O ponderado jornal Financial Times (FT) se diz indignado com o despreparo dos europeus para enfrentar as crises que estão assolando a maior parte das nações. Sim, porque os cidadãos da Europa continuam desfrutando o melhor vinho, a comida sublime e a beleza das cidades em que vivem. Para eles, a vida nunca foi tão confortável como nos dias atuais (Gideon Rachman, Europe is unprepared for austerity, FT, 11/5).
Se tomarmos a área do trabalho, o conforto é eloquente. Países como Espanha, França, Itália, Portugal, Alemanha e Grã-Bretanha desfrutam aposentadorias generosas, seguro-desemprego de até 12 meses e licenças de longa duração. Esse estilo de vida privilegiado convive com os sobressaltos financeiros que vêm abalando diariamente a saúde das empresas e dos governos.
Com medo de contágio, a União Europeia (UE) promoveu um aporte para as nações enfraquecidas no equivalente a US$ 1 trilhão. Empréstimo dessa magnitude não foi o primeiro e não será o último, porque a gastança naqueles países foi longe demais. As dívidas públicas se acumularam e parte expressiva tem de ser rolada no curto prazo. Não há dinheiro. Nem confiança. A pressão é colossal.
Uma situação calamitosa como essa passou a exigir dos governos a prescrição de alguns remédios amargos - exatamente os que a população sempre rejeitou tomar.
O Congresso grego, por exemplo, aprovou um corte de 10% nas aposentadorias e um congelamento de salários de todos os servidores públicos. A Espanha fez o inverso, mas com a mesma dureza. O premiê socialista José Rodriguez Zapatero quer um corte de 5% nos salários de todos os funcionários públicos, o congelamento do valor das aposentadorias e a eliminação da ajuda que o país dava às moças para terem mais um filho - equivalente a US$ 4 mil. O socialista José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal, foi na mesma linha. Cortou 5% dos salários dos funcionários públicos e elevou a alíquota de vários impostos. A dupla Cameron-Clegg assumiu o poder com o propósito de promover um profundo corte no orçamento da Grã-Bretanha. Em todos esses casos, o objetivo é reduzir drasticamente o déficit público e restabelecer um mínimo de equilíbrio nas contas governamentais.
Embora muitos economistas vaticinem uma forte recessão no médio prazo, o que aqueles países poderiam fazer? Depois de tantas ofensas ao bom senso no lado das despesas públicas, ficou inevitável a contração dos generosos benefícios trabalhistas e previdenciários que fazem inveja ao resto do mundo.
Para a maioria das pessoas será um choque severo, porque até aqui os europeus pensavam que o simples fato de pertencer à UE lhes dava uma apólice de seguro para o resto da vida. Para governos populistas e sindicalistas comodistas, os orçamentos públicos teriam a estranha capacidade de aturar todo e qualquer dispêndio. Ledo engano.
No citado artigo do Financial Times, o autor prevê que, mantida a inação até então prevalecente, a quebra de bancos seria o passo derradeiro para o inevitável default em vários países, o que provocaria um grave alastramento da crise para todo o bloco europeu e, talvez, para o mundo.
A dureza da situação atual está impondo inimagináveis sacrifícios aos cidadãos da Europa, em especial aos dos países citados. Estaria aí a lógica de um "novo modelo europeu"?
É claro que, entre as intenções e as realizações, a distância é enorme. Os políticos são sensíveis às manifestações populares e sindicais, em especial às passeatas e greves que, como se sabe, já começaram a eclodir - o que pode, em tese, provocar recuos.
Mas desta vez o quadro parece demasiado grave para zigue-zagues. O sacrifício está na iminência de ser implantado e muitas das atuais benesses estão com os dias contados. Vai doer, pois ninguém admite descer na escala social. Será, então, o fim da dolce vita, ou da vie en rose ou do adorável new way of life? Só o tempo dirá. Quem viver verá.