O Estado de S.Paulo 07/05/10
O Congresso Nacional pode até não conseguir aprovar o projeto que veta candidaturas de gente condenada por crimes dolosos graves a tempo de a lei entrar em vigor já para a eleição deste ano.
Mas, se na próxima terça-feira a Câmara mantiver a disposição exibida pela maioria do plenário na noite da última quarta-feira, se o Senado corroborar a posição e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar sem vetos, ainda que a regra só se aplique daqui a dois anos, na próxima eleição municipal, terá valido a pena o esforço.
Mesmo sendo um caso específico com efeitos passageiros, a pressão social pela aprovação do projeto Ficha Limpa propiciou algo que há muito tempo não se via no Legislativo: o fortalecimento do papel de parlamentares mais qualificados, em geral eleitos pelo chamado voto de opinião, e que nas últimas legislaturas foram sendo gradativamente substituídos por políticos cujos atos não se curvam a pressões da sociedade, pois seus mandatos guardam pouca ou nenhuma relação de causa e efeito com o interesse público.
Uma série de fatores, sendo o eleitoral o mais forte deles, permitiu que uma conjunção pluripartidária conseguisse vencer a força a pior inércia que toma conta do Parlamento.
O deputado Índio da Costa, do DEM, o primeiro relator do projeto, reconhece que a proposta só andou porque a relatoria passou para as mãos do petista José Eduardo Martins Cardozo na Comissão de Constituição e Justiça. Ele modificou o texto e deu à redação uma versão possível, mas que ao mesmo tempo preservou o espírito da depuração na triagem de candidaturas.
É claro que o Congresso Nacional poderia ter tratado do assunto antes e dado atenção devida à proposta que foi entregue à Câmara no ano passado com 1 milhão e 700 mil assinaturas.
Na verdade, poderia tê-lo feito bem antes, pois o assunto há muito é objeto de debate e já foi tema tratado pelo Supremo Tribunal Federal: sem mudança na lei das inelegibilidades, o tribunal não tinha como se conduzir a não ser pelo preceito geral da presunção de inocência até o completo trânsito em julgado das ações judiciais.
A cobrança sobre o que poderia ter sido melhor ou mais perfeito se justificava enquanto tudo indicava que mais uma vez o Parlamento embromaria a nação.
Bem verdade que era essa mesmo a intenção da maioria. Mas, quando parecia que os pequenos, o PSOL, PV, os bem intencionados de sempre continuariam a falar sozinhos, o movimento de fora cresceu, os partidos de oposição aderiram, na última hora PT e PMDB perceberam que seria contraproducente ficar de fora, no plenário a minoria acabou virando unanimidade.
Votou-se a urgência e o mérito do projeto na mesma quase madrugada. Na noite seguinte, as mãos ladinas bem conhecidas de todos e nesses tempos acostumadas a vencer e a ter a maioria como companheira, tentaram desfigurar o projeto por meio de emendas.
Surpreendentemente, fracassaram vitimadas pela contra pressão da nova - embora transitória, é preciso ser realista - correlação de forças. Como não houve quorum suficiente, ainda podem conseguir na próxima terça-feira, pois faltam 12 destaques a serem derrubados para manter o texto do projeto tal como foi aprovado.
Difícil, nessa altura, que se perca tudo, embora nada seja impossível. Mas a persistência de fora e o esforço de dentro - com destaque para os que não desanimaram quando tudo parecia definitivamente perdido - mostra, no mínimo, como estão equivocados os ativistas da omissão na política.
Aqueles para quem a melhor maneira de protestar é insultar os políticos e deixar para lá.
Baixa intensidade. No afã de tentar agradar a todos ao dizer que não é "de oposição nem de situação", o tucano José Serra flerta com o risco de desagradar ao eleitorado que prefere gente de perfil bem nítido; seja carne ou peixe, mas de contornos bem definidos.
Pode até não ser o jeito mais cosmopolita de ser, mas face à maneira brasileira, a declaração de Serra soa artificial, ensaiada demais e apaixonada de menos.
Entrevista:O Estado inteligente
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