Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 12, 2005

Entrevista de Roberto Jerferson à Folha de S Paulo

Dinheiro do 'mensalão' vinha de estatais e empresas, diz Jefferson
Deputado cita o publicitário Marcos Valério como o operador do petista

Homem de Delúbio carregava mesada na mala, diz Jefferson
RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL

Depois de anunciar que só voltaria a falar na sindicância da Câmara e na CPI, o deputado Roberto Jefferson decidiu romper o silêncio e, na noite de sexta-feira, revelou novos detalhes sobre o "mensalão", que denunciara em entrevista à Folha publicada na segunda. De acordo com o presidente do PTB, os recursos para alimentar esse esquema, que consistiria no pagamento de mesadas de R$ 30 mil, pelo PT, a deputados de outros partidos da base aliada, vinham de estatais e de empresas privadas. Dinheiro que, segundo ele, chegava a Brasília "em malas" para ser distribuído em ação comandada pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, com a ajuda de "operadores" como o publicitário Marcos Valério e o líder do PP na Câmara, José Janene (PP-PR).
Levado ao centro do noticiário pelos escândalos nos Correios e no IRB e transformado em pivô da pior crise política enfrentada por Lula a partir da denúncia do "mensalão", Jefferson nega ter gravações comprometedoras contra autoridades do governo, contrariando os rumores que tomaram conta de Brasília ao longo da semana. "Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT."
Ao repisar o histórico do que teriam sido suas advertências contra o "mensalão", Jefferson não poupa ministros, mas procura proteger Lula, a quem nada teria sido relatado até uma conversa com o próprio deputado no início deste ano. A partir daí, volta a dizer Jefferson, a mesada teria cessado. "O corpo mole [na Câmara] é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base."
Se poupa Lula, Jefferson faz o oposto com o ministro José Dirceu e com os demais integrantes do que ele chama de "cabeça" do PT: José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno. Narra suas reuniões com esse time para tratar da distribuição de cargos, em uma sala "reservada ao Silvio Pereira" ao lado do gabinete de Dirceu no Palácio do Planalto.
Do apartamento funcional que ocupa em Brasília, Roberto Jefferson concedeu por telefone a entrevista que segue abaixo e nas duas páginas seguintes. O deputado diz não temer por sua segurança. "Se fizerem alguma coisa comigo, cai a República."
"Sei que Janene é um dos operadores"

Folha - De onde vem o dinheiro para pagar o "mensalão" que, segundo o seu relato, era pago pelo PT a deputados de partidos aliados do governo no Congresso?
Roberto Jefferson -
Vem de operações com empresas do governo e com empresas privadas.

Folha - Que operações?
Jefferson -
Transferência de dinheiro à vista. Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em malas. Tem um grande operador que trabalha junto do Delúbio, chamado Marcos Valério, que é um publicitário de Belo Horizonte.
É ele quem faz a distribuição de recursos. Sei que o deputado José Janene (PP-PR) é um dos operadores. Ele vai na fonte, pega, vem, é tido como um dos operadores do "mensalão". Inclusive eu já vi o ministro Zé Dirceu [chefe da Casa Civil] muito irritado com ele porque ele se apresentava como "operador do Zé Dirceu". Ele também é um dos homens que constroem o caixa para repartição entre deputados do PP e do PL.

Folha - Qual era exatamente o papel de Marcos Valério?
Jefferson -
Ele é operador do Delúbio, desde o início do governo. O Janene faz a mesma operação. É de conhecimento notório.

Folha - O sr. poderia citar nomes de deputados que recebiam essa remuneração mensal?
Jefferson -
Isso eu vou deixar para a imprensa investigar. Mas eu sei que as direções do PP e do PL recebiam. Não é segredo. Eles insinuaram isso para o Zé Múcio [deputado por Pernambuco e líder do PTB na Câmara], que não quis entrar. Eu quero inclusive dizer aqui que, quando o Múcio veio conversar comigo a primeira vez, quando o Delúbio Soares [tesoureiro do PT] o procurou, o Múcio veio a mim e disse: "Roberto, estou com você, sou contra receber "mensalão". Mas nós já sabíamos naquela época, meados de 2003, que havia esse repasse de recursos ao PL e ao PP.
Se você perguntar: "Tem prova? Fotografou? Gravou?". Não. Mas era conversa cotidiana na Câmara a repartição de mesada entre os deputados da base aliada, em especial o PL e o PP. Nunca ouvi falar do PMDB, e tenho certeza de que os deputados e os senadores do PT jamais receberam isso.

Folha - O presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), já anunciou a decisão de processá-lo.
Jefferson -
É um direito dele. Na colocação que fiz, eu o atingi duramente. Ele tem o direito democrático de me processar.

Folha - Houve problema de dinheiro entre PT e partidos da base na campanha municipal?
Jefferson -
Eu e o líder Zé Múcio acalmamos nossa base dizendo o seguinte: o PTB não vai ter "mensalão", que desmoraliza e escraviza o deputado, e nas eleições a gente compõe com o PT uma troca de apoio e pede o financiamento para candidaturas que nós entendemos que devemos ganhar.
Foi pedida ao PTB, pelo José Genoino [presidente do PT] e pelo Delúbio, uma planilha por Estados de campanhas a prefeito que o PT financiaria para nós. Apresentamos uma planilha de R$ 20 milhões. Esse recurso foi aprovado pelos dois e pelo Marcelo Sereno [secretário de Comunicação do PT]. No princípio de julho de 2004, eu reuni o partido e comuniquei. O repasse do dinheiro se daria em cinco etapas.
O primeiro recurso chegou na primeira quinzena de julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie. Em duas parcelas: uma de R$ 2,2 milhões e, três dias depois, uma de R$ 1,8 milhão. Quem trouxe o recurso à sede do PTB foi o Marcos Valério, em malas de viagem.
Eu e o Emerson Palmieri [tesoureiro informal do PTB] dividimos esses recursos entre candidatos. E assumimos o compromisso, que era o do Genoino comigo, que outras parcelas viriam. Elas não vieram, e os candidatos do PTB que haviam assumido compromissos de campanha entraram em crise brutal. Essas coisas foram esticando a corda, tensionando a relação do PTB com o PT.
"Não tenho fitas, vou relatar fatos que vivi"

DA EDITORA DO PAINEL

Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do "mensalão" para mostrar à CPI. "Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT."
O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a ocupação de cargos no governo. "Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa salinha reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava. O Genoino também. (RLP)
 

Folha - A semana foi marcada por rumores de que o sr. teria fitas comprometedoras. Isso é verdade?
Roberto Jefferson -
A única fita que tenho é a da entrevista que a Folha gravou e que a Comissão de Ética da Câmara está pedindo. Não tenho nenhuma fita. Não faço isso. Eu vou [no depoimento desta terça] relatar fatos que vivi neste ano e meses em que presido o PTB. Das reuniões que tive com Genoino, Delúbio, Silvio Pereira [secretário-geral do PT], com o Zé Dirceu. Das conversas que tivemos tanto para construir a aliança do PTB com o governo quanto a aliança eleitoral do PT com o PTB.

Folha - No depoimento desta terça, e depois na CPI, o sr. tem a apresentar unicamente o seu relato?
Jefferson -
Vou colocar claramente ao Brasil tudo o que vivenciei, tudo o que conversei, tudo de que tratei. Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.

