O Globo - 26/05/2010
A Polícia Federal trabalhou mais de dois anos usando duas armas: monitoramento telefônico e perícia de imagens de satélite. Depois, foi usada uma terceira arma: a quebra do sigilo bancário e fiscal dos suspeitos. Isso levou dezenas de pessoas à prisão na Operação Jurupari, em Mato Grosso, e levantou uma dúvida: o ex-governador Blairo Maggi não tinha mudado?
Seu ex-secretário de Meio Ambiente Luiz Henrique Daldegan era o chefe da operação limpeza de reputação de Blairo, que no passado era o maior antiambientalista e depois passou a dizer que era um defensor do meio ambiente.
Daldegan hoje está preso como suspeito de fazer parte de um esquema de esquentamento de madeira retirada ilegalmente de terras públicas. O ex-secretário de Mudanças Climáticas Afrânio Migliari também está no mesmo processo, como chefe de inúmeros ilícitos. Ao todo, foram expedidas ordens de prisão de 91 pessoas entre políticos, servidores, autoridades da Secretaria de Meio Ambiente, empresários.
Na questão ambiental houve dois Blairo Maggi nos últimos anos. O primeiro disse que destruir 24 mil km2 de floresta num ano era pouco perto do tamanho da Amazônia; afirmou que o país não podia ficar catando coquinho na floresta; hostilizou ministros do Meio Ambiente e acusou o Inpe de erro técnico.
Um segundo Blairo Maggi disse que tinha se convencido de que estava errado.
Numa entrevista que me concedeu em agosto de 2009, Blairo disse: — Tive que fazer uma inflexão, reavaliar as minhas posições.
Não só minhas, como as dos demais componentes do agronegócio do meu estado.
Tive que chamá-los e dizer que o caminho que estávamos seguindo não era o mais correto.
O que o delegado da PF Franco Perazzoni, que comandou a investigação, conta é que foi flagrado um grande conluio entre empresas, funcionários públicos, políticos e autoridades com poder para liberar os "planos de manejo".
— As grandes fraudes acontecem no inventário da madeira. Pelo plano de manejo é preciso dividir a terra em 30 talhões, ir explorando um a cada ano, de tal forma que só no final do trigésimo ano se volte ao primeiro talhão.
Com planos assim é que se consegue a emissão do guia florestal, documento exigido para se transportar madeira e vendê-la no mercado legal. A fraude consiste em pôr no inventário o que não tem. Isso gera um registro fictício que é usado, depois, para legalizar madeira retirada ilegalmente de área pública.
O registro falso esquenta a madeira ilegal — diz.
A diferença de preço entre a madeira ilegal e a supostamente legal é imensa: — Numa tora, numa árvore em pé, em área que não pode ser explorada, não se dá mais que R$ 50,00. Se ela for apresentada como retirada de plano de manejo, pode chegar a R$ 1.400 o m3. Nem tráfico de drogas dá lucro tão grande.
Pelo monitoramento telefônico foi possível acompanhar o tráfico de influências para conseguir licenças falsas.
Com as imagens de satélite era possível verificar, por exemplo, que a terra da qual se pedia licença para retirar madeira já estava degradada há muito tempo. O que os proprietários conseguiam eram relatórios de vistoria feitos por técnicos atestando haver a madeira que não havia no local. Depois, era só ir numa área pública, muitas vezes indígena, tirar a madeira e usar a guia falsa para esquentar aquela madeira.
Tudo passava pela Secretaria de Meio Ambiente.
O curioso é que o braço direito de Maggi, para provar que o estado do Mato Grosso tinha virado exemplo de sustentabilidade, era justamente o secretário Daldegan. Com ele, e grande comitiva, o governador foi a Copenhague participar de debates sobre créditos pelo desmatamento evitado. Alegava ter desenvolvido ferramentas modernas para detectar, prevenir e combater o desmatamento.
Enquanto isso, a Polícia Federal investigava: — O monitoramento telefônico não é usado como elemento de prova, mas como orientação para conduzir as investigações que ganharam consistência com os laudos periciais — diz Perazzoni.
Inúmeras falsas licenças foram assinadas exatamente pelo subsecretário de gestão de florestas, e depois secretário de Mudanças Climáticas, Afrânio Cesar Migliari.
Existem indícios, diz o relatório da Polícia Federal, de que Migliari era dono de fato de empresas investigadas e inclusive madeireiras.
As propriedades investigadas ficavam perto de áreas indígenas ou protegidas. Em geral, já estavam desmatadas, mesmo assim conseguiam licenças de exploração que tinham indícios eloquentes de fraude. Por exemplo, segundo o delegado, houve um inventário que registrava que uma determinada terra estava 60% ocupada pela mesma espécie nobre. Com a diversidade da floresta nativa é difícil acreditar em tal percentual de uma mesma espécie.
Há uma licença espantosa dada pela Secretaria de Meio Ambiente: plantar eucalipto na Chapada dos Guimarães, uma Área de Preservação Permanente onde era proibido plantar espécies exóticas.
Blairo, candidato ao Senado e líder nas pesquisas, aparece no inquérito pressionando para apressar a liberação de licenças que favoreciam políticos. É assim que se desmata na Amazônia com o conluio de gente muito fina. E que fica por aí usando em vão a palavra sustentabilidade.