O ex-ministro Delfim Netto conta que, a cada instante, sabia-se que o regime ditatorial iria acabar. "Um sistema como aquele não tem condição de permanecer, não tem continuidade; a cada instante, você sabia que ia terminar." Quando olha o futuro, Delfim acha que o grande ativo que o Brasil tem na competição com outros países é a democracia.
Este ano, tenho tido muitos motivos para refletir sobre o passado. A democracia que completa vinte anos é um deles.
Olhei para trás também numa reportagem sobre os fatos econômicos dos últimos 40 anos, para o aniversário da TV Globo. Nas fitas de arquivo, vi um tempo que parecia recente — e muito remoto. Os planos econômicos, crises, aflições e esperanças. E revi pronunciamentos na TV feitos por autoridades. Os erros se repetem. O ex-presidente José Sarney mandando o povo reagir contra a inflação é a versão antiga da acusação do presidente Lula aos traseiros brasileiros com banco.
Para montar a reportagem, fizemos duas longas entrevistas com os dois ministros que são símbolos, cada um no seu tempo: Delfim Netto e Pedro Malan. Se for somado o tempo em que cada um mandou na economia do país, dá o incrível número de vinte anos.
Delfim ficou sete anos no Ministério da Fazenda, de março de 1967 a março de 1974. Depois ficou cinco anos e sete meses no Planejamento, de agosto de 79 a março de 85, no governo Figueiredo. De onde estava, seja em um ou em outro ministério, ele mandou na economia. No primeiro período, o Brasil deu um salto de crescimento; no segundo, viveu uma recessão. Quando se procuram os motivos do crescimento ou da recessão, uma parte da resposta é sempre o mundo. A economia mundial estava crescendo quando o Brasil decolou. Delfim rejeita o rótulo de milagre para o período em que o país mais cresceu, nos anos 70:
— Milagre é efeito sem causa. O que produziu o milagre foi o trabalho dos brasileiros.
Uma parte do trabalho foi aproveitar o crescimento mundial. Como agora. Só que, naquela época, o país fez reformas:
— O Brasil só começou a crescer realmente a partir de 67, quando introduzimos a reforma tributária. Nós corrigimos o câmbio, introduzimos uma taxa do tipo crawling-peg (que funcionou como minidesvalorizações), reduzimos tarifas, expandimos prazos de recolhimento de impostos, de forma que o sistema produtivo iniciou um processo de expansão que continuou até 1979 — disse Delfim.
Na rota do crescimento, segundo Delfim, um grande aliado é o comércio exterior. Por acreditar nisso, ele bate o tempo todo na tecla de que o governo atual está "assassinando" a taxa de câmbio.
Delfim debita na conta do ex-presidente Ernesto Geisel o erro de o país não ter se preparado para a crise do petróleo. Disse que o presidente da França de então, Giscard d'Estaing, o alertou que os árabes estavam se preparando para formar um cartel e subir o petróleo. Ele contou ao presidente Médici, que convocou uma reunião. Geisel, então presidente da Petrobras, recusou a proposta de se fazer contratos de exploração de petróleo:
— Geisel disse que quem entendia de petróleo era ele e não o Giscard. O tempo mostrou quem entendia de petróleo.
Delfim rebate a crítica de que o modelo de crescimento dos anos 70 foi concentrador de renda:
— Por que o Brasil está nesta situação de concentração de renda até hoje? Eles tiveram 20 anos para mudar a concentração de renda. O que mudou? Aquele modelo dava emprego. O emprego cresceu 3% ao ano e o salário teve aumento real. O Lula é testemunha disso. Um dia, num ataque de lucidez, ele disse que tinha conseguido comprar o seu Volkswagen em 73 graças ao crescimento. Esse é um símbolo desse processo.
No segundo tempo do Delfim, o país despencou e perdeu 5% do produto. O Brasil estava muito endividado e os juros americanos foram a 21%.
— Quando eu e Simonsen vimos que o presidente do Fed seria Paul Volcker, nós ficamos de cabelo em pé porque sabíamos o que ele iria fazer.
Apesar da recessão, Delfim vê como bom aquele período, porque, segundo ele, fez um ajuste e preparou o país para o crescimento de 84 em diante.
Na lista de erros que o Brasil cometeu nesses tempos, ele põe os congelamentos de câmbio, uma das vezes, feito por ele mesmo:
— Quando você olha o passado, quando o futuro virou passado, claro que você podia ter feito diferente. Eu fiz o que eu podia, numa larga medida o que eu devia, com o que eu sabia.
Hoje, o ex-ministro apóia o regime de metas de inflação, elogia o ajuste feito pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, cobre de elogios o ministro Antonio Palocci, mas lamenta os juros altos. Recomenda mais corte de gastos para aliviar a política monetária de todo o peso do ajuste. Sobre o futuro mais longo, ele prevê crescimento robusto para o Brasil. Cita o estudo do Goldman Sachs que diz que Brasil, Rússia, Índia e China serão os países destinados a crescer. Nesta lista, a China tem muitos desafios pela frente, um deles é político:
— Quando o PC chinês entregar a rapadura, quero ver como vai ficar.
A Rússia está entrando em outro czarismo, e a Índia tem divisões religiosas e étnicas graves demais.
— O Brasil teve um upgrade político. Saiu de um regime autoritário para um regime de plena liberdade com independência dos poderes, que viveu há dois anos uma notável transição política — comemora.
E é a democracia um dos pilares da construção do futuro. A conversa com Pedro Malan fica para amanhã.
O GLOBO
Entrevista:O Estado inteligente
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