Chrystiane Silva e Carina Nucci
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A solidez da política econômica tem funcionado como um contraponto às deficiências gerenciais e políticas do governo Lula – e éticas do partido que lhe dá sustentação. Os programas sociais não funcionam? Não funcionam, mas o combate à inflação, sim. Há muita conversa e pouca ação? É verdade, mas o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, se esforça para assegurar o ajuste fiscal e a eficiência do gasto governamental.
É tão sólida a blindagem da política econômica que nem os escândalos da CPI dos Correios e do mensalão abalaram seriamente os indicadores financeiros do país. O risco Brasil, que mede a confiança do investidor estrangeiro, subiu 2,88% depois das declarações do deputado Roberto Jefferson de que o PT pagava uma mesada de 30.000 reais aos deputados da base aliada. O índice foi para 431 pontos, patamar ainda muito confortável – quanto mais alto o índice, maior a desconfiança da capacidade de o país rolar sua enorme dívida pública. Em 1998, quando foi divulgado que os telefones do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foram grampeados durante a privatização das companhias telefônicas, o risco subiu 4,7%, estacionando em perigosos 1.043 pontos. Desta vez, a crise encontrou a economia numa fase virtuosa. O país tem bom nível de reservas, o dólar estava em queda livre quando a crise veio e a expectativa de inflação continua declinante.
Obviamente, como é da natureza da atividade, investidores especulam até quando essa calmaria vai durar. São vários os motivos de preocupação. Em primeiro lugar, não se sabe quais figuras petistas serão atingidas pelos desdobramentos das investigações. Quanto mais bem situadas na hierarquia do partido forem, e quanto mais próximas estiverem do presidente Lula, menos resistente ficará a blindagem da política econômica. Depois, teme-se que as CPIs paralisem a agenda legislativa até o fim do ano, o que impediria o avanço das reformas em curso no Congresso. Nas últimas semanas, esses temores foram reforçados pela decisão do presidente Lula de compartilhar com o ministro Palocci o comando político do governo durante a crise. Palocci não se opôs à liberação de 400 milhões de reais em emendas de parlamentares. Serão 200 milhões de reais desbloqueados e pagos com recursos da arrecadação recorde. Outros 200 milhões de reais saem de emendas do Ministério da Saúde, área que não sofreu corte oficial de gastos neste ano.
Como até as vésperas da crise Palocci não autorizava gastos extras, aos olhos dos mercados ele correu o risco de contaminar sua imagem de guardião dos cofres públicos. Outra frente de preocupação é a menção, mesmo que periférica, do nome de Palocci nas denúncias de Jefferson. Na entrevista que deu ao jornal Folha de S.Paulo, o deputado disse que já havia comunicado a existência do mensalão a Palocci – declaração prontamente desmentida pelo ministro. Palocci é um político experiente, habilidoso e tem credibilidade. Não é à toa que ele tem o ouvido do presidente. Para manter essa boa imagem, o ministro tem procurado usar a transparência como arma. Na sexta-feira, seus assessores confirmaram a VEJA que, no dia 10 de agosto de 2004, o deputado Jefferson pediu uma reunião com Palocci e levou com ele Henrique Brandão – o corretor de seguros acusado por Lídio Duarte, ex-presidente do IRB, de pressioná-lo a pagar uma mesada de 400.000 reais ao PTB.
Na reunião, Jefferson e Brandão apresentaram ao ministro o presidente mundial da Metropolitan Life Insurance Company, William Toppeta (a Metropolitan é uma das maiores seguradoras do mundo). Procurados por VEJA, assessores de William Toppeta informaram que foi Brandão quem o convidou para participar da reunião. "Estamos no Brasil há seis anos e nunca tivemos a oportunidade de conversar com um ministro. Aceitamos o convite de Brandão porque até então nada sabíamos da cobrança da tal mesada." A assessoria de Palocci informou que essa foi a única vez que o ministro manteve contato com Brandão. Em Londres, para onde viajou na quinta-feira passada, Palocci disse que a crise política criada pela CPI dos Correios "não vai afetar a estabilidade e o crescimento econômico". Mas fez uma ressalva: "Os indicadores econômicos ficaram relativamente estáveis, mas isso não quer dizer que a economia é alheia à questão política". O risco existe, como bem reconheceu Palocci. Mas uma blindagem bem-feita pode manter a temperatura da especulação dentro dos limites da normalidade.
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