A Previdência virou um tema tabu para os candidatos em campanha. Eles fogem, driblam perguntas e se recusam a detalhar propostas. Todos sabem ser inevitável a reforma, mas são genéricos e vagos quando questionados. José Serra diz que vai mudar "para eliminar privilégios e corrigir injustiças". E só. Dilma Rousseff também vagueia - "se aumenta a expectativa de vida vamos ter de fazer ajuste" -, mas não especifica que o ajuste implica elevar a idade mínima para requerer o benefício. Marina Silva joga para um futuro incerto: vai "convocar uma constituinte exclusiva para aprovar todas as reformas", entre elas a da Previdência.
Os políticos não gostam de falar, os trabalhadores e futuros aposentados nada querem mudar, os contribuintes pagam a conta sem saber e os mais prejudicados são as gerações futuras. Como criança tem idade para brincar, não para defender direitos, triunfa o oportunismo, todos enterram a cabeça como avestruzes e ignoram o problema. A Grécia e a Romênia agiram assim e agora, para não quebrar, congelaram aposentadorias, reduziram pensões e cortaram salários de funcionários públicos.
No Brasil a Previdência é desigual. Muito se fala do rombo do INSS, mas rombo maior é o do funcionalismo público, que recebe benefícios até 20 vezes maior do que os dos aposentados do INSS. Veja o tamanho da encrenca:
A previdência pública (União, Estados e municípios) é deficitária em mais de R$ 100 bilhões e mais da metade do déficit vem de servidores federais;
Em 2009 o déficit do INSS (trabalhadores privados) foi de R$ 43,6 bilhões, e a projeção para 2010 é subir para R$ 52 bilhões;
E os privilégios e injustiças: em 2007 o salário médio do aposentado do Poder Legislativo era R$ 14.802; do Judiciário, R$ 13.553; e do Executivo, R$ 3.924. Já o aposentado do INSS ganhava, em média, R$ 700.
Poder para mudar está nas mãos dos governantes e do Congresso. Época propícia é logo no início do mandato do novo presidente, quando a vitória das urnas acalma as pressões políticas. Lula fez isso e começou a debater sua proposta em janeiro de 2003. Seu projeto inicial unificava a Previdência, igualava a lei para trabalhadores privados, funcionários públicos e militares. Em quase nada alterava as regras do INSS, mas, ao estendê-las para o setor público, corrigia privilégios, praticava justiça social.
E o que restou de tal projeto? Do original, quase nada. Os privilégios continuaram porque a equiparação do serviço público às regras do INSS ficou condicionada à criação de fundos de pensão da União, Estados e municípios, o que jamais aconteceu. O tempo passou, Lula desistiu de todas as reformas e a Previdência permanece praticamente igual ao que ele encontrou em 2003.
Se os candidatos estão dispostos a mudar, resta saber como. Quanto mais simples as mudanças, mais facilmente serão entendidas pela população e mais rápida será a tramitação no Congresso.
O economista do BNDES Fabio Giambiagi e o ex-ministro da Previdência José Cechin estudam o dilema da Previdência há 20 anos. Eles lembram que a esperança de vida do brasileiro aumenta ano a ano e a Previdência não acompanhou essa evolução, o que justifica ampliar prazos para dar equilíbrio ao sistema. Assim, eles propõem manter as duas formas de acesso à aposentadoria, mas com prazos dilatados: por tempo de contribuição (de 35 para 40 anos o homem, e de 30 para 39 anos a mulher); e por idade (de 65 para 67 anos o homem, e de 60 para 66 anos a mulher). As novas regras valeriam para os trabalhadores (privados e servidores públicos civis e militares, sem distinção) que ingressarem no mercado de trabalho depois da aprovação da reforma. Para os que estão na ativa o valor da aposentadoria seria proporcional aos anos trabalhados. E o valor teto de contribuição e da aposentadoria seria limitado a dez salários mínimos, o mesmo que vigora hoje no INSS.
É uma saída para tentar dar equilíbrio financeiro à Previdência. E os candidatos, se juízo tiverem, devem começar já a preparar seus projetos.