O Globo - 21/05/2010
Há um indicador que deixa bastante claro como a crise atual é um prolongamento das anteriores: o preço do ouro. Considerado o refúgio mais seguro dos investidores em épocas de crise, ele não para de bater recordes e este ano já vale 35% a mais do que na época da quebra do banco americano Lehman Brothers. Desta vez, a crise na Europa derrete o euro e fortalece o ouro.
De 2005 para cá, o preço do ouro teve valorização de 136%, saltando de US$ 517 a onça para US$ 1.222. Somente nos últimos 12 meses, o reajuste passa de 30%. O economista Nathan Blanche, da Tendências consultoria, explica que a escalada do ouro teve início a partir de um desequilíbrio na economia americana. O período dos juros baixos, entre 2001 a 2004, promoveu inflação nos EUA, que iniciou a corrida ao ouro, por volta de 2005 (vejam no gráfico). Como consequência da alta dos juros para combater a inflação, surgiu a crise das hipotecas subprime, em 2007, levando a uma nova escalada do metal: em dois anos, o ouro saltou de US$ 517 a onça para US$ 834, uma valorização de 60%. A partir daí, houve uma crise atrás da outra: a quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008; a recessão mundial, logo após; e a crise fiscal na Europa, que se agrava.
— O que estamos vendo é um acumulo de crises com impacto direto na cotação do ouro. Com o aumento da aversão ao risco, os investidores buscam o ouro para se proteger. Como a produção do metal no mundo permaneceu praticamente estável, os preços reagem fortemente para cima — explicou Nathan.
A piora da crise fiscal na Europa levou o ouro a bater recorde histórico dia 14, cotado a US$ 1.249 a onça. O Bank of America estima que a cotação pode atingir US$ 1.500 se a situação piorar.
Entre os principais compradores do metal estão bancos centrais de países emergentes, que procuram diversificar suas reservas comprando ouro.
O euro, ao contrário, acumula queda de 13% em relação ao dólar desde janeiro.
Esta semana, a moeda chegou a ser negociada no preço mais baixo dos últimos quatro anos, após o anúncio do governo alemão de proibir as vendas a descoberto (vejam a queda da moeda no gráfico).
O enfraquecimento do euro conta com a desconfiança de bancos centrais, como mostrou o "Wall Street Journal".
Os BCs da Coreia do Sul e Rússia informaram que venderam ou deixaram de comprar euro nos últimos meses para diversificar a composição das reservas.
O administrador de investimentos Fábio Colombo explica que não só o euro, mas as moedas em geral têm vivido momentos de incerteza, e que nas crises o recomendável é a diversificação de portfólio.
Isso se aplica também aos Banco Centrais.
— Se você for olhar bem, todos os países estão endividados por causa do socorro ao sistema financeiro, inclusive os Estados Unidos.
Isso é um estímulo à compra de ativos mais seguros, como o ouro, que é considerado um ativo anticrise — explicou.
No caso do euro, o enfraquecimento é crítico, e crescem as discussões sobre sua sustentabilidade.
Há cerca de um mês, os economistas sequer cogitavam essa hipótese, mas agora, já não se sabe o que seria pior: o fim abrupto da moeda ou sua morte lenta.
"É difícil julgar o que seria pior para a economia mundial.
O risco de uma ruptura desordenada do regime monetário europeu certamente traria efeitos desastrosos para a recuperação global em andamento, razão para que muitos não queiram sequer contemplá-la. Por outro lado, a morte lenta e sofrida do euro exacerba a volatilidade dos mercados, prejudica os alinhamentos cambiais e dificulta o planejamento das empresas, restringindo o investimento", escreveu a economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, em seu blog.