Presidente não quer ser refém
Daniel Pereira, Karla Correia e Sérgio Pardellas
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BRASÍLIA - A estratégia do Planalto de desqualificar a denúncia do deputado Roberto Jefferson e blindar o governo foi revelada no fim da tarde de ontem. Depois de um dia intenso de reuniões do chamado "Gabinete da Crise", que mobilizou ministros e assessores do governo, a palavra final foi dada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
– Não podemos ficar reféns de Jefferson, disse Lula, que semanas antes o chamara de parceiro.
Ao ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, foi delegada a tarefa de, como porta-voz, seguir à risca a estratégia de defesa traçada pelo Executivo. Em entrevista rápida, disse que a denúncia não atinge o governo. Relata apenas suposto pagamento de mesada do PT ao PP e PL.
– Não há nenhuma acusação contra o governo – disse Aldo, jogando, mesmo que indiretamente, uma eventual culpa no colo do PT e do tesoureiro do partido, Delúbio Soares, fonte pagadora do mensalão, segundo Jefferson.
Aldo reconheceu que Lula já tinha conhecimento do mensalão. Afirmou que participou de reunião com o presidente, Jefferson, e os líderes do PTB, José Múcio Monteiro e do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia, além do ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, durante a qual Jefferson fez referências genéricas a pagamento a parlamentares. Segundo Aldo, depois do encontro, Lula pediu a ele e Chinaglia que investigassem o assunto.
Dias depois, de acordo com o ministro, teriam sido levadas ao presidente a reportagem publicada pelo JB a respeito do mensalão e a notícia de que a Corregedoria da Câmara tomara providências para apurar as denúncias. Ainda segundo o ministro, durante o encontro, nenhum dos interlocutores teve a curiosidade de saber de Jefferson a origem do dinheiro e o autor do pagamento aos parlamentares.
A mobilização do "Gabinete da Crise" começou cedo. Por volta das 5 horas da manhã, ministros foram instados a correr para o Planalto. O primeiro passo foi cancelar um pronunciamento do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Em seguida, ponderou-se que o governo não teria outra alternativa senão dar uma resposta rápida à opinião pública. Seria o modo adequado para blindar Lula das acusações. Uma das propostas teria sido levantada por Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula.
Carvalho sustentava que o presidente deveria pedir o desligamento do PT, dizer que se sentiu traído e anunciar ampla reforma ministerial. A idéia, no entanto, foi logo descartada, depois de ministros argumentarem que o presidente poderia, ao se descolar do PT, sair mais fragilizado.
Lula culpa o PT
Com o esquema confirmado pelo presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo de segunda-feira, Rebelo, travestido novamente de porta-voz do Planalto, alegou que nada ligava o pagamento ao governo. E jogou a culpa sobre o PT. "A denúncia refere-se ao hipotético pagamento de um partido a parlamentares de outros partidos", tergiversou. A mesma tese empunhada pelo líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). Presidente do PT, José Genoino cumpriu seu papel e saiu em defesa do partido. "O PT não está num mar de lama", bradou.
O caso não é tão simples. Em 24 de setembro do ano passado, o JB revelou a existência da mesada de R$ 30 mil paga a deputados aliados para garantir votos em projetos considerados essenciais ao governo. O deputado Miro Teixeira, então no PPS, hoje no PT, revelou o acerto: " Afirmei, e reafirmo agora, que eu, ou qualquer outro parlamentar que tivesse provas do que vem sendo chamado de mensalão, teria o dever de levar a denúncia ao presidente". A senadora Heloísa Helena, confirmou. João Paulo Cunha prometeu investigar o caso e encaminhou a reportagem para a Corregedoria da Casa. Miro Teixeira recuou, Heloisa também, nenhum parlamentar se apresentou para confirmar o pagamento e o assunto foi para o baú.
Do Congresso, não do governo. O governador de Goiás, Marconi Perillo, contou ontem que havia alertado Lula sobre o esquema há um ano e quatro meses. Depois da reportagem do JB, teria-se se seguido, três meses depois, o alerta de Jefferson. Se o governo estancou a gasoduto da propina, não culpou, nem puniu seus autores. Especialmente um, o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, homem de confiança de Lula desde sempre.
Tão de confiança que, entre um e outro, o presidente ficou com o tesoureiro. Abandonou o aliado em quem disse confiar a ponto de entregar um cheque em branco e a qual definiu como um parceiro no momento em que Jefferson estava atolado nas denúncias de propinas nos Correios e no Instituto de Resseguros do Brasil. Aldo Rebelo versificou a mudança de idéia de Lula no fim da tarde, quando desqualificou a versão do presidente do PTB. Juristas argumentam que o silêncio pode configurar crime de responsabilidade, caso se confirmem os pagamentos. O mesmo crime que levou ao impeachment do ex- presidente Fernando Collor em 1992.
A reação confusa do Planalto, a nota difusa do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a quem Jefferson contou ter alertado sobre o esquema, e a frágil defesa de Genoino causaram perplexidade ao Legislativo.
