Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 05, 2005

AUGUSTO NUNES: O companheiro Lula ignora limites

JB

Há limite para tudo, repetiu há meses o deputado federal Fernando Gabeira. Ele ainda era filiado ao PT quando pronunciou a frase. Convidado pelo ministro José Dirceu para um encontro no Planalto, chegou na hora marcada. Depois de 90 minutos de espera, achou melhor voltar para casa. Há limite para tudo.

A lição não é nova. A frase é diariamente repetida por milhares de brasileiros. Por que inspirou tantas manchetes nos jornais? Porque as quatro palavras foram pronunciadas por um político. Na voz do habitante de um mundo em que a esperteza e a conveniência rasa prevalecem sobre princípios éticos e morais, a declaração de Gabeira soou como uma novidade e tanto.

Hoje no PV, ele continua a praticar com naturalidade o convívio dos contrários. Talentoso, sensível, conhecedor do universo que habita, Gabeira não se espanta com alianças que implodem amizades antigas ou acordos entre antagonistas históricos. ''Não há nenhum amigo que não possa virar inimigo nem um inimigo que não possa tornar-se amigo'', dizia Getúlio Vargas. Mas ele sabia que há limites.

A crise que resultou no suicídio do presidente atestou a impossibilidade de se buscar alguma trégua entre, por exemplo, Getúlio e seu arquiinimigo Carlos Lacerda. A troca de ofensas entre governo e oposição fora longe demais, atingira a honra e a alma dos combatentes. Ultrapassara fronteiras sem volta.

Tais reflexões emergem da contemplação de fotos que mostram o presidente da República sorrindo ao lado do senador Renan Calheiros. Ou por declarações de Lula que absolvem liminarmente o deputado Roberto Jefferson de acusações passadas, presentes e futuras. O poder subtraiu a Lula o senso do limite.

Ele certamente não esqueceu um dos mais vergonhosos momentos da história republicana: o programa de Fernando Collor no horário eleitoral gratuito que apresentou ao país uma mulher chamada Miriam, mãe de Lurian, filha de Lula. A exumação da história já era uma abjeção. Mais abjetas seriam as falas de Miriam.

Ela seguiu o roteiro traçado por assessores de Collor, aprovado pelo bando de íntimos que incluía dois deputados: o alagoano Renan Calheiros, futuro líder do governo na Câmara, e o fluminense Roberto Jefferson. Lula conta que nunca se sentiu tão humilhado quanto naquela noite. Enquanto mergulhava no pesadelo em São Bernardo, Collor sorria em Brasília com o espetáculo inverossímil.

Ao lado do chefe, também Renan distendia, satisfeito, a musculatura do rosto de professor secundário nomeado sem concurso. Perto deles, um Jefferson então obscenamente obeso sacudia o corpanzil nos momentos mais ultrajantes. Era o fim de Lula, celebrou o bando collorido quando o programa terminou. Não era.

Lula chegou ao Planalto já cavalgando uma aliança entre partidos dissonantes. No poder, não demorou a constatar que teria de conviver com personagens sem acesso a lares respeitáveis. Mas ninguém imaginou que, em junho de 2005, Lula teria em Renan Calheiros, agora na presidência do Senado, o maior aliado na luta para sepultar a CPI que ameaça Roberto Jefferson.

Não se esqueça do que viu naquela noite, presidente.

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio suspendeu a parte da sentença da juíza Denise Appolinária que tornava inelegíveis, por três anos, o casal Garotinho e seu candidato (derrotado) à Prefeitura de Campos, Geraldo Pudim. O mesmo TRE manteve o afastamento do prefeito eleito, Carlos Alberto Campista, determinado pela mesma juíza na mesma sentença. Depois de um dia de reflexão, o Cabôco acha que pegou o espírito da coisa. E pergunta: por que o TRE não dispensa intermediários - os eleitores - e instala Geraldo Pudim na Prefeitura de Campos?

Trombone desafinado

Escalado para tocar trombone na banda incumbida de tirar o sono do PSDB, o ministro Ciro Gomes foi direto aos tímpanos do alvo preferencial: o governo do ex-presidente Fernando Henrique, que qualificou de ''entreguista e contemporizador com a ladroagem''. Na pausa entre uma página e outra, algum maroto deve ter trocado a partitura. Depois de trovejar que o atual governo é ''nacional e ético'', derrapou nos sustenidos e bemóis: ''A população está de saco cheio de notícia infame de ladroeira ser premiada com impunidade.''

Ciro precisa ensaiar mais.

A parceria da sovinice com a gastança

O viajante compulsivo regressou do Japão com a corda toda. ''Te confesso, Luís, que voltei com mais gás'', disse Lula ao jornalista que o entrevista no programa Café com o Presidente, transmitido pela Radiobrás. (A informação pode ser incluída na agenda positiva de Luiz Gushiken, ministro do Otimismo: a compra de gás da Bolívia está cada vez mais complicada.) Em seguida, fustigou os nativos batizados por FH de ''fracassomaníacos''.

