Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, junho 15, 2005

ELIO GASPARI: O São Jorge catatônico

folha de s paulo
 Lula orgulha-se de ter cortado o Brasil com suas caravanas da cidadania. Esse é um bom motivo para que se ouça o que disse em fevereiro de 1994, quando atravessou o Sul do país. As pesquisas mostravam que ele tinha 30% do eleitorado e Fernando Henrique Cardoso, 7%.
Em Livramento, referindo-se ao Congresso e à sua capacidade de mexer na Constituição: "A responsabilidade é nossa. Temos que criar vergonha na cara e eleger pessoas dignas. Com uma parte do Congresso sob suspeita da população, ele tem pouca legitimidade".
Logo depois, em Rosário do Sul: "Quem colocou os ladrões lá? Não foi obra de Deus, foi o voto do povo. Ou o povo assume a responsabilidade de mudar este país ou vai ter mais ladrões no Congresso". Em Alegrete: "Basta que tenhamos um governo sério, que tenhamos vergonha na cara e que esse sistema financeiro deixe de nos roubar, de ser gatuno".
As falas de Lula relacionavam uma eventual falta de vergonha na cara do eleitorado com a possibilidade de uma redenção nacional por meio de um "governo sério", o seu. Passaram-se 11 anos e 52 milhões de eleitores criaram vergonha, assumiram a responsabilidade de mudar este país e colocaram-no na Presidência da República. Pode-se dizer dele o que ele disse de FFHH em maio de 1997:
"Sempre desconfiei de que havia um grupo que fazia do Congresso um balcão de negócios. [...] O Fernando Henrique foi eleito sob a embalagem do novo, mas não inovou nem na fisiologia. [...] O Congresso está funcionando como uma bolsa de valores fomentada pelo Executivo e precisamos investigar essa corrupção".
O que menos importa nessa parolagem de candidato é o contraste com o comportamento do presidente. É instrutiva a percepção de que Lula fabrica apocalipses para justificar sua candidatura a São Jorge.
Como candidato ou chefe de um partido oposicionista, isso não tem muita importância. Como presidente da República, é coisa perigosa, porque anestesia o político, imobiliza o administrador, lançando-o num estado de catatonia.
No ano passado, quando o governador Marconi Perillo, de Goiás, contou-lhe que rolavam mesadas na base oficialista, Lula teria respondido que isso era coisa iniciada pela tesouraria tucana de Sérgio Motta. "Alertei o presidente de que estava tendo mesada no governo dele", esclareceu o tucano Perillo.
Segundo o depoimento do governador, essa conversa aconteceu durante uma viagem de carro à fábrica da Perdigão, em Rio Verde (GO). O que sucedeu ao candidato que provocava os eleitores de Livramento dizendo que "temos que criar vergonha na cara"?
Apocalipse de mentirinha produz São Jorge de folhinha. Foi o que aconteceu com o general João Batista Figueiredo durante o surto terrorista patrocinado pelo aparelho repressivo da ditadura.
Anestesiou-se diante de atentados contra bancas de jornais, até que explodiu a bomba do Riocentro, matando um sargento e estripando um capitão do DOI-Codi. O general que ameaçava prender e arrebentar os adversários da abertura caiu em torpor catatônico.
Desde que o "mensalão" entrou para o vocabulário da patuléia, o governo olha para a crise com cara de sono. Talvez Lula deva admitir a possibilidade de ter dito em Livramento em 1994 o que se deve dizer em Brasília em 2005: "A responsabilidade é nossa".

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