O senador Delcidio Amaral (MS), líder do PT no Senado, sugere que se apresse a reforma ministerial para contornar a crise e recompor a base no Congresso. Esta seria também uma forma de estancar o ímpeto da oposição. O PSDB sinalizou disposição para o diálogo para evitar que a denúncia ponha em risco a governabilidade. Líder tucano no Senado, Arthur Virgílio Neto observou que se o governo punir os culpados, seu partido está disposto a montar uma agenda de votações no Congresso. Assegurou, contudo, que não há hipótese de a oposição recuar no propósito de instalar a CPI dos Correios. Os governistas, porém, insistem em derrubar a investigação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara
MIRO:JEFERSON SABE MAIS
Paulo de Tarso Lyra e Sérgio Pardellas
BRASÍLIA - O deputado Miro Teixeira (PT–RJ) afirmou ontem que o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) sabe muito mais sobre o mensalão do que denunciou ontem. Ao fazer esta declaração, o deputado está contradizendo uma posição assumida em setembro do ano passado, após o JB publicar reportagem denunciando o esquema. Na época, Miro negou que conhecesse o fato. Agora Miro não só confirma a história, como ainda acrescenta:
– Conversamos sobre nomes, reuniões e procedimentos. Ele é testemunha, não eu. Miro afirmou que a primeira conversa com Jefferson aconteceu quando era ministro. A segunda, como líder do governo na Câmara, aconteceu no corredor da Casa. Miro teria puxado Jefferson e cobrado que ele fosse a Lula denunciar o fato.
– Pedi que fôssemos juntos. Ou então, que falasse na tribuna da Câmara, que eu discursaria logo em seguida. O Jefferson disse que não faria isso. Miro admite que, apesar da gravidade da denúncia, não levou o assunto ao conhecimento do presidente. O petista justifica-se dizendo que que seria leviandade se, na época, levasse alguma informação ao presidente sem que tivesse provas.
– Se contasse a história, o Jefferson me desmentiria. Ficaria o dito pelo não dito.
O presidente do PPS, Roberto Freire, confirmou ter sido procurado por Miro, após a conversa com Jefferson. Disse ter sido procurado por outros deputados delatando o esquema, mas não quis revelar quem são.
Ontem, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), contou que aliados do governo procuraram dois deputados tucanos e ofereceram uma "mesada" de R$ 40 mil para que eles trocassem de partido. Perillo afirmou ter contado isso a Lula, que, segundo o governador, desconhecia o assunto.
– Foi um assédio. Era para trocar de partido e ir para a base do governo, por uma mesada de R$ 40 mil por mês e R$ 1 milhão por ano de bônus – afirmou.Câmara engavetou denúncia
Paulo de Tarso Lyra
BRASÍLIA - Com base na reportagem do JB, a Câmara teve a chance de investigar as denúncias de pagamento de ''mesada'', mas não o fez. A investigação foi enterrada em apenas 12 dias, sem que um único depoimento fosse tomado ou algum documento examinado.
As ameaças do ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), de processar o JB por conta das denúncias, não se concretizaram. Na época, João Paulo pediu direito de resposta e afirmou que entraria com uma ação por danos morais e outra criminal contra o jornal e os autores da reportagem. Conseguiu apenas o primeiro objetivo. Até o momento, as duas ações judiciais não foram impetradas.
O Jornal do Brasil tentou ontem entrar em contato com João Paulo, mas ele permaneceu durante todo o dia em São Paulo, comemorando o próprio aniversário. A matéria publicada pelo JB relatava um esquema de pagamento de mensalidades, que seria coordenado pelo ex-subchefe da Casa Civil, Waldomiro Diniz. Com base no desmentido divulgado em nota oficial por Miro Teixeira (PT-RJ), João Paulo encaminhou uma representação para a Corregedoria-Geral da Câmara, uma para a Procuradoria Parlamentar da Câmara e outra para a Procuradoria-Geral da República.
O petista anexou ao processo a nota emitida pelo deputado Miro Teixeira, então no PPS, na qual o parlamentar fluminense confirmava que tinha conversado com o JB por três vezes no dia 23 de setembro, mas negava que tivesse denunciado qualquer tipo de pagamento de propina no parlamento.
João Paulo foi o autor do direito de resposta, publicado no JB na edição de 30 de outubro. Manteve a afirmação de que as denúncias eram falsas, que não foram desmentidas nas ''edições subseqüentes, causando constrangimento a todos os 594 parlamentares - sobretudo àqueles que votam ou votaram a favor de projetos do governo federal''.
No dia 6 de outubro, o processo parlamentar foi arquivado pelo então corregedor-geral da Câmara, Luiz Piauhylino (PTB-PE).
- Carece a denúncia feita de pressuposto básico para o seu conhecimento e conseqüente abertura de sindicância: a indicação do nome do deputado a quem pudesse ser atribuído comportamento infringente com o decoro parlamentar - alegou o então corregedor.
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