O Estado de S. Paulo |
16/6/2005 |
Fala-se agora de um dinheiro sem dono sobre o qual já se falava no caso PC-Collor Muita gente tem apontado, com estranheza e desconforto, semelhanças entre o escândalo em curso e aquele que resultou na interrupção constitucional do mandato de Fernando Collor de Mello em 1992. Similitudes de fato existem, mas não guardam relação com supostas identidades entre um governo e outro. De familiar , ambos os casos apresentam exatamente a questão dos financiamentos obscuros para campanhas eleitorais. Lá como cá, falava-se daquele tipo de dinheiro solto, aparentemente sem dono, genericamente chamado de "sobras de campanha", dinheiro que sai de mãos desconhecidas é entregue a portadores anônimos e passa por doleiros em trajetos normalmente observados por pessoal de apoio. Secretárias e motoristas, em geral. O deputado Roberto Jefferson entregou pistas às investigações sobre corrupção nos Correios e no Parlamento, transferindo à CPI a tarefa de achar as provas materiais. Mas um crime pelo menos confessou: o do financiamento ilegal de campanhas eleitorais. Disse com todos os efes e erres que combinou dar ao governo o apoio do PTB em troca de um auxílio de R$ 20 milhões para os candidatos do partido em diversos municípios na eleição de 2004. O presidente do PT, José Genoino, dá versão mais branda, mas, na essência, confirma o acerto exposto pelo presidente do PTB. Diz Genoino que jamais passou perto de malas de dinheiro e que o combinado não foi a entrega em espécie, mas "apoio material" onde houvesse coligação entre PT e PTB, "tipo programa de TV, camisetas, folhetos". Dito assim parece um acerto inocente, "político e programático" até. Mas não é. Onde já se viu (no espectro da legalidade) partidos trocarem bens materiais entre si e ainda mais sem recibo nem registro? Por essa mesma lógica, Delúbio Soares entrava e saía do Palácio do Planalto e cercanias alegando que, na condição de tesoureiro do PT, não tinha nada demais se reunir com ministros para "fazer política". Ou seja, a motivação sendo político-partidária-eleitoral ficam todos desobrigados - pois há "causa" em jogo - de observar os ditames das leis e dos bons costumes. Há 13 anos, aquele governo afastado alegou em dado momento que as arrecadações de Paulo César Farias pela máquina estatal afora, e mais as sobras da campanha do ano anterior, teriam como destino o financiamento de candidatos de interesse do Planalto nas eleições subseqüentes. Como se essa explicação justificasse alguma coisa. Parecido ocorre agora com a versão apresentada por Genoino. A questão é outra: por dinheiro ou em troca de material "tipo programa de TV, camisetas, folhetos", fato é que o PT comprou o apoio do PTB e, a ter razão o deputado Roberto Jefferson, não pagou. Daí o início da divergência. Em dissonância Escolhido presidente da CPI dos Correios, o senador Delcídio Amaral tem boas chances de não vir a decepcionar a oposição. O líder do PT foi, em todo esse processo, uma voz dissonante no governo enquanto prevaleceu a lógica da truculência e a tentativa de evitar a CPI a qualquer custo. O senador sempre abraçou a tese da moderação e da não agressão aos fatos, principalmente ao fato de que o governo não tinha condições objetivas nem subjetivas para comprar as brigas que comprou. Delcídio Amaral é tido como um homem política, social e mentalmente civilizado. Por isso mesmo, a expectativa é a de que agirá no limite da fidelidade partidária. Equilíbrio Apesar da maioria numérica folgada (32 a 19), o governo ganhou por um voto o comando da CPI. Ou seja, não obteve o controle pretendido, pois ficou nítida a resistência de governistas em praticar a obediência cega, surda e muda. Sem surpresa Pedro Paulo, leitor cujo sobrenome é omitido a pedidos - "fico mais à vontade" - escreve perplexo com a ausência de surpresa em relação ao conteúdo do que diz Roberto Jefferson. Aponta ele: "Podemos estar tristes, civicamente deprimidos, mas não estamos surpresos. Somos capazes de imaginar um ministro reclamando que a Polícia Federal é tucana e prendeu uns doleiros, fechando caminho para o dinheiro que vinha de fora; somos capazes de imaginar dois presidentes de partidos importantes discutindo o pagamento de dinheiro sem nota nem prestação de contas à Justiça Eleitoral; somos capazes de imaginar malas cheias de notas, diretores de estatais fazendo caixa de campanha e um presidente da República mudando diretor de estatal porque ficou enciumado com a propaganda de um governador. Nada nos causa o choque da impossibilidade." E conclui o atento leitor: "Imagine se um Roberto Jefferson qualquer, por maior que seja o seu talento frente às câmeras de TV, contasse as mesmas histórias sobre personagens como Mário Covas, Franco Montoro, Eduardo Suplicy, Fernando Gabeira, ou mesmo o José Genoino e o Lula de algum tempo atrás. Pelo menos teríamos dúvidas, ficaríamos surpresos, preferiríamos aguardar o pronunciamento dos acusados." |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, junho 16, 2005
Dora Kramer - Um crime continuado
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