Folha de S Paulo
SEMPRE TIVE implicância com algumas palavras, sobretudo com o peso dado a elas, um peso que tema ver quase com o sagrado. A principal delas é cultura, que envolve arte e literatura, entre muitas outras coisas. É perigoso falar desses assuntos, mas esse sentimento existe tão forte dentro de mim que evitá-los seria quase hipocrisia.
Vamos à primeira: cultura. O que é uma pessoa culta? É a que leu todos os livros, esteve em todos os museus, sabe falar, com palavras bonitas - e se forem difíceis, melhor ainda -, sobre os movimentos culturais do passado, do presente e até os que ainda vêm por aí. Sabe tudo sobre história em geral, a Grécia antiga, os romanos etc.; só que para falar sobre essas coisas e passar uma bela impressão de cultura é preciso ter também uma memória privilegiada.
Não adianta um vasto conhecimento sobre todos os assuntos que fazem parte do que se chama cultura, se não tiver memória. Por ter alguma experiência de vida, também implico muito com os "espaços" culturais, talvez por ter visto tanta gente que só tem uma ambição na vida: dirigir um deles. Eles pulam de um para outro e passam a vida às custas da cultura, seja lá isso o que for; são os gigolôs da cultura.Aliás, quem decide o que é e o que não é cultura?
E quem decidiu que esses têm o poder de decretar o que é e o que não é?Há alguma coisa mais vaga do que um centro cultural? E quantos devem existir no Rio e em São Paulo?
Centenas, com toda certeza. Vamos agora à palavra arte; artes plásticas, mais precisamente. Existem, nos dias de hoje, artistas que vendem suas criações por milhares de dólares, e fico feliz por eles. Já outros passam a vida sem conseguir vender um único quadro - olha o exemplo de Van Gogh - e um belo dia passam a ser considerados os melhores da história do mundo.
Eu, que confesso sem nenhuma vergonha não ter um bom olho para a pintura, às vezes gosto do quadro de um pintor famoso, às vezes não; às vezes gosto do quadro de um desconhecido, às vezes não. Mas me recuso a TER QUE gostar de artistas consagrados porque alguns alguéns decretaram que eles são talentosíssimos. Odeio instalações, e me dou ao direito - que todos temos, aliás - de gostar do que eu gosto, sem ir pela cabeça dos críticos.
Agora, a literatura. Escrever, bem ou mal, não dá a ninguém o direito de se achar parte do sagrado mundo literário, e eu gostaria de saber por que razão os críticos da palavra têm o poder de dizer que uma determinada obra é um primor de literatura, ou não. Qual o critério de poder julgar o trabalho dos outros e dizer, do alto de sua sabedoria, o que é bom e o que não é?
Cansei de tentar ler livros altamente considerados como obras-primas e largar nas primeiras páginas, tal o tédio que senti. Aliás, quem quiser se passar por culto é só decorar algumas frases de autores famosos e de vez em quando dizê-las, assim como quem não quer nada, no meio de uma conversa.
Quem decreta que A é um bom pintor, que B é cultíssimo, que o livro C é bom ou ruim? Quem consagraou destrói quem ousa penetrar nesse misterioso mundo da cultura?Quem tem o direito de falar sobre a qualidade do trabalho de um pintor?
Penso que somos, todos nós, únicos, com nossos gostos e preferências, e que devemos olhar para tudo o que é feito em nome da cultura com nossos próprios olhos, e não pelos daqueles que são considerados - não sei por quem - os únicos que sabem.