era o objetivo. O que o resultado mostra é que a política monetária funciona, embora mais lentamente por conta de circunstâncias como a política de expansão de crédito ao consumidor. Nesse sentido, o resultado está de acordo com os planos.
É claro que o governo sabe que o custo seria uma freada do PIB. É gente competente que está na operação [da política monetária]. Evidente que é difícil explicar isso, até politicamente, e dizer que é temporário.
Nem dá para dizer que a queda foi muito mais forte do que o esperado. Nós aqui na MB havíamos aberto o ano com uma expectativa de crescimento de 3,7%. Depois, revisamos para 3,5% por causa da seca na área agrícola e já tínhamos baixado para 3,1%.
Mas a mudança mais importante no cenário atual é um desencanto em relação aos investimentos. No segundo semestre do ano passado era perceptível no Brasil inteiro um certo entusiasmo dos empresários com relação às possibilidades de expansão. Especialmente a indústria começou, a partir do fim de 2003 e em 2004, a ter uma demanda melhor e foi capaz de melhorar suas margens, como os balanços mostraram, além de terem aumentado seus volumes. É sonho de todo empresário: vender mais com margem maior.
Isso levou a um aumento de capacidade. Um número grande de empresas adotou o segundo turno. Outro expressivo, o terceiro turno, e um número também não trivial foi para uma coisa que não existia no Brasil, o quarto turno, quando se trabalha nos finais de semana. É isso que precede a decisão de fazer uma nova fábrica. As empresas estavam com as fábricas ocupadas e com o caixa cheio. Havia um entusiasmo importante no conjunto empresarial. É por aí que a política monetária começou a fazer efeito, já que, pelo lado do crédito, havia a franca expansão do crédito consignado. O peso maior da política monetária foi, portanto, sobre o investimento.
A partir de outubro [de 2004], quando ficou claro que o aperto monetário iria durar mais do que alguns meses, esse entusiasmo foi se dissipando. Ao mesmo tempo, houve uma valorização natural da taxa de câmbio, a contraparte do juro alto, e parte dessa dissipação de entusiasmo teve a ver com os projetos de exportação. Vimos dezenas de casos de empresas que suspenderam projetos. Ao mesmo tempo, tivemos em janeiro e fevereiro uma consolidação da seca que destruiu o resultado do agronegócio neste ano na parte de grãos e algodão, gerando forte queda de investimento nesse ramo. Por último, há os investimentos na infra-estrutura, que não andam mesmo.
Recentemente olhamos todos os projetos que foram anunciados pelas empresas no segundo semestre do ano passado registrados no Ministério do Desenvolvimento. Fomos de empresa a empresa perguntar como estavam os planos e só não localizamos 10% delas. Entre os 90% restantes, 11% dos projetos já haviam sido descontinuados, 35% estão ""em projeto", ou seja, algo que não está pronto ou está suspenso, e 42% em velocidades diferentes. Claramente, o horizonte otimista virou desaceleração.
Seria absolutamente injusto dizer que isso ocorreu só por causa dos juros. Há também as questões regulatórias, a carga tributária, a burocracia, um conjunto de coisas afetando essas decisões.

Folha - O sr. se diria pessimista do ponto de vista dos investimentos mesmo com as empresas estando hoje bastante capitalizadas, ao contrário de outras crises?
Mendonça de Barros - Sim. As empresas-padrão passaram por períodos muito difíceis desde o racionamento de energia (2001). Depois, vieram as dúvidas da sucessão (presidencial), o câmbio a R$ 4,00 e um 2003 que foi difícil no geral, com uma política monetária dura. As empresas só começaram a sair do buraco no fim de 2003 para viverem o sonho que foi 2004, quando pagaram dívidas e fizeram muito caixa. Sentadas nesse dinheiro, havia a expectativa de que o próximo passo seria o de fazer uma nova fábrica. Esta decisão está se enfumaçando.
O que lamento muito é a perda do entusiasmo dos empresários de investir. A perda do "fósforo" dessa decisão, que é o entusiasmo. E vai ser muito difícil retomar isso. Costuma-se dizer que economia não é rádio, onde você abaixa e aumenta o volume sem custos.
Mas o grande avanço atual é que os ditos fundamentos econômicos fazem com que não se tenha uma crise. Estamos em um canal de certo crescimento, mas que, com esse padrão de investimento, não deve passar muito de 3% ao ano, isso num cenário externo excepcionalmente favorável. Para sustentar 4% a 5% não há como sem alta significativa nos investimentos. E isso, em um ou dois anos, não está no horizonte.
Não é pessimismo no desempenho de curto prazo, já que 3% não é, historicamente, ruim. Mas está aquém do que se imaginava.