Folha - Que avaliação o sr. faz das reações dos membros do governo citados em sua entrevista anterior?
Jefferson -
Os ministros foram covardes com o presidente. O ministro Palocci [Fazenda] sabia do "mensalão" porque eu falei para ele. O ministro Walfrido [Turismo] errou por não ter dito ao presidente sobre o "mensalão", porque eu falei com ele. O ministro Ciro [Integração] sabia. O Zé Dirceu, conversei com ele várias vezes sobre o "mensalão". Deixaram o presidente completamente desinformado de algo que viciou a relação do governo, e do comando do PT em especial, com a base aliada no Congresso.
Quando de minha conversa com o presidente este ano, lá no gabinete dele no Palácio do Planalto, estávamos eu e o ministro Walfrido, quando eu disse a ele do "mensalão". Ele tomou um susto. Expliquei a ele no que consistia: um reparte de recursos do Delúbio para líderes e presidentes de partido da base aliada dividirem um dinheiro por mês com representantes de suas bancadas, em especial o PP e o PL. O PTB fora convidado a participar e repelira.
Acho que os ministros traíram a confiança do presidente. Como pode ministros minimizarem, dizendo que não havia importância em minhas palavras, e ter essa explosão no Brasil quando a Folha as coloca para a opinião pública? Só eles não tinham dimensão da explosão que isso iria provocar?
O presidente [quando ouviu o relato], foi como se alguém dissesse "olha ali a tua mulher com outro homem". Aquela reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas brotaram. Ele me pediu que explicasse como funcionava o "mensalão". Eu disse. Depois ele se levantou, me deu um abraço e eu saí. E o que eu sei, até pela vivência da Casa -essas coisas não se escondem- é que houve uma atitude forte, porque o "mensalão" secou.
E nós estamos assistindo a uma crise de abstinência. O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base: o dinheiro para pagar o exército mercenário, as bancadas de aluguel.

Folha - Que avaliação o sr. faz da entrevista do tesoureiro do PT?
Jefferson -
Achei que ele foi fraco. Não teve como enfrentar a imprensa. O Genoino parecia um cão de guarda. Se alguém tentava uma segunda pergunta, o Genoino cortava. A meu ver, Delúbio não convenceu. Não esclareceu sua relação com os partidos que compõem a base do governo.

Folha - Como se estabeleceu a relação do PTB com a cúpula petista?
Jefferson -
Quando, lá atrás, o José Carlos Martinez era presidente do PTB, e nós começamos a constituir a relação, depois de nomeado o Walfrido Mares Guia ministro do Turismo, o segundo cargo foi o do delegado regional do Trabalho no Rio, Henrique Pinho. Toda a estrutura abaixo dele foi nomeada pelo Silvio Pereira.
Outro cargo: Fernando Cunha, para a BR Distribuidora. Toda a estrutura abaixo do Fernando Cunha foi nomeada pelo Silvio Pereira. Na área de Petrobras, de petroquímica, quem manda é ele.
Um dia perguntei: "Mas como é isso? Vocês dão a cabeça e tomam o corpo?". E ele disse que esse era o jeito do PT de repartir poder.
Foi assim no Departamento Nacional de Infra Estrutura e Transportes. A primeira indicação para o Dnit, feita pela bancada de São Paulo, acho que é Pimentel o nome [Sérgio Pimentel], esse que hoje aparece nos jornais. Toda a estrutura abaixo foi montada pelo Silvio e pelo Delúbio. O gerente, um tal de Lauro [Lauro Corrêa], é homem do PT. Ele mandava mais que o diretor-geral do Dnit.
O PT nomeava as pessoas que controlavam a estrutura de poder por baixo dos nomeados do PTB.

Folha - A quem o sr. se refere quando fala na direção do PT?
Jefferson -
Genoino, Marcelo Sereno, Delúbio Soares, Zé Dirceu, que sempre soube de tudo. Várias vezes eu conversei com o Genoino e com o Delúbio no gabinete do ministro Zé Dirceu. Tudo era tratado com o conhecimento dessas pessoas e do Silvio Pereira. Isso no início do governo. Há uma sala contígua à do gabinete do ministro Zé Dirceu no Palácio do Planalto, e de vez em quando nós fazíamos essas conversas.
Noventa por cento das conversas eram feitas no palácio, numa salinha que era reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava da conversa, e o Genoino também.

