Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 07, 2005

Arnaldo Jabor :Onde está a verdade e onde está a mentira?

Amentira virou verdade? Diante dos vídeos e telefonemas gravados os acusados batem no peito e berram: "É mentira!". Parecem existir dois brasis: um Brasil roído por ratos políticos e um outro Brasil povoado de anjos e "puros". E o fascinante é que são os mesmos homens. O povo está diante de um milenar problema fisiológico (ups!) — isto é, filosófico: o que é a verdade? O que é a mentira? A verdade são os crimes evidentes que a PF descobre ou os desmentidos dos que os cometeram? No Brasil, acaba sendo o discurso do poder vigente. A anomalia do Judiciário protege a "verdade/mentira" (no Brasil formam uma unidade dialética), com o lema de que "o réu é inocente até que se prove o contrário". Tudo bem, só que aqui nada prova nada nunca: nem o cheque assinado na Suíça, nem a conta nas Ilhas Jersey ou a evidência do roubo no TRT paulista (lembram?).

Nossas "verdades" institucionais foram construídas por 500 anos de mentiras. Portanto, virou uma razão de Estado a proteção à mentira brasileira inventada pela secular escrotidão portuguesa, que criou o DNA dos canalhas que vemos hoje na TV negando tudo. Se a verdade aparecesse em sua plenitude, nossas instituições cairiam ao chão. Mas tudo está ficando tão claro, insuportável, que, talvez, tenhamos de correr esse risco de quebra, apesar do perigo de que a direita virá correndo restabelecer a paz "da verdade das mentiras". Por isso, o governo acha que é necessário proteger as mentiras para que a falsa verdade do país permaneça.

O presidente entra dizendo que vai usar a verdade para combater a mentira e logo, logo, está usando a mentira para fazer valer sua nova "verdade".

Lula diz: "Eu dou cheque em branco ao Roberto Jefferson". Sabemos que é mentira, pois Lula pensa: "A verdade não pode ser dita; preciso da mentira para que o sistema não caia, para que o PT não se esfacele e para que eu me reeleja. Eu minto em nome de uma verdade maior!" FHC usava os ladrões também, mas lhes impunha sutis limites; o PT despreza a democracia "burguesa" e abriu a porteira com desdém pelos ladrões e ficou prisioneiro deles, sem contar os neoladrões petistas.

Lula mente para si mesmo, achando que só defende a "causa do povo" — que, aliás, é um pouco "verdade", pois está defendendo sua própria causa, porque, afinal, ele é "do povo", ou melhor, "era", antes de subir na vida, ostentando sua saga de vendedor de picolé em Santos até beijar deslumbrado a mão da imperatriz do Japão.

Vejamos outro símbolo do momento: as lágrimas de Suplicy no Senado, assinando a CPI. Foram lágrimas de crocodilo ou lágrimas de verdade? Par ou ímpar? Bem... começou como mentira, passando a perna nos companheiros de partido que iam assinar. Foi oportunista ou sincero? Talvez as duas coisas? Agora, faturando o desprestígio do governo, parece verdadeiro e está eufórico, fazendo cooper .

E o Genoino? Quando acusa o FHC pelo caso da pasta rosa, sabe que está mentindo, que aquilo foi uma chantagem, mas acredita na mentira "de esquerda".

E as fazendas imaginárias do Jucá, que continuam produzindo? E os 40 mil caminhões do mogno arrancado da Amazônia com papéis falsos? E o caso do IRB, com o ex-presidente Lídio Duarte, herói por três dias, desafiador dos corruptos que voltou atrás no depoimento? Qual o verdadeiro Lídio, o corajoso ou o covarde? E o magnífico, o insuperável Mauricio Marinho, dos Correios, que confessou seus roubos para o vídeo? Que prazer perverso deve ter tido naquele orgasmo de verdades, revelando suas mentiras?

E o José Dirceu? Qual o verdadeiro Dirceu? O velho bolchevista que se disfarçava em nome do socialismo ou o Dirceu "democrático"? Dirceu é pelo Palocci ou não? Dirceu viveu clandestino dentro da própria vida, com operação plástica em Cuba, durante quatro anos de casamento. Qual era o verdadeiro? O falso marido ou o revolucionário em campanha?

O próprio Dirceu talvez não saiba. Para os comunas clássicos, a vida real não é verdadeira. Sua missão é algures, mais além da vida "burguesa". Pensam: "A vida como a conhecemos é uma mentira; logo, a verdade está onde ela não está, além dessa realidade careta, feita de esposa, filhos, casa. A verdade é algo que não existe ainda e que nós, até mentindo, poderemos um dia atingir".

E o assassinato de Celso Daniel — óbvio que ulula (não o Lula), "ulula" à nossa frente pela trapalhada ridícula que foi, visível a olho nu — que foi logo abafado para que a verdade do que aconteceu não atrapalhasse a verdade do que ainda não aconteceu e que será, um dia, a "luminosa" apoteose do PT, salvando a pátria dos idiotas que acreditam na mentira do tempo presente e que não sabem sonhar com a utopia do operário-Cristo subindo ao céus?

E o meu ídolo, meu megastar, o fascinante Roberto Jefferson, o Pavarotti do PTB? Onde está sua verdade? Está no elefante do passado, quando comia na mão do Collor, ou estará no Jefferson de hoje, de barriga operada, magro, cantando ópera para o Lula ? Onde estará esse homem impalpável? Está no "rolha de poço" ou no Fred Astaire? Aliás, há algo em comum entre a operação plástica de Dirceu e a de Jefferson: ambos se esconderam dos outros e de si mesmos. Os dois queriam ocultar o passado: um revolucionário e o outro, digamos, patético, do "Povo na TV". Jefferson fez uma espécie de autocrítica na imprensa: "Eu era brutal, dava tiro; depois me curei, emagreci e hoje canto óperas!". Quando virá a autocrítica de Dirceu? Jefferson e Dirceu também são ubíquos: os dois estão em toda parte. Não há um escaninho do Executivo em que Dirceu não se meta e não há uma estatal na qual Jefferson não tenha cumbuca. E os dois lutam contra a CPI; um não quer a CPI para que a verdade "revolucionária" não sucumba; e o Jefferson, para que não se descubra que continua voraz, "comendo" de tudo, apesar da cirurgia do estômago. Dirceu engordou — era um gato nas passeatas de 67 — e Jefferson emagreceu, mas continuou um gato.

E nós, uns patos.

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