O Estado de S. Paulo - 27/05/2010 |
Paira no ar um falso mistério, exposto por Clóvis Rossi na Folha de S.Paulo sob a forma de uma indagação: "Por que os EUA resolveram torpedear o acordo Brasil-Turquia-Irã?" Gilles Lapouge, no Estado, ofereceu uma resposta, que está implícita na própria pergunta: "À primeira vista, podemos pensar que os grandes da diplomacia mundial simplesmente ficaram melindrados ao ver que Ancara e Brasília obtiveram de um só golpe o que os "gênios" não conseguiram." Rossi e Lapouge são analistas independentes, não porta-vozes informais de Lula e Celso Amorim, como tantos outros. Pergunta e resposta, contudo, funcionam como senhas de uma narrativa oficiosa brasileira de graves implicações estratégicas.
A indagação de Rossi merece uma resposta direta: maio não é outubro. Em outubro, o acordo rechaçado por Teerã abriria uma janela para negociações, pois o envio de 1.200 quilos de urânio levemente enriquecido (LEU) ao exterior deixaria o Irã sem combustível suficiente para avançar no rumo da bomba durante um intervalo razoável. Agora, após sete meses de operação das centrífugas iranianas, a mesma quantidade de LEU representa apenas pouco mais de metade do combustível disponível, de modo que Teerã poderia escapar das sanções e seguir enriquecendo urânio. Quando Mahmoud Ahmadinejad e Lula ergueram os braços em triunfo, eles celebravam pontos diferentes do acordo. O brasileiro comemorava os itens que reproduzem trechos da carta de Obama, enquanto o iraniano comemorava o item 10. Nele, acintosamente, está escrito que Turquia e Brasil "apreciaram o compromisso iraniano com o TNP e seu papel construtivo na busca da realização dos direitos na área nuclear dos Estados membros". A frase é senha diplomática para afirmar um "direito" iraniano de enriquecer urânio, contrariando três resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Virtualmente ignorada em meio ao surto patriótico que cegou quase todos os nossos jornalistas, a passagem foi registrada em Washington, Moscou e Pequim. Para esclarecer de vez o significado do acordo, o ministro do Exterior iraniano afirmou que seu país continuaria a enriquecer urânio, uma declaração descartada como bravata irrelevante por Celso Amorim. A resposta de Lapouge só faz sentido para quem começou a acompanhar a crise iraniana na hora da viagem de Lula a Teerã. Há dois anos, na campanha eleitoral americana, enquanto Hillary Clinton prometia "obliterar" o Irã, Obama ousou sugerir que negociaria com o país persa. No governo, estendeu a mão a Teerã e conservou-a no ar durante quase um ano, até o rechaço do acordo de outubro. Nesse intervalo, congelou a proposta de novas sanções da ONU, resistindo às pressões do Congresso. Agora, não pode ser ludibriado por Ahmadinejad, sob pena de assistir à implosão de toda a sua estratégia para o Oriente Médio. O Congresso americano tem pronto para ser votado um pacote unilateral de sanções que atingiriam em cheio a economia iraniana. É uma espada suspensa sobre Obama, pois sua aprovação forneceria um estandarte nacionalista para Ahmadinejad isolar a oposição no Irã e prejudicaria a ação multilateral das potências. No fundo, a iniciativa do Congresso equivaleria a um atestado de falência do Executivo na política de contenção do programa nuclear iraniano. Como efeito colateral se evaporariam as chances de Obama conseguir apoio doméstico para pressionar Israel a negociar seriamente com os palestinos. Obama e Hillary dispararam telefonemas para Moscou e Pequim logo que vieram à luz os termos do acordo tripartite concluído em Teerã. Um projeto de sanções multilaterais desceu como um raio à mesa do Conselho de Segurança. Os EUA provavelmente pagaram caro pelo compromisso das potências recalcitrantes. Mas o consenso alcançado deriva do reconhecimento de que o Irã não é uma segunda Índia. No Subcontinente Indiano, configurou-se um cenário de dissuasão mútua entre Índia e Paquistão. No Oriente Médio, a hipótese de um equilíbrio nuclear entre Irã e Israel ampara-se na premissa incongruente de que os rivais árabes do Irã - Egito, Arábia Saudita e Iraque - aceitariam acocorar-se à sombra da bomba persa. Enrolados num pano verde e amarelo, analistas brasileiros especulam à vontade sobre os motivos de Obama para rejeitar o acordo tripartite, mas não se perguntam sobre as motivações dos que puseram sua assinatura junto à do Irã. A Turquia, governada por um partido islâmico moderado, tem razões nacionais para jogar a carta iraniana: Ancara está dizendo que o veto persistente ao seu ingresso na União Europeia desvia sua política externa na direção do mundo muçulmano. O Brasil, ao contrário, sacrifica seus interesses nacionais no altar de imperativos partidários e ideológicos quando oferece álibis ao governo de Ahmadinejad. O preço dessa escolha começou a ser pago no momento em que as cinco potências da ONU rasgaram o acordo tripartite de Teerã. Há, contudo, mistérios de verdade. Lula traveste-se de negociador global, capaz de solucionar a crise iraniana e mediar o impasse entre Israel e os palestinos. Alguém aí pode explicar por que nosso homem em Teerã não moveu uma pedrinha para conciliar os interesses da Colômbia e da Venezuela ou, ali na esquina, acertar os ponteiros entre Argentina e Uruguai na patética "guerra das papeleras"? |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
quinta-feira, maio 27, 2010
Nosso homem em Teerã Demétrio Magnoli
Arquivo do blog
-
▼
2010
(1998)
-
▼
maio
(213)
- O plantão do Inspetor Brasílio JOÃO UBALDO RIBEIRO
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ Historia de cinismos y persec...
