O Brasil precisará de pelo menos US$ 50 bilhões de poupança externa.
Esse é o tamanho do déficit em transações correntes projetado para
este ano.
Para 2011, a estimativa é de que será preciso US$ 60 bilhões. Com o
excesso de liquidez no mundo, esse dinheiro vem para o país e a conta
fecha. Mas o que acontecerá se a crise europeia provocar uma redução
dessa liquidez?
O economista José Lamy, da Cenário Investimentos, acha que é preciso
atenção nas nossas contas com o exterior. Ele explica que o momento
atual é o mais favorável possível para o financiamento do déficit
porque os juros nas principais economias estão muito baixos.
Além disso, há excesso de liquidez por causa dos pacotes de incentivo
no combate à crise financeira internacional. Isso significa que há
muito dinheiro em circulação e o seu custo nas principais economias
está barato. O quadro favorece a entrada de dólares no Brasil.
O problema é que não vai demorar muito para que o Banco Central
americano comece a subir os juros, invertendo a tendência.
— Estamos ao sabor dos rumores do mercado externo para financiar nosso déficit.
Há excessiva liquidez global, juros zerados por causa da crise
internacional nas principais economias.
Isso gera um aumento na propensão ao risco e favorece os investimentos
no Brasil. É um momento único, mas que não vai valer para o futuro —
explicou.
Lamy acredita que há vários "monstros" adormecidos na economia
internacional, mas que eles estão prontos para despertar: a regulação
bancária no sistema financeiro americano; o superaquecimento da
economia chinesa; e, por último, a crise europeia, que só se agrava.
São três fatores que diminuiriam o fluxo de entrada de dólares no
Brasil.
— O mundo nos próximos cinco anos não será de crescimento expressivo,
ou seja, teremos um cenário bastante diferente do que foi visto entre
2003 e 2008. Os juros subindo vão segurar a economia mundial. Não
teremos mais a mesma exuberância. A aversão ao risco vai subir. As
condições ficarão mais adversas e haverá menos investimentos no países
periféricos — explicou.
A China não para de divulgar indicadores que sugerem crescimento
acelerado da economia. A inflação do setor de construção civil chegou
a 12%. O temor de um superaquecimento, forçando o pé no freio por
parte do governo, está explícito no índice da bolsa de Xangai, que
está com o pior desempenho entre as bolsas mundiais: -21% no ano. Uma
desaceleração chinesa levaria a uma queda nos preços das commodities,
com impacto direto na balança comercial e no crescimento do Brasil.
Uma desaceleração na China, somada à crise na Europa e ao
fortalecimento do dólar, levou a RC Consultores a revisar sua previsão
para o preço das commodities este ano, que deve chegar em dezembro com
5% de queda em relação ao mesmo mês de 2009. A RC também reduziu a
previsão de saldo na nossa balança comercial, de US$ 12 bilhões para
US$ 8 bi.
A história recente do Brasil é salpicada de episódios de crises
cambiais. A situação agora é bem diferente. Em outros momentos, o país
tinha baixo volume de reservas e câmbio controlado.
Agora, tem câmbio flutuante e US$ 250 bilhões de reservas.
Portanto, não se pode usar a experiência passada como indicação do
risco de uma crise.
Mas uma coisa não mudou: o Brasil tem baixa taxa de poupança e isso é
um limitador ao crescimento.
Se não há dinheiro aqui dentro para financiar o crescimento, é preciso
recorrer ao exterior.
— O déficit em conta corrente é resultado de um desequilíbrio no país
entre investimento e poupança. E ele se agravou principalmente com a
falta de poupança do setor público dos últimos anos. O Brasil quer
crescer mais, mas não encontra correspondência na poupança nacional,
por isso, precisa ir ao exterior — afirmou José Júlio Senna, da MCM
consultores.
O economista Ilan Goldfajn, do Itaú Unibanco, que está prevendo um
déficit de 3,7% do PIB para o ano que vem, acha que o crescimento do
Brasil este ano, que ele prevê em 7,5%, vai piorar os números da
balança comercial. Mas há fatores compensadores: — O minério de ferro
teve um aumento de 110% e isso será importante para elevar o valor das
exportações brasileiras da commodity.
O que chama a atenção nas nossas contas externas é que o déficit
apareceu repentinamente.
De 2003 a 2007, conseguimos ter sempre saldo positivo, mas em 2008, a
conta ficou no vermelho em US$ 28 bilhões.
No primeiro trimestre deste ano, o Banco Central informou que houve o
pior déficit para o período na história: US$ 12,14 bilhões. A maior
parte do déficit de 2010 será financiado pelo Investimento Estrangeiro
Direto (IED), que está projetado para US$ 38 bilhões, segundo o
Boletim Focus.
Quem já viu muitas crises cambiais no passado se assusta porque sabe
como o dinheiro estrangeiro some de repente. Nossa situação hoje é
outra. Mas o mundo é tão volátil quanto sempre foi.