FOLHA DE S. PAULO
Espero que o que houve nos mercados sirva para abrir os olhos das autoridades sobre a falta de controle dos gastos
A economia brasileira tem se beneficiado por mudanças estruturais importantes que estão ocorrendo no mundo nos últimos anos. São eventos que ocorrem fora de nossas fronteiras e em relação aos quais não temos nenhuma influência. De certa forma, somos observadores privilegiados desse processo que ainda é ignorado pela grande maioria de nossos analistas políticos e econômicos. Mesmo dentro do governo a desinformação em relação a esses fatos é abissal.
Estou convencido de que estamos vivendo uma descontinuidade importante no funcionamento das economias de mercado que formam o que se convencionou chamar de mundo global. Até a virada do século, o processo de globalização ocorria dentro de um arcabouço institucional e operacional herdado do pós-Segunda Guerra Mundial.
Podemos colocar o colapso do mundo comunista -ou soviético, para ser mais preciso- como uma etapa final na construção desse mundo econômico centrado nos Estados Unidos e na Europa.
Um primeiro sinal da descontinuidade a que me referi veio com a ascensão da China e de umas poucas economias emergentes como a brasileira, os chamados Brics. A força desses novos atores vinha, principalmente, do potencial de consumo de seus cidadãos à medida que se incorporavam ao mercado de trabalho e de crédito. Eles representavam um contraponto ao consumidor do Primeiro Mundo, que mantinha seus gastos à custa de um superendividamento bancário.
Mas é a partir de 2008, com a quebra do Lehman Brothers e a necessidade de um incrível esforço financeiro dos governos do G7 para evitar uma depressão econômica, que a descontinuidade no funcionamento da economia mundial aparece de forma clara. A crise grega acordou a todos sobre a gravidade dos desequilíbrios financeiros dos países ricos e recolocou na ordem do dia os receios de uma nova crise de credibilidade no funcionamento da economia mundial.
Tardiamente foi percebido que, para salvar o sistema bancário no G7, governos passaram a incorrer em deficit fiscais gigantescos, o que levou o endividamento público a níveis próximos da ruptura. E só mais recentemente ficou claro que os grandes detentores dos títulos públicos são os mesmos bancos que foram salvos pela ação dos Tesouros nacionais. A credibilidade do sistema financeiro está sendo novamente colocada em xeque e o medo de um banco investir em outro já está de volta, pelo menos na Europa.
Na próxima década, um dos elementos mais importantes para o sucesso ou o fracasso de uma economia nacional será o nível do endividamento público. E, mais uma vez, são os países da antiga periferia econômica -hoje chamados de emergentes- que estarão em melhores condições de crescer. E o Brasil está entre eles. Talvez um dos pontos mais importantes para garantir um crescimento sustentado nos próximos anos seja uma relação dívi- da-PIB vista como sólida.
Por isso, parece-me uma irresponsabilidade a falta de controle atual dos gastos fiscais do governo Lula, principalmente a emissão de dívida pública para aumentar a capacidade de emprestar do BNDES.
Preservar um endividamento controlado, em um mundo apavorado com as dívidas dos governos, pode ser até mais importante para nós do que o chamado pré-sal lulista.Espero que os acontecimentos dos últimos dias nos mercados -inclusive a disparada do dólar aqui no Brasil- sirvam para abrir os olhos das autoridades.
Entrevista:O Estado inteligente
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