''Eu não me chateio'', reiterou anos a fio o artista Gilberto Gil. ''Eu nunca me chateio'', passou a enfatizar o ministro Gilberto Gil quando fustigado por incômodos inerentes ao cargo. O jeito zen de ver a vida sempre sublinhou o temperamento dessa figura singular. Engolfado por amigos que invadem o camarim depois do show, Gil sorri com a tranqüilidade que recorda uma praia deserta da Bahia. Com o mesmo sorriso, administra a procissão de entidades e indivíduos que buscam ajuda num ministério especialmente castigado pela falta de dinheiro.
Preso e humilhado pela ditadura militar, que o forçou a se exilar em Londres, o artista fez de aflições e angústias fontes de inspiração para músicas suaves, doces. ''Para mim, quanto mais indolor, melhor'', ressalva. ''Não gosto de dores físicas, morais ou psíquicas. Mas não me chateio''. Tem sido assim desde a posse. Sem renunciar ao sorriso, vem lutando teimosamente, sem barulhos, para abrandar o raquitismo financeiro do ministério. Ganhou algumas batalhas, perdeu a maioria. A voz da resignação parece tê-lo aconselhado a seguir adiante.
Na semana passada, a paciência enfim acabou, exaurida pela usura da equipe econômica. O homem que nunca se chateia está chateado. Tão chateado que apresentou a Lula o ultimato: deixará o cargo se não for liberada ao menos parte da verba estipulada pelo Orçamento. São R$ 289 milhões (cerca de cinco Aerolulas e meio). Desse total, R$ 125 milhões serão engolidos por despesas fixas. Dívidas já contraídas consumirão R$ 78,9 milhões. Mais R$ 34 milhões estão comprometidos com projetos específicos. A ninharia restante desestimula até sonhadores uterinos como Gil.
As cifras que atestam o desapreço do governo pela cultura colidem estrondosamente com números colhidos em outros setores. Um levantamento promovido pelo jornal Folha de S.Paulo acaba de comprovar que a Era Lula engordou a máquina federal com 19.409 novos cargos, 3.305 dos quais preenchidos sem concurso. Em média, portanto, nasceram a cada mês 700 empregos federais.
Em dezembro de 2004, a multidão de servidores do Executivo na ativa (civis e militares) somava 884.090 - aumento de 9,16% desde janeiro de 2003. O socorro a companheiros sem serviço foi acelerado pela edição de 12 medidas provisórias destinadas à criação de postos federais. Um descomunal monumento à gastança.
Não aos olhos do ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil. ''Estamos remontando a máquina pública destruída pelos oito anos de Fernando Henrique Cardoso'', repete Dirceu. Nessa hipótese, os bombardeiros mobilizados para a ampliação da ''herança maldita'' parecem ter sido particularmente devastadores na área do Distrito Federal: a procissão de novos servidores da pátria aumentou sensivelmente a população de Brasília. Os recém-chegados se alojaram aos bandos nas cercanias do poder.
O argumento de José Dirceu também derrapa na evidência de que as contratações têm ignorado sistematicamente carências urgentíssimas. Em todo o Brasil, guichês desertos multiplicam as filas da Previdência, da Receita Federal, dos postos de saúde. Imploram por mais especialistas organismos como o Ibama, o Incra, a Funai. Nessas siglas, os quadros funcionais registram buracos perturbadores. Mas oferecer a militantes petistas empregos nessas paragens não é proposta. É ofensa.
A desativação dos trens da alegria que não param de apitar no cerrado poderia garantir a permanência de Gil no governo. Ele ao menos se livraria do constrangimento de chefiar funcionários com salários em atraso.
JB
Entrevista:O Estado inteligente
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