A cinco meses das eleições, o governo enfim resolveu o dilema ? eleva juros ou corta gastos? Elevar juros produz efeito positivo sobre a inflação, mas o crescimento econômico encolhe. Cortar gastos freia o aumento dos juros, mas falta dinheiro para tocar obras que ajudam palanques governistas País afora. A solução ? cortar gastos, mas só um pouquinho ? chegou tarde e dificilmente reduzirá os juros antes das eleições. E o dilema é típico de governos que tomam decisões erradas pensando em dividendos políticos de curto prazo.
Se em 2008 Lula fechasse um acordo salarial mais modesto com funcionários; se não inflacionasse a folha de salários com mais de 100 mil novos contratados; se não exagerasse nos repasses de dinheiro ao BNDES; se fosse mais criterioso ao selecionar as obras do PAC; se tivesse, enfim, monitorado a economia e planejado os gastos públicos com equilíbrio, não com euforia, teria guardado munição para o tão esperado ano eleitoral e não estaria hoje precisando cortar orçamento.
"Eleição não nos preocupa", disse o ministro Paulo Bernardo em entrevista ao Estado na quinta-feira. Será mesmo? Será que não preocupa o governo o candidato da oposição, José Serra, fazer da reprovação aos juros altos de Lula sua principal bandeira de campanha? Não preocupa os empresários e a aliada inseparável Central Única dos Trabalhadores (CUT) apoiarem Serra publicamente na questão dos juros?
Seria simples se Lula determinasse ao Comitê de Política Monetária (Copom) não elevar a Selic na próxima reunião. Mas desmoralizar a autonomia do Banco Central (BC) causa danos muito mais graves em cenário eleitoral do que aumentar a Selic: o ataque especulativo do mercado financeiro espalharia estragos em toda a economia e anteciparia a derrota da candidata do governo. Em 1986 o ex-presidente José Sarney usou a força e prorrogou o agonizante congelamento de preços para eleger seus candidatos a governador nos Estados. Hoje, felizmente, essa aventura irresponsável não é mais possível.
Na quinta-feira o ministro Guido Mantega anunciou um segundo bloqueio de R$ 10 bilhões no Orçamento. Somado ao primeiro, de R$ 21,8 bilhões, os dois representam redução de apenas 2,5% do Orçamento da União, já descontada a previsão de R$ 596 bilhões de despesas com pagamento de juros da dívida. O governo deixar de consumir R$ 10 bilhões vai reduzir a demanda? Se o primeiro corte não reduziu, muito pelo contrário, o que garante que este (menor) reduzirá?
É melhor do que nada, é certo, mas é insuficiente, tardio e não levará o BC a desistir de elevar a Selic na próxima reunião do Copom. Todos os indicadores econômicos atestam que a economia está mesmo acelerada, o PIB pode crescer de 6,5% a 7,5% este ano e fechará o primeiro trimestre com expansão anualizada entre 10% e 12%. Mantega e Bernardo reconhecem ser insustentável tal ritmo de crescimento não gerar inflação.
Portanto, não esperem do BC solidariedade eleitoral. Na última reunião o Copom elevou a Selic em 0,75%, e analistas já apostam em expansão de 1%, em junho, e 12,5% no encerramento do ano.
A descoordenação da política monetária no governo é péssima e prejudica o monitoramento da economia. Há um verdadeiro divórcio de pensamento e ação entre o ministro da Fazenda e o presidente do BC. Mantega não levou a sério os alertas de Meirelles contra o exagero de gastos feitos em sucessivas atas do Copom. Aí tocou o pau na máquina, incentivou o aumento da produção e do consumo e só acordou quando o mercado financeiro alterou suas previsões de crescimento e apostou na alta dos juros. Mas agora é tarde, as eleições estão próximas e dificilmente o corte de R$ 10 bilhões reduzirá os juros antes das eleições.
E na campanha eleitoral Lula e Dilma Rousseff terão mesmo de responder às provocações de Serra contra juros altos. Convém que o candidato da oposição especifique sua proposta para mudar a política monetária e reduzir os juros sem intervir no BC e sem alterar o bem-sucedido sistema de metas de inflação.