Serra critica governo pelas bordas, sem enfrentar Lula em seu altar "pop". Mas tucano ainda não tem mote
Saúde e segurança são as "duas coisas mais importantes para a família brasileira", disse ontem José Serra após cutucar o governo da Bolívia, de Evo Morales, agregado de Lula. O candidato tucano a presidente praticamente afirmou que o governo boliviano é conivente com o tráfico de cocaína para o Brasil. Anteontem, Serra chamara de ditador outro colega de Lula, Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã.
Não é provável que Serra se ocupe de fazer de política externa um assunto de campanha.
Aliás, é difícil imaginar qual assunto será de fato tema de debate nesta campanha vazia. Mas Bolívia, Venezuela e Irã podem ser oportunidades de avacalhar um pouco Lula sem ter de enfrentá-lo no campo em que, segundo o eleitorado, o presidente é imbatível -o "social" e a economia. Serra procura comer o mingau quente de Lula pelas bordas que sobraram.
Não é por acaso que Serra mencionou saúde e segurança. Pelo menos desde o final dos anos 1990, as pesquisas de opinião mostram que as principais preocupações do eleitorado são emprego, saúde e segurança. Quando a economia vai um pouco melhor, a preocupação com o emprego cai para terceiro lugar. Quando não há uma onda de violência ou de "comoção popular" com um crime, a saúde vai para o topo das preocupações, como agora.
Lula não tem medalhas para mostrar no caso da saúde, área em que as melhorias têm sido incrementais e resultado do fato de que não se buliu muito em algumas políticas corretas e de longo prazo. Várias delas, aliás, incentivadas por Serra quando ministro da Saúde. Pouca gente vai lembrar disso. Mas há uma ruela de campanha aberta aí.
Apesar da queda do número de assassinatos, os mais pobres continuam sitiados por assassinos, ladrões, comandos, milícias, grupos de extermínio etc. O assunto é, basicamente, estadual. Mas Serra disse que se pode mudar a Constituição para que o governo federal tenha mais atribuições no setor.
O tucano ainda tem batido em temas como corrupção, aparelhamento petista, politização de agências reguladoras e escassez de investimentos federais. Vai colar?
Falar de agências reguladoras é um aceno para empresários. O eleitorado não tem noção do que se trate. Se os tucanos insistirem no assunto, o petismo lembrará que no governo FHC houve intervenção branca na Aneel, durante o desastroso apagão. Não vai pegar bem.
Corrupção? Ok, mas os tucanos e o DEM têm seus mensaleiros, para nem mencionar que o PTB de Roberto Jefferson, um sultão do suíngue do mensalão, aderiu a Serra.
Tratar da escassez de investimentos federais seria um assunto sério. Mas ainda abstrato. A campanha de Dilma Rousseff pode mostrar montes de imagens de refinarias, estaleiros e portos em construção. Não vai dizer nada de sério, mas faz efeito. Como chantili nesse bolo, dirá que tanto houve investimento que "foram gerados" 12 milhões de empregos nos anos Lula.
O candidato tucano, pois, morde o mingau de Lula apenas pelas bordas. Tem caminhos alternativos de campanha, trilhas não exploradas pelo governo Lula, como saúde e segurança. No caso da educação, é imenso o telhado de vidro de 16 anos de governo tucano em São Paulo.
Mas Serra ainda não tem nem mote nem marca na mídia eleitoral.