Folha - Após a primeira reportagem da "Veja" sobre os Correios, duas nomeações iminentes de petebistas foram abortadas: uma na empresa e outra em Furnas, certo?
Jefferson -
O doutor Ezequiel Ferreira, indicado pelo senador do PTB Fernando Bezerra [líder do governo no Congresso], nunca chegou a ser diretor dos Correios. Iria para a Tecnologia, ocupada pelo doutor Eduardo Medeiros, indicado pelo Silvio Pereira. Era uma negociação que cortava um pedaço de poder do PT na carne.
Furnas foi o próprio presidente Lula que ofereceu ao PTB. Na diretoria de Engenharia, a mais poderosa do setor elétrico do país, está o doutor Dimas Toledo. Há 12 anos. É muito ligado ao governador Aécio Neves (PSDB-MG).
O presidente queria tirá-lo porque houve um programa em Minas, num repasse de recursos federais de mais de R$ 1 bilhão, o "Luz para Todos". E quando houve a exploração política desse programa, o Aécio só botou na placa "governo de Minas Gerais". E o presidente se sentiu traído.
Com a ajuda do então presidente da Eletronorte, meu companheiro Roberto Salmeron, eu cheguei ao nome de Francisco Pirandel, um técnico de altíssimo nível, que já trabalhou com o senador Delcídio [Amaral, líder do PT no Senado]. Levei o currículo ao presidente Lula, que mandou que eu despachasse de uma vez com o ministro José Dirceu e levasse uma cópia para a ministra Dilma Rousseff [Minas e Energia].
Ela disse: "É um dos melhores nomes". Aí começaram as pressões para que o Dimas não saísse. Do presidente Itamar Franco, lá em Roma, no enterro do papa. De grandes empreiteiras. Até o Zé Dirceu disse: "A pressão está muito forte para não trocar". Eu disse: "O PTB não é problema. Nós não queremos gerar uma crise".
Quando nós voltamos, Walfrido e eu, para conversar com o presidente, nós nos dispusemos a abrir mão. Ele falou: "Não. Eu faço questão". Ficou marcada a assembléia, se não me engano para 16 de maio. Dia 14 de maio saíram as primeiras denúncias da "Veja".
Na assembléia, a ministra mandou suspender a troca. Três dias depois, vem conversar comigo em casa o Arlindo Chinaglia [petista, líder do governo na Câmara]. Logo depois do meu discurso na Câmara, falando em nome pessoal, para pedir que eu matasse no peito, que o PTB puxasse a crise para si e esclarecesse rapidamente, e que depois as coisas caminhariam normalmente, que aconteceria a nomeação em Furnas. E eu disse: "Mas por que você fala isso?". Ele respondeu: "Porque foi o governo que sustou".
Quando saiu a matéria da "Veja", o Janene e o Severino Cavalcanti [presidente da Câmara, PP-PE] foram para cima do Zé Dirceu para impedir que houvesse essa troca. Eles adotaram o Dimas como indicação do PP. Pressão direta do Janene e do Severino para que eles não assinassem a CPI.
O NOVO PERSONAGEM

Marcos Valério domina mercado publicitário de MG

DA AGÊNCIA FOLHA
DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O publicitário Marcos Valério citado por Roberto Jefferson é o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, que integra um grupo publicitário formado pelas agências DNA Propaganda e SMP&B Comunicação. Com sede em Belo Horizonte, o grupo detém cinco contas do governo federal, entre elas a do Banco do Brasil.
Esse grupo já detinha, por meio da DNA, a conta do BB durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O grupo expande seus negócios e vê também crescer o número de processos na Justiça, nos quais é réu, e o de autuações fiscais por irregularidades.
Em 1996, a SMP&B Publicidade, dos sócios Cristiano de Mello Paz e Ramon Hollerbach, estava em situação financeira precária. Então, em julho daquele ano, foi criada a SMP&B Comunicação, com o ingresso de dois novos sócios: Clésio Andrade (PL), atual vice-governador de Minas e presidente da CNT (Confederação Nacional dos Transportes), e Marcos Valério, um ex-servidor do Banco Central com fama de ter muito conhecimento da área financeira.
A partir daí, a SMP&B Comunicação se associou à DNA Propaganda, criada em 1982 e que, hoje, é a maior agência de publicidade mineira. A DNA teve como presidente Daniel Freitas, sobrinho do vice-presidente da República, José Alencar (PL). Daniel morreu em outubro de 2002.
Hoje a DNA detém as contas de publicidade do Banco do Brasil, da Eletronorte e do Ministério do Trabalho. A SMP&B Comunicação trabalha para os Correios e para o Ministério do Esporte. E trabalha também para a Câmara dos Deputados desde 2003. Foram os publicitários do grupo que fizeram a campanha do petista João Paulo Cunha para a presidência da Casa naquele ano.
Das agências sócias, a DNA foi a que mais cresceu. E as duas SMP&B enfrentam agora processo na Justiça por um ato comercial realizado em 1996 -dois anos depois, em 1998, Clésio Andrade saía da sociedade para disputar o governo de Minas como vice na chapa de Eduardo Azeredo (PSDB).
Em abril passado, conforme noticiou a Folha, o Ministério Público Estadual propôs ação de reparação de danos ao patrimônio público por conta de uma fazenda superavaliada ter sido doada ao então banco estatal Credireal para cobrir empréstimo feito pela SMP&B Publicidade. O prejuízo causado, segundo o Ministério Público, teria sido de R$ 8 milhões.
Clésio Andrade nega participação nesse caso, porque alega que ele era sócio só da SMP&B Comunicação.
Clésio e Marcos Valério hoje não se se falam. Após perder a eleição, surgiram rumores de que Clésio tentou voltar para a agência, mas que os sócios não se interessaram pelo seu retorno, pois as empresas já não precisavam mais dele. Clésio negou à Folha essa versão e disse que não se interessava mais pela sociedade, embora tenha dito que enfrentou dificuldades para reaver o dinheiro de sua parte. Após desistir de uma ação na Justiça, houve acordo.
(PAULO PEIXOTO, MÁRIO CÉSAR CARVALHO E LEONARDO SOUZA)
"Se fizerem algo comigo, cai a República"

