Aumentam as incertezas em relação ao futuro do euro. O que era há
poucas semanas a crise de um país que havia fraudado suas estatísticas
e que tem déficit e dívida gigantes virou uma crise de confiança no
euro. Uma semana depois de a Europa ter aprovado a criação de um
gigantesco fundo de estabilização, o medo voltou. Hoje, a Grécia
decretar moratória é o de menos.
A semana abriu em euforia, depois do pânico que havia fechado a semana
anterior, e terminou em depressão.
Entre esses estados de ânimo radicalmente opostos, houve um pacote de
US$ 1 trilhão. A ciclotimia dos mercados, principalmente na Europa,
mostra que a crise derivada da desconfiança em relação às dívidas dos
países europeus vai continuar.
Ontem, as bolsas da Europa chegaram a ter quedas de 6%, o euro bateu
na pior cotação desde a crise do Lehman Brothers, o ouro que já subiu
33% em um ano disparou e o petróleo caiu. Essa corrida do euro ao ouro
pode se repetir nos próximos dias. No Dow Jones, houve um momento em
que só uma ação não estava em queda. O economistachefe da Austin
Rating, Alex Agostini, explicou que as maiores quedas foram de ações
de bancos europeus porque está em curso um processo de mudança
regulatória, que exigirá mais deles.
A desconfiança dos mercados é circular. As bolsas caíram, e os juros
das dívidas dos países mais endividados da Europa subiram porque havia
a avaliação de que sem ajuste fiscal eles não conseguiriam honrar suas
dívidas.
Agora, os analistas temem que os cortes de gastos e aumentos de
impostos impeçam os países de crescer.
Ontem, saiu o primeiro sinal de deflação na Espanha.
Sem crescimento, eles não conseguem honrar suas dívidas. Ou seja, as
bolsas caem e a dívida sobe porque os países precisam de ajuste
fiscal; e quando o ajuste é iniciado a avaliação é que ao tirar renda
dos consumidores, ele vai prolongar a estagnação dos países europeus.
Mais circular ainda é a própria crise: os governos aumentaram seus
gastos para resgatar os bancos; os bancos passaram a duvidar da
sustentabilidade das dívidas e déficits dos países; os governos
tiveram que gastar de novo para criar um fundo de estabilização que,
em última análise, resgatará os bancos, pela segunda vez em dois anos,
do risco de quebrarem. Antes, o risco de colapso do sistema financeiro
vinha de devedores privados, agora, é pelo peso das dívidas emitidas
pelos governos para resgatar os bancos das encrencas que entraram.
O ataque de pânico que dominou todos os mercados na quinta e
sexta-feira da semana passada foi cortado no domingo pelo esforço dos
governos da União Europeia de criarem mecanismos para debelar a crise.
A euforia da segundafeira, em que bolsas chegaram a subir até 14%, foi
derivada da constatação de que os grandes países europeus,
principalmente a Alemanha, estão dispostos a pagar o preço da sua
escolha pela unificação monetária.
Deveria bastar para afastar os temores. Mas ontem começou a circular o
rumor de que o presidente da França, Nicolas Sarkozy, poderia anunciar
a saída do país do sistema monetário europeu. Só o fato de um rumor
como esse circular já é um sintoma da crise de confiança na moeda
única.
O que ficou claro nesta crise é que o euro não está preparado para
crises. A moeda virou alavanca para os países periféricos do sistema.
Pagando juros europeus, todos puderam se financiar e crescer. Na hora
da crise, a moeda virou camisa de força que impede a terapia
tradicional de desvalorização da moeda.
No boom, foi fácil conviver com a inconsistência apontada por vários
eurocéticos: o fato de países com níveis de produtividade inteiramente
diferentes viverem com a mesma moeda.
Isso igualava artificialmente a máquina de exportar que é a Alemanha a
países de baixa produtividade do continente. Na crise, as diferenças
parecem irreconciliáveis.
Os cidadãos alemães se sentem os pagadores da promessa da unificação;
os portugueses, espanhóis e os gregos acham que estariam melhores se
tivessem escudos, pesos e dracmas e liberdade para fazerem política
cambial e monetária.
O presidente do Deutsche Bank, Joseph Ackermann, disse à televisão
alemã que há dúvidas sobre a capacidade da Grécia de pagar sua dívida
mesmo com o pacote de ajuda da Europa e do FMI. Na verdade, começa a
haver certeza de que a Grécia em algum momento fará a reestruturação
da sua dívida. A projeção do FMI já mostrou que antes de começar a
cair, a dívida grega chegará a 150% do PIB.
Hoje, a Grécia paga 300 pontosbase mais que a Espanha e 200 pontos
mais que Portugal para rolar sua dívida.
Quanto mais cara fica, mais impagável se torna. A corrida dos últimos
dias de anúncio de pacotes de ajuda à Grécia é a forma de apostar num
cenário de reestruturação negociada e não um colapso de sua capacidade
de honrar a dívida.
Com todo o noticiário negativo, os protestos e greves, os turistas se
afastaram das ilhas gregas, e o turismo é a grande fonte de receita do
país. A crise tem seu círculo vicioso.
No país mais rico da UE, a Alemanha, o eleitorado puniu a coalizão de
centrodireita que governa o país com a derrota nas urnas da Renânia do
Norte-Westfalia, o que tirou do governo maioria na Câmara Alta. Há
oposição a pacotes de ajuda a outros países. A mais ousada experiência
monetária do mundo começa a enfrentar os choques que seus críticos
previram quando ela foi lançada. O medo não é mais em relação à
Grécia, nem mesmo em relação à Espanha. O euro é que está preso no
círculo do medo.