Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 16, 2010

MIRIAM LEITÃO - Dueto londrino

O Globo


O embaixador britânico no Brasil, Alan Charlton, está entusiasmado com seu próprio país. "A política está vivendo uma mudança de geração. O primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro têm pouco mais de 40 anos. É o primeiro governo de coalizão em décadas e tudo está indo muito bem", comemorou. O resto do mundo olha para Londres com algum ceticismo.
Realmente é uma nova geração que chega ao poder num país em que o poder se renova com uma certa frequência. Tony Blair quando assumiu era jovem e tinha a força de uma ideia inovadora. O novo trabalhismo de Blair atualizou a esquerda e influenciou outros países. Na direita, o thatcherismo mudou a economia mundial com sua onda privatizante.

Agora é bem mais complexo.

O primeiro-ministro, David Cameron, e o viceprimeiroministro, Nick Clegg, têm enormes diferenças de programas. A crise que se abate sobre a Europa é muito grave. O déficit público inglês é de 11% do PIB.

Os bancos ingleses são os mais expostos em dívida irlandesa, país que está com 14% de déficit público. A vantagem da Inglaterra é ter sua própria moeda, mas ela está enredada no mesmo novelo de déficits e dívidas resultantes da crise bancária e de crédito de 2008.

O embaixador me disse que acha os passos iniciais animadores.

— No primeiro dia, o primeiroministro Cameron visitou dois ministérios, o que não é comum: o do Tesouro, chefiado pelo conservador George Osborne, e o de Energia e Mudanças Climáticas, chefiado por Chris Huhne, liberal-democrata.

Cada ministro terá um vice-ministro de outro partido e em breve será divulgado um programa de governo detalhado com o que foi negociado — contou o embaixador, que tinha participado de uma teleconferência com o novo ministro das Relações Exteriores, William Hague.

Alan Charlton repetiu uma frase que foi dita na primeira reunião do gabinete por um ministro liberal: o de que casamentos arranjados podem ser mais felizes que os casamentos por amor.

É. Pode ser. Mas há muito o que conciliar na área econômica e fiscal onde há mais divergências no casal.

Os liberais-democratas propuseram aumentos de impostos sobre propriedade de luxo, e os conservadores, redução de impostos sobre empresas. Eles têm diferenças de propostas e visões em inúmeros itens.

Além disso, há a própria falta de experiência inglesa com governos de coalizão.

Espantoso para quem vive em país com outros costumes foi que na primeira reunião do gabinete, o primeiroministro já começou a cumprir o programa que havia defendido na campanha.

Pode parecer óbvio, mas no Brasil o programa é esquecido assim que se fecham as urnas. Cameron cortou o próprio salário e os dos ministros em 5% e os congelou por cinco anos.

Exatamente como tinha prometido. No mesmo dia, criou o Conselho de Segurança Nacional, que também tinha prometido. Portanto, é de se esperar que faça outros itens do programa, alguns que significam expansão de gastos, como o de dobrar o bônus operacional pago às tropas na guerra do Afeganistão.

Em seu blog, o embaixador escreveu que na videoconferência ele fez a primeira pergunta a Hague.

"Em resposta à minha pergunta sobre o Brasil, ele enfatizou que todo o governo britânico deve se esforçar para aprofundar relações.

Ele mencionou, especificamente, as relações comerciais e também relações nas áreas de educação superior, esportes e cultura.

Como resultado de reuniões prévias com embaixadores da América Latina, em Londres, ele já sabia da existência de certo ceticismo, por parte destes, sobre se ele teria tempo para se dedicar à América Latina, em vista de questões como o Afeganistão e o Oriente Médio. Porém, o ministro deixou claro que aprofundar relacionamentos mundo afora com países como o Brasil está entre as prioridades nacionais." Talvez a Inglaterra passe um período mais mergulhada em si mesma do que cuidando das relações com qualquer outro país. Os conservadores são menos europeístas — apesar de os liberais serem mais. Mas não é nem devido a este tipo de escolha.

O país terá que enfrentar seus próprios problemas e tentar evitar que a crise que abala o continente desembarque em suas praias. Afinal, eles só não têm a mesma moeda, mas fazem parte da mesma União Europeia.

Um ponto fundamental para manter viva a coalizão será propor um plebiscito sobre o sistema de voto. O embaixador diz que a ideia é tentar o voto alternativo em que se manteria o sistema distrital, mas o eleitor poderia indicar sua ordem de preferência entre os representantes. Isso poderia reduzir a desvantagem do terceiro partido no atual sistema.

— Os dois — Cameron e Clegg — são o início de uma nova política, os dois são muito jovens, são uma nova geração. Para se ter uma ideia, se o ex-ministro David Miliband for o novo líder dos trabalhistas, ele, aos 44 anos, será o mais velho dos três líderes — disse o embaixador.

Ser jovem não é tudo. É necessário ter uma nova proposta sobre como resolver velhos problemas econômicos e fiscais que voltam a assombrar. E isso até agora o novo governo inglês não demonstrou ter. Na área ambiental e climática, os conservadores fizeram uma grande atualização do seu pensamento e prometem fazer um governo ainda mais verde do que os trabalhistas.

O mais inovador e estimulante, no entanto, é a própria construção da coalizão.

Cameron e Clegg demonstraram liderança por levarem seus partidos a concessões que permitiram a formação da maioria parlamentar.

O Reino Unido viverá tempos interessantes.

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