O Estado de S. Paulo - 20/05/2010 |
O líder do governo Romero Jucá não apareceu na sessão de ontem da Comissão de Constituição e Justiça do Senado que aprovou por unanimidade o projeto Ficha Limpa em caráter de urgência e no início da noite no plenário. Pois antes da hora do jantar Jucá já tinha sido atropelado pela sociedade que levou até seus pares governistas a transitar do mais absoluto desdém à mais inflamada das paixões pelo projeto que veta candidaturas de gente com contas abertas na Justiça. O que já ocorrera na Câmara, aconteceu de novo na sessão de ontem pela manhã na CCJ e com uma rapidez inédita no plenário do Senado. Ineditismo que chega mesmo a ser inusitado. Muito se falou sobre essa causa que parecia perdida e ganhou a batalha de virada. Nem a contraofensiva preparada pela liderança governista no Senado resistiu a 15 minutos e teve de abrir alas ao pedido de passagem da pressão popular em ano eleitoral. Faltou, porém, examinar um outro aspecto da cena: o cotejo entre o entusiasmo retórico dos parlamentares, a animação cidadã do eleitorado e o comportamento de todos esses atores face à realidade cotidiana. O deputado Chico Alencar levantou a lebre. No último dia de votação do Ficha Limpa na Câmara, enquanto observava os colegas que tanto gostam de proteger quebras de decoros, defender práticas questionáveis e distorções assemelhadas, eufóricos em seus discursos em defesa "das fichas limpas", escreveu uma mensagem. "Estou preocupado com os excessos de autoelogios derivados do raro momento de encontro do Parlamento com a demanda popular. Não podemos vender ilusões e dizer que começou a acabar a corrupção e que agora o Brasil só terá eleições limpas, candidaturas cândidas. Menos!" O deputado pede atenção para o controle dos partidos na formação da lista de candidatos, o cuidado do eleitor com a escolha do voto e zelo com o seguinte: o fato de alguém não ter processo não lhe garante a lisura de conduta. "Muitos fichas-escondidas, sujíssimas, seguirão sendo candidatos, pois a grande maioria dos inescrupulosos atraídos pela vida pública jamais sofreu qualquer condenação judicial. Contra esses, o único remédio é o voto consciente." Dá mais trabalho, não dá para transferir a responsabilidade aos partidos, mas é um caminho mais seguro, civilizado, politizado e educativo. Chico Alencar não desqualifica o valor da pressão popular. Ao contrário. Só alerta que não é coisa que se faça como um episódio para depois sair de cena. Pelo seguinte, na transmutação do Congresso nesse caso do projeto Ficha Limpa muita gente boa e bem intencionada, que em geral é deixada de lado, pôde retomar o espaço perdido. Mas uma quantidade enorme de oportunistas pegou carona nessa história, esperando que não dê tempo de a regra valer para a eleição de 2010. Em geral são os que fazem os discursos mais exorbitantes. O palavrório não paga pedágio. Daí que com todo mérito que merece o Congresso, essa súbita transição da apatia à euforia no caso do Ficha Limpa só se configurará uma trajetória em direção ao avanço quando os partidos e os políticos se dispuserem a mudar os comportamentos de fato. Farão isso por geração espontânea, por obra e graça do Espírito Santo, ou sempre que houver uma eleição? Em nenhuma dessas situações. Só há um jeito: é a estreita, permanente e contundente, vigilante, insistente e, sobretudo, saudavelmente cética, cobrança social. Talião. A área jurídica do PSDB aconselha o partido a seguir a Lei Eleitoral no programa do dia 17 de junho, mas admite que não tem como assegurar aos políticos que, se mantiverem a compostura, serão recompensados pelo rigor da Justiça em relação ao adversário. De onde prevalece, segundo o deputado Jutahy Júnior, o seguinte entendimento no partido: "Apresentar o candidato (José Serra), fazer de fato um programa com efeitos eleitorais. Se o tribunal permite ao PT reincidir, usando duas vezes o programa partidário como horário eleitoral, nós vamos fazer o quê? Nem o eleitor compreenderia se agíssemos de maneira diferente." |
Entrevista:O Estado inteligente
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