''Quem estiver torcendo para o fracasso do Brasil vai quebrar a cara'', preveniu Lula. O otimismo do presidente não demorou a colidir com uma procissão de números inquietantes. E o próprio governo tratou de providenciar mais motivos para a inquietação nacional. Soube-se que o governo anda consumindo no pagamento de juros, a cada 24 horas, somas extraordinariamente superiores ao conjunto de investimentos em áreas vitais. No primeiro trimestre, o crescimento do PIB foi de 0,3%. A economia está em desaceleração. Os empresários adiam o momento de investir.

Verbas destinadas a setores moribundos são retidas para que o pagamento dos juros continue sem atrasos. O Orçamento da União reservou ao Ministério dos Transportes quase R$ 6 bilhões. Desse total, foram investidos até maio R$ 23 milhões, ou 0,39% do total. Na dianteira aparece o Ministério da Defesa, com R$ 63 milhões. Coisas do Haiti.

Sovina com ministérios depauperados, o Planalto tem sido bastante generoso com o Congresso. Para conseguir sepultar a CPI dos Correios, o governo liberou R$ 400 milhões reivindicados por parlamentares. Juntos, os ministérios investiram até maio R$ 271 milhões.

Um viveiro de corruptos impunes

Em 29 meses de governo, a Polícia Federal promoveu 74 operações concebidas para caçar corruptos de distintas vertentes. Os números não incluem as cifras da bem-sucedida Operação Curupira, divulgada na semana passada para mostrar que nem transgressores escondidos na Amazônia escapam aos braços da lei. O conjunto de investigações permitiu a identificação ou captura de 1.442 acusados.

Não é pouco. Tanto não é que a imaginação dos encarregados de batizar operações foi afetada por soluços: alguns nomes foram usados mais de uma vez. O espetáculo do cerco aos corruptos não pára por aí. A Controladoria Geral da União consumou 5.844 auditorias e devassou as contas de 681 municípios.

"Nunca se combateu comtanta força e eficácia a corrupção no Brasil", gabouse o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. É provável que volte a declamar a fraseno 4º Fórum Global de Combate à Corr upção.

Os participantes da reunião em Brasília se arriscam a ouvir, neste começo de junho, o sotaque de José Dirceu sublinhando uma das bravatas prediletas. "Este governo não rouba nem deixa roubar". Bonito, isso. E tão verdadeiro quanto o latifúndio amazônico do ministro Romero Jucá, o fazendeiro do ar.

A chuva de estatísticas é apenas um instrumento forjado para convencer a nação de que as bandalheiras nos Correios não merecem uma CPI. Bastam o Ministério Público e a Polícia Federal. Também por isso, sonega- se à imprensa um dado essencial: quantos corruptos estão presos? O ex-juiz Nicolau dos Santos Neto continua preso, diria algum sherloque. Lalau está preso em casa. Tremendo castigo.

"Pior que a corrupção é a corrupção impune", afirmou há semanas o ministro da Justiça. É uma obviedade velha como o mundo. Sempre haverá roubalheira enquanto houver impunidade. E o Brasil ainda não aprendeu a prender grandes ladrões. Muito menos a mantê-los engaiolados.

Filmado há 15 meses em plena ação, o extorsionário Waldomiro "Um por Cento" Diniz desfruta em Brasília de uma doce aposentadoria milionária. Beneficiado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o ex-banqueiro Salvatore Cacciolla amarga a vida de foragido. Em Roma, passeando de lambreta. Localizar o endereço secreto de Cacciolla é tão difícil quanto encontrar uma pizzaria.

As asas da liberdade também se abriram para o notório Rodrigo Silveirinha, chefe do bando de fiscais ladrões que arrombou os cofres do Rio no governo de Anthony Garotinho. Faz sentido. No Brasil , R oberto Jefferson é presidente de partido. E Jucá é ministro.

O mestre é bicampeão

Com muito respeito, o júri do Yolhesman Crisbelles decidiu premiar pela segunda vez o professor Candido Mendes, pela seguinte sopa de letras:

"De toda forma, a agilíssima cultura política do debate, transformando o seu corpoa- corpo no da própria realidade, poderá talvez levar a mesma transação à reforma universitária anunciada, ou à política que se aguarda venha, de vez, nas somas algébricas em que os situacionismos de sempre podem tornar irreconhecível a ambiciosa proposta de partida."

Algema não é para prefeitos

A prisão de prefeitos alagoanos que montaram uma quadrilha especializada no desvio de verbas destinadas à merenda escolar deixou intensamente indignado o governador Ronaldo Lessa. Eleito pelo PSB e hoje no PDT, não lhe causou irritação a presença entre os ladrões de prefeitos filiados aos dois partidos. Tampouco o enfureceu a descoberta de que andam roubando até comida de criança, incluído o leite. Só ficou indignado ao saber que os presos foram algemados. Prefeitos merecem respeito, argumenta. Desde que não sejam ladrões, replica o povo.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog