Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 07, 2005

A democracia ameaçada por Ricardo A. Setti - no mínimo


07.06.2005 |  Para o bem ou para o mal, o governo Lula e o Congresso não serão mais os mesmos após a entrevista do deputado Roberto Jefferson (RJ), presidente do PTB, à "Folha de S. Paulo", denunciando o suposto pagamento de uma polpuda mesada de 30 mil reais, pelo PT, a deputados do PP e do PL para que apoiassem o governo na Câmara e no Senado.

O governo Lula, porque está na encruzilhada da sua própria sobrevivência: se, como diz Jefferson, o presidente soube de tudo em janeiro, "meteu o pé no breque" mas não tomou nenhuma providência para colocar gente na cadeia, incorreu na hipótese de impeachment – nada mais, nada menos. O Congresso, porque, se não investigar uma suspeita que paira sobre várias dezenas de seus membros, desaba no precipício da desmoralização e causa a maior ameaça à democracia brasileira desde que deixamos os grilhões da ditadura, 20 anos atrás.

Mobilizar o Congresso, a PF, o MP

Vários caminhos se abrem diante do presidente mas, começando pelo começo, ele precisaria ter desmentido Roberto Jefferson assim que a "Folha" chegou à primeira banca de jornal. Já foi grave não ter feito isso – e a nota do PT rebatendo o presidente do PTB revelou uma falta de indignação espantosa. Para piorar as coisas, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), confirmou ter alertado o presidente há um ano e meio sobre um provável esquema de arrebanhar aliados políticos para o governo mediante dinheiro.

Ainda que desmentindo, num cenário ideal Lula também deveria, em nome de uma obrigatória satisfação à opinião pública, mobilizar toda a base parlamentar aliada ao governo (parte considerável dela suspeita de grossa, inédita maracutaia) e inclusive apelar à oposição para que ajude a fazer no Congresso um amplo inquérito apto a passar tudo a limpo: a atitude de seus próprios integrantes, o envolvimento ou não do governo, o verdadeiro ou falso silêncio de ministros que teriam sabido da história. (A demora do presidente em se mexer levou a oposição – PSDB e PFL, que por sinal estão tendo uma atitude cautelosa e moderada – a "convidar" uma fileira de nomes mencionados por Jefferson a depor no Senado).

Paralelamente, é preciso colocar a Polícia Federal e o Ministério Público no caso. Que se ouça Jefferson, que se convoque o tesoureiro do PT, Delúbio Soares – suposto distribuidor das gorjetas –, que deponham ministros e parlamentares.

Além da imoralidade, crimes

Isso tudo porque, além de uma grossa imoralidade, a confirmação das acusações de Jefferson configuraria crime. Da parte do presidente, no mínimo, crime de responsabilidade – por ter, com sua omissão, atentado "contra a probidade da administração" (artigo 85, inciso V da Constituição), só para ficar num caso.

Da parte de Delúbio, há mais de uma hipótese do Código Penal teoricamente aplicável. Tráfico de influência (artigo 332), por exemplo: "Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função". Isso dá de 2 a 5 anos de cadeia. Outra hipótese é a corrupção ativa, do artigo 333: "Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício". Aqui, a cadeia vai de 2 a 12 anos.

Ademais, ao tesoureiro do PT caberia explicar a origem do dinheiro que teria sido canalizado para deputados indignos do mandato. Mesmo que ela seja legítima, existe também a dúvida sobre como, e se, a saída do dinheiro era contabilizada.

É impossível, e seria um suicídio político fingir que tudo pode continuar como antes.

Sem liturgia alguma

Uma conhecida personalidade de um determinado setor da vida brasileira que esteve recentemente no gabinete do presidente Lula em São Paulo para tratar de assunto de interesse público saiu de lá horrorizado com o que viu e ouviu.

O gabinete de Lula fica em um dos andares do edifício do Banco do Brasil situado na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta. A reunião de que o visitante participou era interrompida a cada momento, pessoas entravam e saíam, não havia silêncio em parte alguma do gabinete, chamava-se o presidente de "Lula".

A ausência quase completa do que o então presidente José Sarney (1985-1990) chamava de "liturgia do cargo" incluiu o próprio presidente, que com a maior naturalidade inseria palavrões cabeludos na conversa.

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