O Estado de S. Paulo - 07/05/2010
No final de 2001 Duda Mendonça, o agora anjo decaído do marketing político, escreveu um livro onde, com rara franqueza, expôs todas as suas impressões sobre o PT. Ele acabara de ser contratado pelo partido para cuidar das eleições seguintes, as de 2002. A anedota maldosa da época dizia que Lula não era candidato a presidente, mas sim a persistente. Aquela seria a sua quarta eleição. Naquela época ninguém acreditava que ele teria alguma chance.
Vale a pena ler agora o livro de Duda. Chama-se Casos e Coisas. As suas ideias deram certo. E hoje em dia, com o PT no poder, ele não republicaria mais esse seu ensaio. O texto é bastante constrangedor para Lula e companhia.
Dentre suas observações se destaca a constatação de que o PT, pela sua organização e pelo fervor da militância, algum dia haveria de chegar ao poder. Se não naquele próximo pleito, ao menos nos seguintes.
Mas para tanto seriam necessárias algumas correções de imagem. O partido e seu candidato teimavam em se valer de algumas atitudes próprias do seu passado sindical. Isso afugentava a opinião pública e resultava em malogro eleitoral. Uma delas era a recorrente saudação: "A luta continua, companheiro!" Segundo Duda, tal frase causava constrangimento nas pessoas.
Os brasileiros têm horror a confusão, a briga. A nossa cultura é a da conciliação. E a palavra "luta" remetia a confronto. Era preciso convencer a militância de que esse termo deveria ser abolido. Naquela campanha e dali em diante, nunca mais tal saudação "de guerra" foi utilizada. Ao menos em público...
Outra observação de Duda se refere à imagem do candidato. Lula, até então, adotava o figurino típico dos intelectuais das nossas esquerdas: indumentária descuidada, olhar agressivo, barba desgrenhada e ausência total de senso de humor. Segundo aquela gente, tudo isso era necessário para demonstrar total ruptura com os ditos "valores burgueses". Acontece que o grande público sempre prestigiou tais valores. Pior: ninguém, no povo, sequer sabia o que era "burguês".
Para tornar o candidato mais palatável urgia fazer-se um "extreme makeover" em sua imagem. Lula, devidamente repaginado, passou a trajar ternos bem cortados e gravatas da moda. Eliminou de seu discurso qualquer ideia de confrontação. Sua barba foi cuidadosamente aparada e foi adotada a postura cordial do "Lulinha paz e amor".
Não havia nada de artificial nisso. O Lula original, dos tempos sindicais, não era esquerdista. Ao contrário. Chegou a declarar, publicamente, que não queria o apoio de estudantes e professores, com o argumento de que "intelectuais só atrapalham!"
Ele acabou por se retratar, quando, ao fundar o Partido dos Trabalhadores, constatou que boa parte dos filiados provinha justamente daquele extrato social. E por isso, intuitivo, Lula adotou o figurino e o discurso das esquerdas.
Duda nada mais fez do que resgatar o autêntico Lula de outrora. Tanto é verdade que o presidente Lula, após tantos anos de poder, ainda se sente à vontade no seu figurino de bonachão e conciliador.
Duda Mendonça caiu em desgraça em 2005, durante o "mensalão". Mas seu talento e seu poder de interpretar a alma brasileira continuam existindo.
Eis que ele veio a público, na semana passada, para declarar que a imagem artificial criada para a candidata do PT, dona Dilma Rousseff, não vai pegar. Segundo ele, seria melhor deixá-la exibir em público a sua verdadeira personalidade.
Já se sabe que a ex-braço direito de Lula é uma mulher brava, impaciente, centralizadora e autoritária. Por que não deixá-la mostrar-se como realmente é e criar uma propaganda que valorize tais atributos?
Personagens com tais características também são bem aceitas no imaginário popular. Jânio Quadros venceu numerosas eleições exibindo exatamente esses traços de personalidade: era irascível, nada dado a conchavos, não dividia o poder com ninguém e se revelava muito cioso de sua autoridade.
O caso de Margaret Thatcher, na Inglaterra, também é emblemático. Ela foi eleita e reeleita primeira-ministra várias vezes por causa de sua imagem de dura na queda. Era conhecida pelo povo como Dama de Ferro.
Essas atitudes não são necessariamente negativas, desde que autênticas. Basta que se alimente na opinião pública a predisposição para valorizá-las. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, é assim. E, no passado, Jânio Quadros era assim. Margaret Thatcher era assim. Até mesmo o incensado Winston Churchill chegou ao centro do palco, no Reino Unido, por ser assim. E isso numa época em que ainda não existia o marketing político.
É mais producente deixar a dona Dilma à vontade do que obrigá-la a exercer, em público, um papel que não condiz com ela: o de mulher boazinha, sorridente, tolerante, humilde e conciliadora. Tudo isso soa, ao público, muito artificial.
E já está comprovado que nós, brasileiros, abominamos a falsidade. Vejam-se os critérios de que se valem as pessoas nas eliminações do Big Brother. Basta observar o comportamento que é atribuído aos vilões nas telenovelas.
Tudo se tolera nos personagens públicos: a maldade, a crueldade e até mesmo, em alguns casos, a malandragem. Mas ninguém perdoa a hipocrisia.
Deixem a dona Dilma ser o que é. Falsificá-la não funciona.
Não, não estou torcendo pelo PT. O que quero dizer é que a candidatura de dona Dilma está mal na fita.
Até dois meses atrás, quase todo mundo acreditava que ela, com o apoio da máquina pública, venceria facilmente. Agora, não! Ninguém mais arrisca palpites.
José Serra, na sua sexta eleição majoritária, já está calejado. Ele, assim, jamais se atreveria a tentar mostrar-se como não é.
Entrevista:O Estado inteligente
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