Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 16, 2010

WILSON FIGUEIREDO Do enxoval à mortalha


É um governo em trânsito. Desde que chegou ao poder, e depois de resolver o problema do mensalão, não teve mais do que se queixar. A oposição se resignou à balela da fatalidade histórica, e não sobrou ao presidente Lula sequer um companheiro da velha guarda em condições de fazer carreira à sua sombra. Trabalhou bem e se resguardou ainda melhor. Nem Stalin conseguiu tanto com tão poucas baixas.

E em muito menos tempo.

Na sua faixa de onda predileta, o tom coloquial que sintoniza o presidente com maior número de brasileiros pela língua geral que costurou a unidade nacional (com a colaboração nunca assaz louvada do feijão, do futebol e peculiaridades exclusivas). Luiz Inácio Lula da Silva não perde oportunidade de ser mais Lula do que Silva. A curto ou a longo prazo, tanto faz, sempre está fazendo investimento político e colhendo resultados alheios. E acomoda novos admiradores, como acaba de suceder ao candidato social tucano José Serra, que o proclamou acima do bem e do mal, onde ele, Lula, monopoliza os benefícios sociais e deixa para a oposição a culpa pelos males passados e futuros. Os presentes estão sob controle oficial. Por enquanto, seus cálculos não ultrapassam a barreira de 2014, como já está. Dilma sabe que está condenada a abrir mão do segundo mandato como quitação do primeiro (claro, se lhe cair ao colo). A exceção é o preço a pagar pela recaída eleitoral que veio para ficar, até a República se lembrar dos fundadores que exorcizaram a reeleição. Foram cem anos imunes.

Falta agora, mas não é prioridade, o presidente confirmar a cada dia que não precisa mais preocupar-se com a eleição presidencial.

Já considera favas contadas para o PT a sucessão que ele reboca enquanto a oposição, sem sair do lugar, se esfalfa para gaguejar a mesma língua, travada pela falta de sotaque popular.

Do lado oficial, a cada curva fechada, os petistas insatisfeitos com as concessões de princípios no varejo político vivem o desconforto de divergências menores, que se multiplicam nas complicações estaduais atreladas à estratégia federal. Aí também Lula vende, simbolicamente, otimismo a perder de vista para inadimplentes e executados. Já ficaram pelo caminho muitos candidatos cuja vitória Lula anunciou em vão e ninguém lhe cobrou. Os que discordam vão caindo fora e abrindo espaço aos pragmáticos, que não se queixam e se arrumam a esse preço módico. Para Lula, está tudo dominado, como se diz morro acima e abaixo, desde que desceu sobre o primeiro ato, ou primeiro mandato, a insubstituível cortina da aparência para tirar de cena o mensalão. De dois mandatos presidenciais, não sobrou nenhum companheiro com quem dividir os encargos do poder e as vantagens compensatórias.

Esta sucessão já está no papo, foi o que o presidente declarou em razoável português (ou, mais provável, em dialeto portunhol) ao jornal espanhol El País. Uma cortina de fumaça disfarça pormenores que tendem a crescer com o aprofundamento das diferenças e semelhanças que, ao invés de somar, incompatibilizaram o petismo e a social-democracia. Lula faz a sua parte, aqui dentro ou lá fora, com os dons e dotes que trouxe da vida sindical, enquanto espera a candidata Dilma Rousseff firmar-se nas próprias pernas e aprender a falar, sem sotaque burocrático, língua de gente que supre de votos urnas insaciáveis, que decidem eleição. Dilma está demorando a se desfazer das pequenas gafes com as quais uma candidata, invertendo a ordem dos fatores, compromete o produto: pode fazer mais depressa a própria mortalha do que o enxoval para a solenidade de posse.

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