DA EDITORA DO PAINEL

Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa "armadilha" do ministro José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios. A partir daí, "recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo".
A mesma mão ele vê na orientação do trabalho investigativo da Polícia Federal. "A PF faz tudo na correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética."
O deputado lança um desafio: duvida que Dirceu venha a público negar suas acusações. Rejeita a idéia de estar praticando chantagem ao não contar sua história toda de uma vez e se diz tranqüilo, apesar de tudo. "Estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira." (RLP)

Folha - Qual é o caminho a percorrer para comprovar a prática do "mensalão" no Congresso?
Roberto Jefferson -
Já tem deputada em Goiás [Raquel Silveira, licenciada, do PSDB] dizendo que foi assediada pelo líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), [com a proposta de] R$ 1 milhão de luvas e R$ 30 mil por mês.
Isso ninguém segura. Era de conhecimento público. Eu li que o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, já ouvira falar do "mensalão". Era uma coisa que Brasília sabia. Só que ninguém queria dizer. O meu papel foi só o de destampar a panela e tornar isso público.

Folha - O deputado Miro Teixeira (PT-RJ) confirmou ter sido procurado pelo sr., mas disse que o sr. se recusou a tornar pública a denúncia da prática do "mensalão".
Jefferson -
É um equívoco dele. Eu falei com ele quando ele era ministro. Mais de um ano atrás. Na frente dos deputados João Lyra (PTB-AL) e José Múcio.
Ele deixou o Ministério das Comunicações. Veio ser líder do governo na Câmara. Aí me chama: "Roberto, vamos colocar para fora esse "mensalão'". Eu digo: "Vamos, mas depois de dizer ao presidente Lula, porque eu tenho certeza de que ele não sabe disso".
Porque havia, até janeiro deste ano, um cordão sanitário em torno do presidente Lula. Nós não conseguíamos conversar com ele. Nós só chegávamos até o Zé Dirceu, ou até o Aldo Rebelo.
A primeira vez que eu pude conversar com o presidente Lula no gabinete dele despachando foi em janeiro deste ano. E quando eu disse a ele, olhando nos olhos dele, do "mensalão", o choque dele... Eu tenho seis mandatos. Eu sou deputado federal desde o presidente Figueiredo. Eu nunca tinha ouvido falar de financiamento de bancada aliada na base pelo partido do governo. E contei isso ao presidente Lula. E vi a reação dele de perplexidade. E então as coisas pararam.
Mas o que eu estranho é que a Abin, depois que eu disse isso ao presidente Lula, parte para mandar arapongas contra o PTB. Alguém, dentro do governo, não gostou que nós passamos essa informação ao presidente Lula.