Folha - Como desatar o nó? A meta de inflação está muito apertada?
Mendonça de Barros - Certamente o problema não é só a política monetária, mas ter metas de inflação muito ambiciosas em um país que tem correção monetária parcial nos preços e que vive choques de oferta lá fora, como no caso do petróleo, torna muito difícil a inflação ceder muito rápido. Não é só uma questão de expectativas, mas de os preços controlados impedirem que ela caia. O Chile, por exemplo, tinha 12,5% de inflação ao ano em 1990 e levou quase dez anos, sem correção monetária, para trazer isso para abaixo de 4%. Nós tivemos 12,5% de inflação em 2002. Se pegarmos a meta original de 4,5% para este ano, era fazer o que o Chile fez em dez anos em quatro, com correção monetária e choque do petróleo.
Por isso a política monetária tem de ser agressiva. E quando isso acontece, os preços livres abaixam, porque a demanda enfraquece. Mas isso não acontece dentro de uma estrutura estável. A margem desejada pelos empresário fica muito abaixo do razoável e, na primeira melhora da demanda, a margem se recupera e o preço sobe. Ficamos nessa sanfona.
Lamento que a decisão em relação às metas de inflação não tenha sido uma opção mais gradual. Ou por uma meta menos ambiciosa ou por mais tempo para se chegar a essa meta. Isso não significa ser inflacionista.
A outra ponta que trava os investimentos é fartamente conhecida, que começa com uma estrutura tributária desenhada para arrecadar e que penaliza a produção e o investimento. E há ainda outra dificuldade, que é o fato de as áreas setoriais do governo terem uma visão do Estado que não bate com a do setor privado.

Folha - O governo tem feito um trabalho até propagandístico para dizer que os fundamentos econômicos estão melhorando. Mas a política atual parece continuar levando ao ""stop and go", um ""enxugamento de gelo", que é fazer superávit fiscal alto para pagar juro alto. Como sair disso?
Mendonça de Barros - Sair da armadilha do juro alto é o nosso maior desafio. Nós temos de reconhecer que isso não é de agora e que vem de muito tempo. A América Latina tem vários outros países que já entraram em moratória, tiveram inflação muito alta, têm problemas sociais e má distribuição de renda. Mas nenhum tem juros tão altos como o Brasil. Qual a razão disso e como sair dessa, honestamente, eu não sei.

Folha - Tem havido uma tendência de atribuir os juros altos também ao fato de o governo gastar muito e mal. O sr. concorda?
Mendonça de Barros - Essa é uma parte do problema, mas mais do que a diminuição dos gastos do Estado, não conseguimos discutir a qualidade do gasto. Aumentamos a carga tributária adoidado nos últimos 12 anos e o investimento público só caiu, até chegar hoje a próximo de zero. Isso não pode dar certo. Tem de haver outra forma de gastar melhor.
E ficar cortando gastos na boca do caixa para fazer superávit como o país está fazendo não resolve. É o equivalente a amassar os preços livres com juro alto. Sentar em cima do caixa diminuindo pesquisa agrícola, por exemplo, não é a solução. O problema-chave é que não conseguimos melhorar em quase nada até agora a estrutura geral dos gastos.
Há muitos exemplos que deveriam ser seguidos, como no caso das estradas no Estado de São Paulo, que saíram das mãos do Estado e hoje são as melhores do país. Há toda uma discussão sobre pedágios, mas funcionam. Levou dois anos e meio, e agora o governo federal está indo na mesma direção. Esse tem de ser um exemplo multiplicado por cem.

Folha - Como ex-funcionário da administração FHC, quais as diferenças que o sr. vê na política econômica atual e na anterior?
Mendonça de Barros - Antes disso, acho que a grande diferença geral que há entre as duas administrações é a concepção de Estado. No governo FHC a concepção era de um Estado menor, mais regulador, voltado para gastos prioritários na área social, privatizando, concedendo e terceirizando.
No caso do governo Lula, até agora a orientação geral é mais Estado, mais funcionários, menos terceirização, menos privatização, menos capital privado, menos agências reguladoras, mais poder para os ministérios. Eu acho essa visão absolutamente ultrapassada e que não funciona.
Na política econômica, há pouca mudança. Todo o aparato da política -o superávit primário, o câmbio flutuante, o sistema de metas- opera basicamente da mesma forma que no segundo mandato de FHC. Há muito pouca diferença.

Folha - Como o sr. responde ao termo ""herança maldita" e ao fato de Lula viver dizendo que está consertando o que foi feito de errado? Especialmente o fato de FHC ter segurado o câmbio até a obtenção da reeleição, o que teve forte impacto sobre a dívida pública e privada.
Mendonça de Barros - Discordo do termo ""herança maldita". Entendo que faz parte do jogo político, mas, se maldita fosse, primeiramente o atual governo teria de ter mudado a política econômica, que é igual à anterior. E o melhor que esse governo tem para mostrar hoje é a política econômica.
Também discordo radicalmente de falar de ""herança maldita" em relação à reforma do Estado. A visão atual é de um Estado dos anos 60, e essa é uma discordância de visão de mundo. Trata-se de um equívoco monumental.
Sobre a questão dos juros e do câmbio, realmente acho que o governo FHC tardou muito a encarar o problema e a sair da taxa de câmbio extremamente valorizada. Ainda em 1997, fiz um monte de coisas e tentei, com a concordância de alguns, começar a flexibilização do câmbio. Mas não houve acerto. Aquele foi um erro total, tanto é que acabou na grande desvalorização de 1999.

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