Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 30, 2010

MÍRIAM LEITÃO Barrados na porta


O GLOBO - 30/05/10

Empresas reclamam de apagão de mão de obra.


Brasileiros qualificados procuram emprego. São barrados por não terem experiência, ou por serem mais velhos, ou por não passarem nos burocráticos padrões de recrutamento. As empresas perdem chance por discriminar. Falamos com desempregados e empresas para entender as contradições do mercado de trabalho.

Fomos a campo usando as ferramentas das novas mídias.

Postamos no Twitter convites para que as pessoas com qualificação mas sem chance no mercado de trabalho contassem as suas histórias.

Gravei um vídeo fazendo o mesmo convite, postei no blog, e foi chamado no site do Boa Chance. Alvaro Gribel, Valéria Maniero e eu recebemos as histórias e conversamos diretamente com alguns. Postamos casos no blog. Em quatro dias, recebemos mais de 200 e-mails e 150 comentários.

Márcio Felipe é técnico em informática, com experiência em empresas no Brasil e em Portugal. O setor de TI nos disse que tem carência de 100 mil pessoas. Ele procura diariamente emprego e não encontra. O que está errado com ele? Dizem que é a idade: tem 45 anos. Mariana Cordeiro tem 28 anos, é formada em marketing há seis anos e, durante esse período, está procurando emprego. Mesmo sendo contra "panfletar" currículo, ela se cadastrou num site especializado que enviou suas informações para 7.234 empresas.

Recebeu três respostas, mas sempre acabou ouvindo aquele desanimador: "você não tem o perfil": — Se os recrutadores dessem retorno, eu poderia saber em que estou errando.

Ela continuará procurando e diz que se as empresas soubessem "da disposição e desejo de várias pessoas como eu, pensariam duas vezes antes de simplesmente descartar nossos currículos".

Renato Teixeira é engenheiro de transportes, tem 35 anos de experiência, como o de ser diretor de Planejamento do Metrô do Rio.

Não consegue emprego porque tem 58 anos. Lucas Camilo formou-se em publicidade, está fazendo um MBA na FGV, mas não consegue o primeiro trabalho. Dizem que ele não tem experiência.

Eduardo Azevedo é engenheiro eletrônico, com pósgraduação na Coppe em sistema Offshore, faz mestrado na UFRJ em engenharia naval.

Trabalha em TI, mas seu sonho é trabalhar na área de petróleo. Ele não consegue.

O engenheiro Newton Amaro tem cursos de pós-graduação, 25 anos de experiência, mas se diz barrado pela idade: 49 anos. No Twitter, vários nos informam que as empresas em geral exigem 35 anos como idade máxima. Muita gente não consegue sequer enviar currículo porque as empresas estabelecem essa idade como limite. Quem tem 37 anos já seria "velho".

Atualmente, os jovens ficam mais tempo estudando, começam a procurar emprego mais tarde, aí são barrados por não terem ainda começado a trabalhar. Um me disse que aos 29 anos foi declarado "velho" numa seleção.

Alguns se formaram num período em que o mercado de trabalho estava pior no Brasil. Foram para fora, hoje tentam voltar e não conseguem, apesar das habilidades valiosas adquiridas no exterior, entre elas, o domínio de idiomas.

Oswaldo Cechinel ouve sempre elogios ao seu currículo e aos seus 20 anos de experiência em cargos de gerência de empresas brasileiras e estrangeiras. Mas não tem chance porque tem 64 anos. Ele não se sente velho e acha sua experiência valiosa: — Já tentei negociar salário, mas há muita discriminação contra a idade.

Em Tocantins, Fernanda Souza do Nascimento, 28 anos, saiu da faculdade de administração de empresas com mil planos na cabeça. Já enviou currículos para vários tipos de empresas, mas recebe sempre a mesma resposta: não tem experiência: — As empresas querem um profissional pronto, assim fica difícil encontrar alguma coisa.

Barrados por terem idade demais, barrados por não terem experiência, recusados pelo critério burocrático de idade máxima de 35 anos, milhões de brasileiros estão neste momento cumprindo a mesma rotina: acordar de manhã, pesquisar os empregos, mandar currículos, aguardar ansiosamente resposta, se animar com alguma possibilidade de entrevista e ouvir do recrutador que seu perfil não é o que a empresa quer.

Isso vai demolindo a autoconfiança e eles começam a achar que fizeram a escolha errada, ou têm algum problema que não perceberam.

Não há nada de errado com esses brasileiros. Nas muitas respostas que recebemos o que fica claro é que a empresa faz exigências descabidas, constrói barreiras desprovidas de sentido.

Neuri dos Santos, com mestrado em química, manda diariamente currículos para empresas, mas até agora nunca conseguiu um emprego com carteira assinada.

Só trabalho temporário num laboratório de uma universidade: — Às vezes dizem que sou muito qualificado para a vaga. Outras vezes perdi oportunidades por causa da idade. Não é porque eu tenho 37 anos que eu não posso continuar crescendo na profissão.

Conversamos com os departamentos de pessoal de algumas empresas. O grupo Randon disse que tem 500 vagas em diversas áreas, 5% de engenharia e nível técnico que estão há 80 dias sem preenchimento. O cenário é o mesmo na Atlas Schindler, onde a convicção é que faltam técnicos no Brasil. A mesma queixa ouvimos na Fosfértil. Um mês atrás fizemos a mesma busca em vários setores e ouvimos as mesmas queixas.

O país está crescendo, o mercado de trabalho está dinâmico, essa é a hora de as empresas abrirem suas portas, sem preconceitos.

Hoje, já se sabe que a diversidade é elemento essencial para a formação de uma boa equipe. O Brasil está reclamando de apagão de mão de obra com oito milhões de desempregados

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