O Globo - 25/05/2010
No sistema de concessão, se ocorrer um desastre ambiental no Brasil como está ocorrendo no Golfo do México, com a BP, a responsabilidade será da empresa. No sistema de partilha, o governo também seria responsável. A sonda necessária para explorar o pré-sal custa quatro vezes mais do que a multa que foi aplicada à BP. O Brasil não está preparado para um evento como esse.
O horroroso desastre ambiental que há 34 dias está enchendo de poluentes as águas do Golfo do México tem várias lições para nós. A primeira é que o Brasil precisa se preparar melhor para o risco de eventos assim.
Lá, a tecnologia de prevenção e os programas de contenção falharam, onde a exploração ocorre a 1.500 metros de profundidade. O présal é mais profundo e a nossa exploração é muito mais longe da costa.
O que os especialistas ouvidos dizem é que não há plano de emergência, o Brasil não tem fábrica de dispersantes, nem capacidade logística para importar esse produto em grande quantidade.
A Petrobras gastará US$ 300 milhões em cada uma das 21 sondas para iniciar a perfuração no pré-sal, como contou ontem Ancelmo Gois. A British Petroleum pagará ao governo americano US$ 75 milhões de multa por ter provocado o maior desastre ambiental americano.
O professor Segen Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação da Coppe/UFRJ, explica que todos os procedimentos conhecidos e tecnologias disponíveis falharam ao tentar conter o vazamento. O desastre pode ser bem maior, porque o petróleo não permanece apenas na superfície, fica também no fundo do mar. As estimativas oficiais falam em 4 milhões de litros por dia, mas há projeções de que o número pode chegar a 13 milhões.
— O vazamento expôs a indústria de petróleo como um todo, não só a BP. Todos os métodos usuais falharam.
A principal arma para conter o vazamento falhou.
Os procedimentos que eram considerados infalíveis falharam. É uma situação nunca vista na indústria e se o óleo permanecer jorrando por mais uma semana, esse estrago será maior que o da Exxon Valdez (no Alasca) — afirmou.
Stefan acha que a luz amarela na indústria foi acesa.
Haverá uma nova corrida tecnológica para evitar acidentes e conter estragos.
A indústria que opera em águas ultraprofundas terá novos gastos e desafios.
— Nossa lâmina d'agua (a distância entre a superfície do oceano e o fundo do mar) é cerca de 50% mais profunda que nesse vazamento.
E a profundidade em que se encontra o petróleo na terra é cerca de 30% maior. Isso quer dizer que estamos mais expostos no processo de perfuração e temos maior probabilidade de acidentes — afirmou.
Após o vazamento, o presidente Barack Obama disse que "há uma relação promíscua entre as agências reguladoras e as empresas de petróleo". Stefan explica que desde o acidente com a petrolífera Piper Alfa, na costa da Escócia, em 1988, que matou 167 pessoas, a responsabilidade pelo quesito segurança deixou de ser das agências e ficou a cargo das empresas. Isso aconteceu porque a petrolífera Occidental Petroleum alegou que havia cumprido as determinações exigidas pela agência, se esquivando de responsabilidades.
— Desde então, as agências se afastaram dessa função para deixar com as próprias empresas a responsabilidade pelos acidentes.
Há um lado bom nisso que é fazer com que a própria empresa assuma o problema.
Mas o lado ruim é que os órgãos se enfraqueceram tecnicamente. Acho que haverá uma rediscussão desse modelo — afirmou.
No Brasil, a legislação do modelo de concessão considera as empresas culpadas.
Essa é uma vantagem do modelo.
Mesmo assim, a multa máxima permitida é pequena: R$ 50 milhões. O especialista na área de petróleo Jean-Paul Prates acredita que se o acidente fosse no país, haveria um grande jogo de empurra entre vários órgãos.
— A ANP perdeu muita qualidade técnica e prestígio nos últimos anos por conta de um esvaziamento ocorrido no governo Lula.
Hoje, a ANP fala e ninguém obedece. Em casos de acidente em alto-mar, teríamos três órgãos envolvidos: Marinha, ANP e próprio Ministério do Meio Ambiente.
Seria um grande jogo de empurra — explicou.
Essa é uma das lições que o Brasil precisa aprender com o acidente no Golfo do México.
Em casos assim, não há espaço para improviso. A gestão precisa ser centralizada e os planos de logística precisam estar previamente definidos. Teremos aeroportos e portos preparados para levar rapidamente equipamentos até o local da exploração do pré-sal, que acontecerá a centenas de quilômetros da costa? Se for preciso importar matéria-prima para a fabricação de dispersantes, haverá menos burocracia alfandegária? Teremos uma legislação preparada para situações de emergência? Jean Paul Prates acredita que o acidente no Golfo do México colocou em xeque o setor de SMS (Segurança, Meio Ambiente e Saúde) como um todo. O resultado disso será um adiamento na exploração de petróleo em áreas remotas, como no Alasca, e na própria costa americana.
— A exploração das áreas mais sensíveis do Planeta, ou mais remotas, como em florestas, no alto-mar e em áreas geladas ficará sepultada por ora — disse.