Folha - Como o sr. vê a reação do ministro Dirceu à sua entrevista?
Jefferson -
Eu vejo que ele está esperando para ver como vou me colocar para ele poder se manifestar. Eu posso apostar que ele vai falar depois desta entrevista que eu dei. Eu duvido, du-vi-do, que ele negue o que eu estou dizendo.

Folha - O sr. concorda com o discurso do Planalto segundo o qual o "mensalão", se existiu, é problema do PT e não do governo?
Jefferson -
Eu acho que está certo, mas tem gente do governo metida. O ministro Aldo Rebelo, quando ainda líder do governo na Câmara, foi informado por mim do "mensalão". Ele já sabia. É um homem digno. Tentou resolver. Conversou conosco que isso iria dar um escândalo nacional.
Quando ele fala "o governo", está se referindo ao presidente Lula. Esse não sabia, nitidamente.
E não é o PT. Não são os deputados ou os senadores do PT. Isso eu quero deixar claro aqui. É essa cabeça do PT: Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira, Zé Dirceu. É essa cabeça que, para não distribuir poder -porque o PT tem 20% do Congresso, mas na Esplanada tem 80% do PT-, para que isso não desse uma crise...
Esse negócio de exército mercenário, "mensalão", começou agora, com o Genoino, o Delúbio e o Zé Dirceu. E ele se torna efetivo -eu me recordo bem da conversa do [José Carlos] Martinez comigo- em agosto de 2003. Porque havia uma grande insatisfação, não se repartia poder, não se nomeava ninguém para cargo nenhum, e eles começaram a compensar a ausência da transferência de poder.
O PT entendia, na sua cabeça, a sua cúpula, que era muito mais barato alugar um deputado do que discutir com os partidos um projeto de governo.

Folha - Como o sr. compara a reação do governo à primeira reportagem de "Veja" sobre os Correios e a exibida após suas declarações?
Jefferson -
Num primeiro momento, o Zé Dirceu ficou muito hostil comigo depois do meu discurso na Câmara, quando eu assinei a CPI. Na véspera, houve reunião da Executiva do PTB para que todos os companheiros assinassem a CPI e nós devolvêssemos os cargos ao governo.
À noite, os ministros tentaram vir à minha casa: Ciro Gomes, Paulo Bernardo [Planejamento], Zé Dirceu, Aldo Rebelo. Para me demover de assinar a CPI. Eu disse: "Não vou recebê-los. Porque isso tudo foi tramado pelo governo". Vamos para a CPI, a maneira mais clara de limpar a honra do PTB.
No dia seguinte, eu estava tomando banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda subir os ministros Aldo Rebelo e Zé Dirceu. Quando eu saio do banho estão os dois sentados na sala da minha casa.
Eu coloquei ao Zé Dirceu tudo o que eu já disse a você na entrevista passada. Nesse ínterim, sobe um boletim da Polícia Federal, trazido pelo advogado do PTB, dizendo que o Mauricio Marinho [funcionário dos Correios flagrado em gravação recebendo propina e citando Jefferson] descredenciara a fita.
Eu falei: "Se é assim, eu não tenho nenhum problema em retirar a assinatura da CPI. Mas Zé Dirceu, vocês, que esticaram a corda até romper, me expliquem como foi essa coisa de Furnas".
Aí ele repetiu a conversa do Chinaglia. Que recebeu pressão do Severino e do Janene, com ameaça de assinar a CPI, e que adiante eles reconduziriam o Pirandel.
Eu falei: "Mas me importa a restauração da minha honra. A "Veja" está fazendo um verdadeiro linchamento". Ele respondeu: "Roberto, na "Veja" não tenho nenhuma ação, porque a "Veja" é tucana". Eu falei: "Mas "O Globo" e a Globo estão repetindo o linchamento". Ele falou: "No "Globo" eu falo por cima. Dá para segurar".
Retirar a assinatura foi o meu maior erro. Depois que fiz isso, recrudesceu o noticiário contra o PTB. Eu entendi que foi uma armadilha do Zé Dirceu para mim. Recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo.

