O GLOBO - 23/05/2010
Criado em uma família de várias gerações de diplomatas brasileiros e portugueses, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia representa uma geração do Itamaraty que modernizou a política externa brasileira, acompanhando a crescente inserção internacional do país nas últimas décadas.
Além de ter sido um dos ministros mais longevos na história da diplomacia brasileira, nos seus seis anos de chanceler no governo Fernando Henrique Cardoso, Lampreia tem uma singularidade na vida pública que certamente fala muito sobre seu caráter: orgulhase de ser o único ministro das Relações Exteriores a ter deixado a carreira diplomática no mesmo momento em que saiu do governo, por vontade própria.
Este "servidor público" — como gosta de se definir —, que pautou sua atuação de diplomata na defesa da filiação do Brasil ao Ocidente "da democracia, do pluralismo político, da observância do direito, do respeito aos direitos humanos", deixou a vida pública cansado "de mudanças e de ficar tão exposto aos azares da política".
Está lançando pela editora Objetiva um livro em que analisa as cinco décadas em que atuou na diplomacia.
Recusa a definição de autobiografia, gênero que considera reservado a "homens do quilate de Nelson Mandela, De Gaulle ou Barack Obama".
Seguindo conselhos de seu amigo Henry Kissinger, ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos, preferiu um relato de sua experiência pessoal na carreira diplomática, com análises da situação política na época em que os fatos se desenrol a r a m , a si m p l e s m e n t e transcrever o longo depoimento que deu ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas quando deixou o governo.
Além de relatos preciosos sobre momentos cruciais da diplomacia brasileira, como a intermediação na guerra de fronteiras entre Peru e Equador, cujo resultado final de paz considera "um dos maiores dias da nossa história diplomática", ou as negociações em que o governo Figueiredo se envolveu para evitar que os Estados Unidos invadissem o Suriname para conter a penetração cubana naquele país, "Brasil e os Ventos do Mundo", o livro de Luiz Felipe Lampreia, trata com detalhes de um dos temas mais em discussão nos nossos dias: a política brasileira de desarmamento nuclear.
O depoimento de Lampreia tem um valor especial, pois, por um desses sortilégios do destino, ele participou de toda a nossa história de negociações sobre o Tratado de Não Proliferação de Amas Nucleares (TNP), desde jovem assessor da delegação brasileira em Genebra no Comitê do Desarmamento, em 1968, quando o Brasil se recusou a assinar o TNP (considerando que ele tratava desigualmente os Estados, protegendo os que já possuíam armamentos nucleares), até, como chanceler do governo Fernando Henrique Cardoso, em junho de 1997, assinando o mesmo TNP.
Na análise de Lampreia, "nas décadas de 50 e 60 prevalecia no Brasil o pensamento de que o país ainda iria ocupar a posição de destaque que lhe competiria no mundo". Nesse pensamento estava subentendido o desejo de um dia nos tornarmos uma potência nuclear, embora nosso contexto regional não apresentasse, como não apresenta até hoje, desafios de segurança.
Mas o momento político não permitia aceitar um tratado "que contivesse obrigações taxativas para países não nucleares e apenas intenções vagas de redução de seus arsenais por parte dos que detinham armamentos de fato".
Já com Azeredo da Silveira, ministro das Relações Exteriores de Geisel, o Brasil assinou um acordo nuclear com a Alemanha, em 1975 — um marco na diplomacia brasileira, não apenas pela nova parceria internacional, como principalmente "pelo sentido de independência desafiadora do qual se revestiu em relação aos Estados Unidos".
Segundo Lampreia, o objetivo do regime militar "era dotar o Brasil não necessariamente de armas nucleares, mas sim da capacidade de fazê-las".
Anos depois,"os ventos do mundo" levaram Lampreia — escolhido por Fernando Henrique para seu chanceler depois de ter sido seu secretário-geral quando fora ministro das Relações Exteriores — a ser o signatário, em nome do Brasil, do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
Fernando Henrique pensou mesmo, revela Lampreia, em incluir essa mudança de posição brasileira em seu discurso de posse, o que não aconteceu.
Ele relata as principais razões para essa mudança do governo brasileiro: a posição principista do Brasil já não trazia respeito nem benefícios; a assinatura não acrescentaria nenhuma limitação às que já assumíramos, inclusive na Constituição de 1988, e assinar naquele momento completaria nossa inserção no mainstream internacional e nos capacitaria para outros cenários, inclusive o da cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Houve problemas em certas áreas militares que tiveram que ser superados, e a tática de pequenos avanços foi adotada, começando pela adesão ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, renunciando aos mísseis militares de longo alcance. O Brasil, além do TNP, é signatário do Tratado de Tlatelolco e de um programa de fiscalização mútua com a Argentina.
Relata Lampreia: "Fernando Henrique e eu recusávamos a tese de que fosse necessário ter armas nucleares, mesmo depois da bomba indiana em 1994, para mostrar a força do Brasil no mundo. (...) Não acreditávamos que um artefato nuclear ou a detenção da tecnologia nuclear serviria de elemento de poder decisivo para o Brasil do século XXI".
"Nenhuma situação de ameaça geopolítica e nenhuma razão séria de segurança nacional justificariam essa opção. Não creio que possa haver dúvidas fundamentadas a esse respeito, embora saiba que algumas pessoas ainda alimentam essa alternativa".
Este "servidor público" — como gosta de se definir —, que pautou sua atuação de diplomata na defesa da filiação do Brasil ao Ocidente "da democracia, do pluralismo político, da observância do direito, do respeito aos direitos humanos", deixou a vida pública cansado "de mudanças e de ficar tão exposto aos azares da política".
Está lançando pela editora Objetiva um livro em que analisa as cinco décadas em que atuou na diplomacia.
Recusa a definição de autobiografia, gênero que considera reservado a "homens do quilate de Nelson Mandela, De Gaulle ou Barack Obama".
Seguindo conselhos de seu amigo Henry Kissinger, ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos, preferiu um relato de sua experiência pessoal na carreira diplomática, com análises da situação política na época em que os fatos se desenrol a r a m , a si m p l e s m e n t e transcrever o longo depoimento que deu ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas quando deixou o governo.
Além de relatos preciosos sobre momentos cruciais da diplomacia brasileira, como a intermediação na guerra de fronteiras entre Peru e Equador, cujo resultado final de paz considera "um dos maiores dias da nossa história diplomática", ou as negociações em que o governo Figueiredo se envolveu para evitar que os Estados Unidos invadissem o Suriname para conter a penetração cubana naquele país, "Brasil e os Ventos do Mundo", o livro de Luiz Felipe Lampreia, trata com detalhes de um dos temas mais em discussão nos nossos dias: a política brasileira de desarmamento nuclear.
O depoimento de Lampreia tem um valor especial, pois, por um desses sortilégios do destino, ele participou de toda a nossa história de negociações sobre o Tratado de Não Proliferação de Amas Nucleares (TNP), desde jovem assessor da delegação brasileira em Genebra no Comitê do Desarmamento, em 1968, quando o Brasil se recusou a assinar o TNP (considerando que ele tratava desigualmente os Estados, protegendo os que já possuíam armamentos nucleares), até, como chanceler do governo Fernando Henrique Cardoso, em junho de 1997, assinando o mesmo TNP.
Na análise de Lampreia, "nas décadas de 50 e 60 prevalecia no Brasil o pensamento de que o país ainda iria ocupar a posição de destaque que lhe competiria no mundo". Nesse pensamento estava subentendido o desejo de um dia nos tornarmos uma potência nuclear, embora nosso contexto regional não apresentasse, como não apresenta até hoje, desafios de segurança.
Mas o momento político não permitia aceitar um tratado "que contivesse obrigações taxativas para países não nucleares e apenas intenções vagas de redução de seus arsenais por parte dos que detinham armamentos de fato".
Já com Azeredo da Silveira, ministro das Relações Exteriores de Geisel, o Brasil assinou um acordo nuclear com a Alemanha, em 1975 — um marco na diplomacia brasileira, não apenas pela nova parceria internacional, como principalmente "pelo sentido de independência desafiadora do qual se revestiu em relação aos Estados Unidos".
Segundo Lampreia, o objetivo do regime militar "era dotar o Brasil não necessariamente de armas nucleares, mas sim da capacidade de fazê-las".
Anos depois,"os ventos do mundo" levaram Lampreia — escolhido por Fernando Henrique para seu chanceler depois de ter sido seu secretário-geral quando fora ministro das Relações Exteriores — a ser o signatário, em nome do Brasil, do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
Fernando Henrique pensou mesmo, revela Lampreia, em incluir essa mudança de posição brasileira em seu discurso de posse, o que não aconteceu.
Ele relata as principais razões para essa mudança do governo brasileiro: a posição principista do Brasil já não trazia respeito nem benefícios; a assinatura não acrescentaria nenhuma limitação às que já assumíramos, inclusive na Constituição de 1988, e assinar naquele momento completaria nossa inserção no mainstream internacional e nos capacitaria para outros cenários, inclusive o da cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Houve problemas em certas áreas militares que tiveram que ser superados, e a tática de pequenos avanços foi adotada, começando pela adesão ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis, renunciando aos mísseis militares de longo alcance. O Brasil, além do TNP, é signatário do Tratado de Tlatelolco e de um programa de fiscalização mútua com a Argentina.
Relata Lampreia: "Fernando Henrique e eu recusávamos a tese de que fosse necessário ter armas nucleares, mesmo depois da bomba indiana em 1994, para mostrar a força do Brasil no mundo. (...) Não acreditávamos que um artefato nuclear ou a detenção da tecnologia nuclear serviria de elemento de poder decisivo para o Brasil do século XXI".
"Nenhuma situação de ameaça geopolítica e nenhuma razão séria de segurança nacional justificariam essa opção. Não creio que possa haver dúvidas fundamentadas a esse respeito, embora saiba que algumas pessoas ainda alimentam essa alternativa".