Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 12, 2010

É hora das Cartas ao Povo Rolf Kuntz

O ESTADO DE S. PAULO


O cenário eleitoral ficaria mais claro, e talvez mais seguro, se fossem escritas pelo menos mais duas Cartas ao Povo Brasileiro. Há oito anos o candidato Luiz Inácio Lula da Silva assinou uma carta aberta ao eleitorado para declarar sua intenção de governar com responsabilidade, sem cometer as tolices pregadas tradicionalmente por seu partido. Tomou também outros cuidados.
Chamou para assessorá-lo um companheiro com reputação de bom administrador, conquistada quando prefeito de Ribeirão Preto. Pouco antes de assumir o governo, convidou para a presidência do Banco Central (BC) um banqueiro com experiência internacional. A primeira decisão do BC sob o comando desse banqueiro foi uma forte elevação de juros para derrubar a inflação. O presidente Lula o deixou trabalhar como se estivesse protegido por autonomia operacional.

Muitos criticam a política de juros. Mas a inflação se manteve em níveis quase civilizados, favorecendo a elevação da renda e do consumo das famílias pobres. O presidente Lula soube valorizar a estabilidade de preços e tirou disso enorme proveito político. Quanto a esse ponto, poderia dar lições a economistas do PT, frequentemente propensos a defender um pouco mais de inflação - quanto é esse pouco? ? em troca de um pouco mais de crescimento.

O quadro político ficaria mais nítido se cada um dos pré-candidatos mais cotados escrevesse uma Carta ao Povo, para explicar direitinho, de papel passado, a extensão de seu compromisso com a estabilidade. Por enquanto, o eleitor mais cuidadoso e mais informado tem graves motivos para preocupação ? especialmente se tiver idade para conhecer as desgraças do voluntarismo e do jogo sem regras. O tucano José Serra e a petista Dilma Rousseff têm proclamado a intenção de manter a estabilidade, apontada por ambos como conquista irreversível. Essa é agora a conversa politicamente correta, mas é também, no lado oficial, um discurso de ocultação.

Basta ver a piora das contas públicas, com déficit nominal de 3,46% do Produto Interno Bruto (PIB) nos 12 meses até março, para perceber algo errado. Além disso, calcular o resultado fiscal sem contar despesas de investimento é uma forma de maquiar as contas.

O presidente e seus ministros falam sobre a estabilidade como se a deterioração das contas públicas não fosse evidente. Sem destoar, a ex-ministra Dilma Rousseff segue a instrução recebida do chefe. Defende a política de juros criticada pelo ex-governador e acena com a manutenção da estratégia seguida por Lula. Mas não se compromete com a ideia de autonomia formal para o BC.

O pré-candidato José Serra aponta erros na política de juros, proclama a falibilidade dos seus condutores e ao mesmo tempo nega a intenção de virar a mesa. Mas fala em autonomia "dentro de certos parâmetros". Quem determinará esses parâmetros?

A oposição da ex-ministra Dilma Rousseff à autonomia formal do BC combina com sua resistência, nunca disfarçada, à independência operacional das agências de regulação. Todas as suas interferências nessa questão foram para manter as agências subordinadas ao comando político do Executivo, sujeitas, portanto, aos interesses partidários e eleitorais de cada momento.

Foi essa a política dominante nos quase oito anos do governo Lula. Ele chegou ao Planalto, em 2003, condenando as decisões tomadas por agências, como se devessem depender do presidente da República, e nunca mudou seu comportamento.

Nunca houve o mesmo empenho no controle dos gastos públicos ? exceto por iniciativa do ministro Antônio Palocci ? e na busca de qualidade e produtividade na administração federal.
Mas a folha de salários e o quadro do funcionalismo cresceram quase sem parar. Só no Executivo, os servidores civis aumentaram de 485,7 mil em 2002 para 527,2 mil em 2009. Neste caso, a pergunta vale especialmente para a pré-candidata petista: o quadro e a folha vão continuar crescendo como nos últimos anos?

Da fraca gestão fiscal tem dependido a política de juros, principal pilar da estabilidade. O câmbio resulta em parte desses fatores. Mas o câmbio seria menos importante, se a tributação afetasse menos a competitividade. Estes assuntos também caberiam nas novas Cartas ao Povo Brasileiro.

Nenhum desses pontos basta para definir uma política de desenvolvimento. Mas um compromisso real com a estabilidade e com a competência administrativa é condição essencial para qualquer projeto de crescimento seguro e de transformação. O desastre dos anos 80 e do começo dos 90 é uma boa prova disso. Mas o mais lamentável é ter de voltar a esses assuntos.

É jornalista

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