Lancetado com vigor no epílogo da Era Collor, o tumor da corrupção institucionalizada não foi removido do organismo nacional. Despertou do sono curto e reparador já no governo de Itamar Franco. Nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, recuperou boa parte da musculatura perdida. Parece cada vez mais forte neste inquietante outono de 2005. Está claro que não foi suficiente lancetar o tumor. A hora, portanto, é da remoção cirúrgica.
Basta de conversa fiada, chega de mentiras, basta de filigranas, chega de sofismas espertos. Em nenhuma época os corruptos que sempre infestaram o país exibiram tanta desfaçatez.
Nunca os brasileiros puderam ver com tamanha nitidez o pântano dos ladrões federais. Dificilmente haverá momento mais adequado para a guerra de extermínio. Que os acusados de todos os governos sejam julgados sem demora. Se condenados, presos sem tardança.
O país já não suporta ser humilhado pela procissão dos patifes impunes: lalaus, silveirinhas, malufs, nayas, cacciolas, waldomiros, jucás ou edmares afrontam a nação sobre andores escoltados por vampiros da saúde, prefeitos que furtam merendas e ladrões postais. Agora não dá mais.
Levado ao canto do ringue, o Brasil saiu das cordas, paradoxalmente, depois de dois golpes quase simultâneos que anunciaram a iminência do nocaute. O primeiro foi a tentativa governista de evitar a CPI dos Correios. O segundo seria a cafajestagem criminosa chamada "mensalão".
"Se preciso, vamos cortar na carne", prometeu Lula. É bom cumprir a promessa – e logo. Já deixou de defender Roberto Jefferson. É bom parar de solidarizar- se com gente como Romero Jucá, recitando que todos são inocentes até prova em contrário. Sobram evidências contra Jucá.
Presidente que só demite ministros depois de presos não merece ter renovado o voto de confiança. E o Brasil precisa ser poupado da discurseira dos advogados de delinqüentes de estimação. José Genoino, José Dirceu, João Paulo Cunha, Aldo Rebelo, Aloizio Mercadante: algumas horas de silêncio, por caridade. E que falem os políticos honestos (não são poucos) silenciados pelo corporativismo ou por conveniências. Eles sabem bastante.
Sabiam dos horrores divulgados pelo JB em setembro e agora confirmados por Jefferson. É hora de falar. Delúbio Soares, tesoureiro do PT, comprou votos de deputados. Quanto e com quem gastou? Conseguiu o dinheiro no PT, abastecido por contribuições dos ocupantes de cargos de confiança, ou no governo? Sabe-se que a deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO) recusou o "mensalão". Quem fez a proposta? Outros aceitaram. Quem são?
A nação quer saber o que houve e o que há. Que as respostas não tardem. Esperamos demais.
Uma nação incendiada já no berço
Como nação, a Bolívia nunca existiu. Quase dois séculos de independência não revogaram os fundos antagonismos entre dois povos que ocupam aquele espaço no mapa. No altiplano estão descendentes de indígenas, que falam o dialeto quéchua. As terras baixas são dominadas por netos de europeus que falam espanhol. Nem mesmo ingênuos profissionais sonham com algum processo de miscigenação. Se não existe nação, também não há um país de verdade. A Bolívia é uma ficção geopolítica reduzida à miséria por vizinhos brutais, oligarcas gananciosos, militares trogloditas. Se vier a guerra civil, não importa o vencedor: o fim será o nada.
Como ensina o ministro do Otimismo, Luiz Gushiken, tudo tem seu lado positivo. Lula ficou decepcionado com o parceiro Roberto Jefferson. Em compensação, já não precisa ouvi-lo cantando "Eu sei que vou te amar".
A grandeza estóica de um Rei
Surpreendido pela prisão do filho Edinho, acusado de envolvimento com traficantes de drogas, Pelé reagiu com a grandeza estóica de um rei. Duda Mendonça teria sacado do celular para pedir socorro ao ministro da Justiça. Pelé não é Duda. É Pelé, que se afastou temporariamente do trono para reassumir a identidade anunciada na certidão de batismo.
Dias antes, Pelé viajara para o exterior. Quem regressou a Santos foi o cidadão Edson Arantes do Nascimento. Um brasileiro mortal como todos. Um pai abruptamente golpeado pelo drama.
Ainda com as feridas abertas, surgiu pronto para encarar o assunto nos olhos e tratá-lo por meios legais, sem recorrer aos amigos poderosos de Pelé. Enquanto contratava advogados para cuidar do caso, correu ao encontro do filho na cadeia. Abraçou-o em lágrimas. "Vamos sair dessa juntos", prometeu.
"Você não tem culpa nenhuma nisso tudo", ressalvou Edinho, chorando também. Ele conhece o pai, o homem e a lenda. Adivinhou que o maior jogador da história incluiria entre as raízes do problema as ausências provocadas por viagens.
Apesar do que Edinho dissera, foi exatamente o que fez na entrevista que ele próprio convocara. "O trabalho me obrigou a ficar muito tempo longe de casa", lamentou. "Gostaria de ter convivido mais com o garoto. Eu, que fiz tantas campanhas contra o uso de drogas, não notei o que acontecia tão perto de mim".
Entre acessos de choro, nada escondeu. Não tentou transferir culpas, nem se imaginou vítima de conspirações, não responsabilizou terceiros. Reconheceu os pecados do filho, admitiu ter transportado em seu helicóptero o traficante Naldinho.
"Ele é filho do Pitico, um velho amigo", informou. Acredita que Deus decidiu entregar-lhe outra missão difícil. Pretende cumpri-la. Quer tirar Edinho da prisão para interná-lo numa clínica especializada em recuperar dependentes de drogas.
Confrontado com um problema dramático, esse homem soube enfrentá-lo com a coragem e o equilíbrio típicos de reis merecedores do trono. Assim deveriam agir os brasileiros. Assim deveriam agir os chefes de governo. Assim deveria agir Lula da Silva.
Miremo-nos todos no exemplo de Pelé.
O PROPINA é o dono da taça
Apresentado às evidências de que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, comprou o apoio ao governo de deputados do PP e do PL, José Genoino soltou a frase que lhe valeu a taça da semana:
O relacionamento do PT com todos os partidos da base aliada, inclusive o PTB, se assenta em pressupostos políticos e programáticos.
Esse ideário comum deveria ser reunido num Programa Para Identificar Novos Aliados. Ou PROPINA.
Realizar um fórum mundial sobre combate à corrupção no Brasil – e escolher Brasília como sede – equivale a promover um simpósio internacional contra o terrorismo nas cavernas afegãs de Osama Bin Laden.
Bem-vindo seja esse fracasso
O fiasco na Argentina ocorreu na hora exata. Perder por a 1 para os vizinhos sempre talentosos, aliás, nunca foi nenhum fiasco. Mas ficou parecendo, porque a Seleção Brasileira desembarcou em Buenos Aires transpirando autosuficiência. Animados com o bom desempenho no jogo contra o Paraguai, os mais jovens acreditaram numa falácia da imprensa: nasceu um d re am team. Deu no que deu.
O grupo comandado por Parreira reúne todos os trunfos para virar um time dos sonhos e trazer a Copa da Alemanha. Basta escalar a humildade no lugar da arrogância.
augusto@jb.com.br
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