- SUELY CALDAS -Um projeto para a Previdência
- DORA KRAMER Aos trancos e barrancos
- MERVAL PEREIRA Os caminhos do poder
- MÍRIAM LEITÃO Barrados na porta
- GAUDÊNCIO TORQUATO Reforma do Estado? Viva!
- A Santa Sé também erra José Márcio Camargo
- Decisão é na urna Míriam Leitão
- NELSON MOTTA Mundo animal
- Barbas de molho Dora Kramer
- MERVAL PEREIRA Vitória do Pragmatismo
- A tubulação Miriam Leitão
- Baixa a bola, Dunga! BARBARA GANCIA
- A burla continua Dora Kramer
- Mal-entendido ou má intenção? Merval Pereira
- A volta do Capitão Palocci Rogério L. F. Werneck
- DILMA, O OVO E A GALINHA Vinicius Torres Freire
- A joia da coroa Dora Kramer
- Azar do futuro Miriam Leitão
- Azar do futuro Miriam Leitão
- Serra e o mingau quente de Lula Vinicius Torres Fr...
- Distorções Merval Pereira
- Nosso homem em Teerã Demétrio Magnoli
- Feio quanto parece Thomas L. Friedman
- O insustentável Miriam Leitão
- JOSÉ NÊUMANNE O espectro do Estado policial paira ...
- O fator Minas Merval Pereira
- Veracidade ideológica Dora Kramer -
- Uma pauta para a década Rolf Kuntz
- Energia e as eleições Adriano Pires
- Lavoura anárquica Dora Kramer
- Polarização Merval Pereira
- MÍRIAM LEITÃO Tudo falhou
- Será o fim da 'dolce vita'? JOSÉ PASTORE
- O dia da liberdade RODRIGO CONSTANTINO
- Erro de cálculo Rubens Barbosa
- A esquerda não quer a reforma agrária Autor(es): K...
- Principio y fin de la fiesta kirchnerista Por Joaq...
- DANUZA LEÃO De cultura etc.
- OS TRÊS FARÓIS DO VOTO Gaudêncio Torquato
- Aécio por linhas tortas DORA KRAMER
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Use corretamente o papel higiê...
- Os ventos do mundo Merval Pereira
- Crise sem dono Miriam Leitão
- O rei de Pasárgada Flávio Tavares
- Suely Caldas - A Previdência e os candidatos
- Miriam Leitão Um novo mercado
- MERVAL PEREIRA Divórcio
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Nas asas de Lula
- DORA KRAMER Mal traçadas
- MAURO CHAVES COMO SE PROTEGER DA MÍDIA
- MÍRIAM LEITÃO Do euro ao ouro
- DORA KRAMER Ordem do presidente
- MERVAL PEREIRA Sujou a ficha
- NELSON MOTTA Lula Futebol Clube
- Somos mesmo Terceiro Mundo! JOÃO MELLÃO NETO
- Quem polui paga a conta Adriano Pires
- Equipe' econômica em jogo de embaixadas Roberto Ma...
- Pensaram que a crise já era? CARLOS ALBERTO SARDEN...
- Planejar é preciso, mas com realidade Autor(es): A...
- Com a crise, corrida ao dólar Alberto Tamer
- Fichas ocultas Dora Kramer
- MERVAL PEREIRA Visão nuclear
- MÍRIAM LEITÃO Escape externo
- Demóstenes Torres - Pra lá de Teerã
- A pena vale a pena (O Estado de S. Paulo - Dora Kr...
- Europa, colírio e óculos escuros (Folha de S. Paul...
- Limites na campanha (O Globo - Merval Pereira)
- Olhar veterano (O Globo -Miriam Leitão)
- O escorpião e a CPMF (O Estado de S. Paulo Rolf Ku...
- O Brasil merece muito mais (Folha de S. Paulo PAUL...
- Os dilemas do crescimento (O Estado de S. Paulo JO...
- Iran, the Deal and the Council
- FERNANDO DE BARROS E SILVA O que é isso, companheira?
- A matriz energética brasileira José Goldemberg
- As lições da crise do euro:: Luiz Carlos Mendonça ...
- Perigo à vista: a situação fiscal continua a piorar
- CARLOS ALBERTO DI FRANCO Cobertura eleitoral
- MIRIAM LEITÃO - Dueto londrino
- Duas opressões e uma lápide:: Vinicius Torres Freire
- DANUZA LEÃO Mãe: ser ou não ser
- YOSHIAKI NAKANO Uma Nova Lei Fiscal
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Se o Brasil precisar
- MERVAL PEREIRA Olhos nos olhos
- WILSON FIGUEIREDO Do enxoval à mortalha
- TOSTÃO Metáfora da vida
- SERGIO FAUSTO Nada trivial
- GAUDÊNCIO TORQUATO Um filme em preto e branco Gaud...
- DORA KRAMER Cuidado ao pisar
- Suely Caldas - Um corte sem efeito
- Demasiado pronto, entre la ruina y la gloria Por J...
- Postura brasileira ignora "repressão bruta" no Irã...
- 'Dilma mentiu: eu sou o autor do Luz para Todos
- Igreja desembarca do PT-Ruy Fabiano
- É velha a estratégia de pegar carona em imagem de ...
- Círculo do medo Miriam Leitão
- FERNANDO RODRIGUES A dose do remédio
- VILAS-BÔAS CORRÊA A biruta patusca do presidente Lula
- Gabriel Tarde César Maia
-
▼
maio
(213)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA