Provavelmente a repercussão do programa do PT, apresentado na
quinta-feira em cadeia nacional de televisão, terá efeitos positivos
nas próximas pesquisas eleitorais, mostrando crescimento da candidata
oficial, Dilma Rousseff.
Seria bobagem da oposição não admitir que o programa foi bem feito, e
que o fato de o presidente Lula, com sua popularidade toda, ter
servido de âncora para apresentar pela enésima vez sua candidata ao
eleitorado brasileiro terá repercussão favorável.
Nem mesmo os exageros, cujo ponto alto foi a comparação absurda da
história de vida de Dilma com a de Mandela, devem prejudicar a boa
receptividade do programa junto ao eleitorado.
As distorções apresentadas, como a paternidade do programa Luz para
Todos, que nada mais é do que a reciclagem do programa Luz no Campo,
do governo FHC, terão que ser respondidas nos programas da oposição.
Do ponto de vista pragmático da política, cujo único valor que importa
é vencer a eleição, terá sido uma jogada de mestre. Mas terá
acontecido graças a uma burla da legislação eleitoral, e com ninguém
menos que o presidente da República comandando a tramoia.
É um problema duplo marcando um retrocesso institucional perigoso: um
presidente disposto a tudo para eleger sua escolhida, e uma Justiça
Eleitoral ineficaz, inapta a estabelecer os limites para que a disputa
eleitoral se dê em condições de igualdade.
O abuso do poder político por parte do Executivo está sendo a tônica
desta campanha, e o Tribunal Superior Eleitoral, apesar da retórica de
seus membros, não tem condições de fazer cumprir as regras que todos
deveriam respeitar, a começar pelo presidente da República.
Se a única punição que o TSE tem condições de determinar são as
multas, e se elas não têm significado maior do ponto de vista
pecuniário, somente o constrangimento moral poderia deter a escalada
de desafios à lei.
Mas esse não é o caso do atual estágio da política brasileira, onde o
presidente da República é o primeiro a debochar da legislação
eleitoral, sem que o TSE faça alguma coisa.
A ineficiência do TSE fica claramente exposta no que aconteceu quinta-feira.
Quatro meses e pouco depois de uma ação da oposição contra um programa
do PT, em dezembro do ano passado, a vice-procuradorageral eleitoral
Sandra Cureau remeteu ao TSE um parecer recomendando a punição do PT
por fazer propaganda eleitoral ilegal em favor de Dilma Rousseff.
A punição proposta pela procuradora era o cancelamento do programa
oficial do partido que iria ao ar na quinta-feira.
No programa anterior, Lula apresentara a candidata como "responsável"
por ações do governo como o PAC e Minha Casa.
Para a vice-procuradora eleitoral, a estrutura do programa
"nitidamente revela seu cunho eleitoral, ao realçar as qualidade de
gestora da representada (...) Configurando espécie de propaganda
eleitoral extemporânea em sua forma subliminar".
A procuradoria, além do mais, considerou indevida a comparação do
governo Lula com a gestão FHC. "Esse tipo de comparação somente se
presta a realçar o caráter eleitoral da propaganda sob análise (...)
Pois cuida de atacar justamente o partido do adversário político mais
evidente [José Serra] da segunda representada [Dilma]".
Não se trata de querer que o TSE faça uma censura prévia, proibindo um
programa partidário do PT antes de ele ser exibido.
Como a punição proposta pela primeira transgressão era justamente a
suspensão do programa deste ano, é evidente que o TSE deveria marcar o
julgamento pelo menos um dia antes da data prevista da exibição, mais
de quatro meses depois da ação dos partidos de oposição.
O que faz o TSE ? Marca o julgamento para poucas horas antes da
exibição, o que já é um absurdo, e faz melhor: adia o início da sessão
para dar as boas vindas a um novo juiz, Marco Aurélio de Mello.
Muita gente não aceita que os senhores juízes não tenham noção de
prioridades, e acredita que todas as manobras de postergação da
decisão foram feitas de propósito, para que o fato consumado superasse
as decisões que porventura o Tribunal tomasse.
E foi o que aconteceu: o TSE aplicou sanções "severíssimas" ao
presidente Lula, multado mais uma vez, à précandidata Dilma Rousseff,
multada pela primeira vez na campanha, e, rigor dos rigores, suspendeu
o programa eleitoral do PT em 2011.
Como certamente a oposição entrará com uma nova ação contra o programa
apresentado na noite de quinta-feira, que, por todos os parâmetros,
foi muito mais ilegal do que o primeiro, é previsível que o TSE volte
a atuar com o máximo rigor e suspenda também o programa do PT de 2012.
Seria ridículo, se não fosse trágico para a democracia brasileira. Nos
meios políticos é conhecida a lerdeza da Justiça eleitoral, e é
unânime a certeza de que vale a pena arriscar um programa que
transgrida os limites legais, pois a punição virá sempre no ano
seguinte, quando as eleições já se realizaram.
É verdade que, recentemente, dois ou três governadores eleitos em 2006
perderam seus mandatos por terem infringido a legislação durante a
campanha eleitoral.
Mas é difícil imaginar que um presidente da República eleito pela
maioria dos cidadãos venha a ter seu mandato cassado em meio ao
governo por um delito cometido na campanha eleitoral, anos antes.
Não seria nem mesmo desejável que isso acontecesse, ainda mais que o
TSE inovou na sua decisão de maneira absurda, dando o governo ao
segundo colocado na eleição, na suposição de que esta seria a vontade
do eleitor, burlada pelo abuso do poder político ou econômico.
Num tempo de noticiário em tempo real, com instrumentos de comunicação
imediata como Twitter e internet, não é possível que a Justiça
brasileira continue atuando com a lerdeza que facilita a delinquência.