Folha - Viu onde e como?
Jefferson -
Nas matérias que saíram na revista "Época" e no "Globo" no fim de semana seguinte. Violentamente contra mim e contra o PTB. Eu falei: "Eu errei, eu me enfraqueci ao retirar a assinatura da CPI, e o Zé Dirceu armou essa arapuca para mim".
Foi quando disse ao Walfrido: "Vão botar tudo no colo do PTB. Toda a corrupção que tem dentro dessa estrutura de relações da cúpula do PT em algumas empresas do governo no colo do PTB".
Eu li agora que a PF "identificou um esquema de corrupção nos Correios, no IRB e na Eletronorte". Vão colocar no nosso colo. Vão enterrar a CPI e, enterrando a CPI, é inquérito, e o delegado da PF está agindo politicamente. Ele só vem para cima do PTB. Aliás, numa violenta ilegalidade, porque, para investigar deputado federal, tem que ser Supremo, não pode ser juiz de primeiro grau.
Todas as diligências -apreensão de documentos, prisões de pessoas, apreensões de computadores- têm sido autorizadas por juiz de primeiro grau contra o deputado federal Roberto Jefferson, quando o foro competente devia ser o Supremo Tribunal Federal.
E hoje [sexta-feira] no "Globo", num noticiário promovido pelo governo, sai que eu mandei gravar o Marinho. Que a PF e o governo "desconfiam" que o deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, foi à Abin e pediu que um órgão de Estado filmasse o Marinho. Olha a conversa!
Eu vejo nitidamente o dedo desse segmento -Zé Dirceu, Genoino, Delúbio- para colocar esse cadáver podre no colo do PTB.

Folha - E quanto a seu amigo Henrique Brandão, dono da corretora de seguros Assurê, contra quem a PF diz ter obtido indícios?
Jefferson -
É meu amigo há 30 anos, um homem honrado. E eu quero dizer uma coisa: foi o único que ajudou o PTB, da maneira possível, nas eleições municipais.
Eles querem pegar o Henrique Brandão para me atingir pessoalmente e ao meu partido como um todo. Ele não é suspeito de nenhuma irregularidade. Por que a invasão da casa dele, do escritório dele, apreensão de computador?
Eu vejo claramente que está havendo um inquérito político, e nesta semana a coisa voltou a recrudescer porque eu marquei o meu depoimento, aberto à imprensa, na Comissão de Ética, na próxima terça-feira, às 14h30. Está havendo uma correria política da PF no Ministério da Justiça para tentar enfraquecer o que eu devo dizer ao Brasil. A PF faz tudo na correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética.

Folha - Na entrevista que concedeu quarta-feira, Delúbio Soares o acusou de praticar chantagem. O sr. não acha que, ao não contar sua história toda de uma vez, o sr. respalda essa interpretação?
Jefferson -
Em hipótese alguma. Chantagem é para ganhar dinheiro, ter contraprestação financeira. Eu falei do "mensalão" aos ministros no ano passado. Isso não é chantagem, é advertência.
É que eu acho que chegamos a um ponto em que exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que podem continuar na base do governo. Eu entendo que acabou a relação.
Eu tenho de ter cuidado, porque na segunda-feira passada houve aqui em casa uma reunião da cúpula do PTB para pedir que eu renunciasse. Mas as coisas têm de ser paulatinas. Tenho de consolidar minha posição dentro do partido. Se eu tivesse renunciado, eu seria jogado aos leões na arena.
Eu pedi prazo a eles, até a reunião do Diretório Nacional [no próximo dia 17]. Eu tenho também uma disputa política interna. Um grupo que quer sair, um grupo que quer ficar. Então, não se trata de chantagem. É cautela para proteger minha posição no partido até a reunião do diretório.
Se eu falo paulatinamente não é por chantagem. É para ir mostrando como as coisas se deram. Eu sento, fico aqui pensando, tomo notas das coisas que aconteceram, tentando rememorar com clareza os fatos para não ferir a verdade e não entrar em contradição. Com toda a serenidade.

Folha - Nos últimos dias, o sr. passou a temer por sua segurança?
Jefferson -
Não temo, não. Depois do que eu já disse, se fizerem alguma coisa comigo, cai a República. Creio em Deus. Rezo. E estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira. Tenho certeza de que as coisas serão diferentes a partir de agora.

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