Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 13, 2005

Dora Kramer:Lembrança do pacote em abril

O ESTADO DE S.PAULO

Domingo, 12 de Junho de 2005



Reforma política feita por iniciativa do Executivo remete a ação de Geisel em 1978 A hora não poderia ser pior para a retomada do debate sobre a reforma política. Além de parecer o velho truque de aludir aos defeitos da estrutura para desviar a atenção dos malfeitos na conjuntura, a proposta de entregar ao Ministério da Justiça a tarefa de alterar as regras do sistema político-partidário-eleitoral remete à lembrança o chamado Pacote de Abril, editado pelo governo Ernesto Geisel alterando as normas para eleições a partir de 1978.

No ano anterior, depois de ver rejeitado projeto de reforma do Judiciário, o general pôs em recesso o Congresso, criou a figura do senador biônico, com um terço do Senado composto por via indireta, alterou a proporcionalidade da representação dos Estados para garantir maior presença de regiões menos desenvolvidas, e estendeu de quatro para seis anos o mandato presidencial.

A semelhança não está na forma muito menos guarda relação com a natureza dos governos, hoje democráticos, mas diz respeito à essência: lá, o Congresso foi fechado; aqui, encontra-se em estado de franca desmoralização, emparedado por denúncias de corrupção, subtraído na condição de debater o que quer que seja com um mínimo de autoridade moral.

A inadequação do momento é tão explícita quanto mais a discussão aparentemente seja propícia. A poder de artificialismo, o cenário mostra-se revestido de uma legitimidade na verdade inexistente. É, em tese, o tipo do assunto contra o qual ninguém fica porque, na prática, a solução proposta refere-se a um problema real.

O sistema político é o setor mais atrasado do País hoje, praticamente o único a se manter inalterado frente aos avanços institucionais ocorridos da democratização para cá. As mudanças são indispensáveis, precisam ser profundas e requerem mesmo, como agora se propõe, a participação do eleitorado.

Mas de forma alguma se pode, por exemplo, começar a falar em reforma política sem se submeter aos cidadãos a questão do voto obrigatório.

E de maneira nenhuma e sob qualquer hipótese, convém que o debate tenha por início um projeto elaborado pelo Ministério da Justiça. Mais não seja, porque no Congresso já tramitam inúmeras propostas. Ignorá-las, ou dar a elas um status de anexo às proposituras do Executivo, recende a oportunismo diante do descrédito da classe política.

Isso não significa que o governo não tenha papel de destaque na condução do tema. Neste aspecto, mais didático que propor isso ou aquilo seria o Palácio do Planalto praticar cotidianamente relações institucionais exemplares.

Qual a autoridade dos atuais locatários do poder para ditar regras se foram os primeiros a agir no sentido de aprofundar os velhos vícios? Não há clima, ambiente ou interlocutores abalizados no momento para debater o assunto. Ao contrário: a hora é de exposição máxima de todas as mazelas de modo à população conhecer bem direito como funcionam as coisas nas relações políticas.

Antes de mais nada o País precisa tomar como pressuposto o consenso da condenação de certas práticas hoje ainda confundidas com "normas inevitáveis ao exercício da democracia pluripartidária", cujos autores mais habilidosos são exaltados em sua competência. Sem o expurgo de determinadas convenções, não se fará nada que preste.

Qual a credibilidade do Congresso ou do Poder Executivo para discutir, a sério, com a população temas como financiamento público de campanhas? Hoje é um assunto obviamente fadado à rejeição.

Falar em fidelidade partidária mediante mecanismos meramente formais, passíveis de burla no dia seguinte à sua aprovação, equivale a sapatear sobre o discernimento da coletividade.

Trata-se, portanto, de um debate postiço, forçado pelas circunstâncias adversas. O mundo político simulará empenho em mudar, mas agirá a fim de manter tudo como está. Não vamos nem questionar a sinceridade de propósitos confrontando-a com a realidade de discursos muitos e ação nenhuma.

Tomando por consistente a disposição de se fazer mesmo a reforma política indispensável, não custa nada suas excelências esperarem um pouco mais, empenhando esforços agora na explicitação e explicação do assunto em pauta: o Poder Legislativo como mercadoria de uso e abuso do Poder Executivo.

Cena final

Com pouco a festejar, líderes de governo consideravam um "alívio" o fato de terça-feira, o Dia D da próxima semana, Roberto Jefferson prestar depoimento na Câmara. Achavam que, assim, a CPI dos Correios fica temporariamente em segundo plano. Um tanto abilolada configura-se a tese, pois a se confirmar o estrago prometido pelo presidente do PTB, o governo estará de vez a reboque da crise.

A grande dúvida é se Jefferson está blefando, mas não parece que esteja. Primeiro, porque não tem nada a ganhar, visto já não ter o que perder.

Segundo, ele seria o último interessado em criar falsas expectativas e transformar sua performance - talvez a última na condição de parlamentar - num enorme fiasco.

Mais plausível é Roberto Jefferson aproveitar o palco para se despedir da carreira política com um epílogo à altura do personagem de ópera que há dias começou a incorporar.

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