Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 27, 2010

Azar do futuro Miriam Leitão

O GLOBO

A França anunciou ontem o aumento da idade mínima de aposentadoria, que era 60 anos. A Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha, que são países ricos, estão elevando a idade mínima. O Brasil não tem esse piso; aqui aposenta-se contando o tempo de serviço. E na prática estará reduzindo a idade se não for vetado o fim do fator previdenciário.

Em apenas quatro anos a previsão do IBGE sobre os idosos de 2050 aumentou 20%. Parece longe 2050, mas em previdência é assim que se trabalha. Essa mudança da projeção mostra como é dinâmica a demografia brasileira.

O Brasil está mudando mais rápido do que os especialistas previam. Isso torna a questão previdenciária mais aguda e urgente.

Para quem acha que 2050 é um tempo remoto, basta lembrar, como fez Joaquim Levy, que é a mesma distância que existe entre 2010 e 1970. Ou seja, é um problema das crianças e jovens de hoje. Em 1970, o Brasil tinha uma população que crescia a 3% ao ano, daqui em diante o crescimento médio será de 0,3%. Ou seja, mudamos radicalmente e isso contratou dilemas reais para o futuro.

No livro que acaba de ser lançado, Demografia, a ameaça invisível, os autores Fábio Giambiagi e Paulo Tafner levantam dados que mostram a insensatez de se adiar indefinidamente o enfrentamento desse problema. Nos próximos 15 a 20 anos o percentual de população idosa deve crescer a uma proporção de 4% ao ano. Já a população de 15 a 59 anos deve permanecer a mesma. A revisão da tabela do IBGE mostra que esse grupo etário deve ter crescimento nulo. Como a população idosa terá aumentado, ela terá que ser sustentada por um percentual menor de pessoas. Em 2010, para cada 100 pessoas de 15 a 64 anos, há 10 pessoas com 65 anos ou mais. Em 2050, serão 36.

Uma das propostas mais frequentes é que as aposentadorias sejam corrigidas de acordo com o crescimento do PIB. Como haverá nos próximos anos o aumento vegetativo do número de aposentados, pelo envelhecimento da população, o custo do INSS sairia dos atuais 7,1% do PIB para 15,6% do PIB em 20 anos, consumiria quase a metade da carga tributária. E isso sem falar na caríssima previdência do setor público e nos gastos nababescos com a contribuição para os fundos de pensão das estatais. O INSS, cuja conta é tão alta, é o que tem o menor custo per capita. Alta mesmo é a aposentadoria do setor público, que o governo Lula alegou que queria reformar e depois se esqueceu de regulamentar a mudança.

Um amigo que fiz na Dinamarca, quando estive lá, me conta que o país está propondo uma ampliação da jornada de trabalho e tem uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos.

Quem quiser se aposentar aos 60 terá que pagar um extra de contribuição previdenciária.

A Alemanha, país com maior capacidade de exportar do mundo, aumentou recentemente a jornada de trabalho. Ninguém está brincando com o assunto competitividade e previdência. Só o Brasil.

Não deveríamos. Ainda temos que incluir quase metade dos trabalhadores no mercado formal e a redução da jornada é a falsa solução para este problema. Tudo o que ela vai conseguir é dar mais horas extras para quem já está trabalhando.

No caso da Previdência é claro que o Brasil está na contramão do mundo e de si mesmo. Há uma excelente notícia no país: o brasileiro vive cada vez mais. A cada nova estatística populacional do IBGE, vem uma notícia de que ampliamos a expectativa de vida. Isso é resultado dos nossos acertos.

Mas tem um custo: mais brasileiros dependerão por mais tempo do dinheiro da Previdência. E a conta não vai fechar. Na Alemanha, homens e mulheres se aposentam aos 65 anos, mas a idade está indo para 67 anos. No Reino Unido, o Partido Conservador ganhou a eleição propondo que a idade hoje em 65 anos vá para 66 anos. Nos Estados Unidos, ambos os sexos com 67 anos. Pode-se argumentar que esses países são desenvolvidos e a população vive mais. Veja-se o caso do México, com o qual nos comparamos em vários indicadores.

Lá, a idade para se aposentar é 65 anos para homens e mulheres. Não há a diferenciação que existe no Brasil. Aliás, essa diferenciação está acabando pelo simples fato de que as mulheres vivem mais. Só cinco países do mundo não têm idade mínima de aposentadoria.

Estamos em espantosa minoria.

Esse é um assunto difícil de tratar porque há sempre uma chuva de críticas sobre quem ousa tocar no tema.

Um argumento é que a Previdência nem é deficitária na verdade, é apenas uma forma errada de fazer as contas.

Que ela só tem rombo porque foram incluídas pessoas que não contribuíram, como os trabalhadores do setor rural. O que se queria? Que eles não fossem incluídos? Outro argumento é que a pessoa contribuiu para um valor em salário mínimo e hoje ganha menos salários mínimos do que recebia quando se aposentou. Também é verdade, mas porque o salário mínimo teve um forte aumento real desde a estabilização.

Na orelha que escrevi no livro de Giambiagi e Tafner, eu disse que deve ser bom acreditar que mudança climática é invenção de cientista e que rombo previdenciário é invenção de economista neoliberal. Infelizmente, são problemas reais.

É preciso enfrentá-lo.

Na Inglaterra, o Partido Conservador ganhou a eleição dizendo que elevaria a idade de aposentadoria e cortaria gastos. Mas o Brasil em plena temporada da demagogia prefere aprovar o fim do único instrumento que reduziu o ritmo de crescimento das despesas, poupando os cofres públicos de R$ 40 bilhões de gastos nos anos da vigência do fator previdenciário. E os políticos fazem isso pensando em capturar votos. Devem pensar assim: azar do futuro

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