O Globo 04/05/2010
Dilma está sendo clonada
Dilma Rousseff tem de ser ela mesma.
Seu duro passado de militância política lhe deixou um viés de rancor e vingança, justificáveis. Ela tem todo o direito de ser uma típica "tarefeira" da VARPalmares, em vias de realizar o sonho de sua juventude, se eleita. Ela tende para a estatização da economia, restos de sua formação leninista; ela tem o direito de ser irritadiça, pois o país é irritante mesmo. Seus olhos fuzilam certezas sobre como consertar a pátria amada. Ela pode achar que democracia é "papo para enrolar as massas", ela pode desconfiar dos capitalistas e empresários, ela pode viver gostosamente a volúpia do poder que conquistou, ela pode ignorar a queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria, ela pode amar o Lula, seu símbolo do operário mágico que encarnou na prática a vazia utopia do populismo "revolucionário". Ela pode tudo, mas tem de assumir sua personalidade.
Meu Deus, como eu entendo a cabeça da Dilma, mesmo sem conhecê-la pessoalmente...
Conheci muitas "dilmas" na minha juventude, quando participei da fé revolucionária de nossa geração. Para as "dilmas" e "dirceus" do passado, a democracia é uma instituição "burguesa" (Lenin: "É verdade que a liberdade é preciosa; tão preciosa que precisa ser racionada cuidadosamente"). Ela se considera membro de uma minoria que está "por dentro" da verdade, da chamada "linha justa", ela se julga superior — como outros e outras que conheci — inclusive eu mesmo... (oh, delícia de ser melhor que todos... oh... que dor eu senti ao perder essa certeza..."). Nós éramos os fiéis de uma "fé científica", uma espécie de religião da razão praxista, que salvaria o mundo pelo puro desejo político — éramos o "sal da terra", os "sujeitos da História".
Mas só uma dor me devora o coração: Dilma está sendo "clonada". Esta frente unida do autodeslumbramento de Lula com a massa sindicalistapelega quer transformá-la em uma "dilma" que não existe. Uma nova pessoa, um clone dela mesma. Isso é muito louco. É natural que o candidato beije criancinhas, coma bode e puxe o saco de evangélicos... tudo bem.
Mas o tratamento a que submetem a pobre da Dilma me lembra uma famosa cena de Brecht, em "Arturo Ui", em que um velho ator shakespeariano bêbado e decadente é convocado para ensinar a "Hitler" (Arturo Ui) como se comportar diante das massas, recitando o discurso de Marco Antonio em "Júlio César".
É genial a cena em que aos poucos o "hitler" vai virando um boneco de engonço, com gestos e falas de robô quebrado.
A finalidade da faxina que marqueteiros e ptpsicólogos fazem na moça é esta: criar alguém que não existe e que nos engane, alguém que pareça o que não é. Afinal, que querem esconder? Querem uma reedição "dilminha paz e amor"? Ou querem Lula e ela em um filme tipo "Se eu fosse você 3", como piou o Agamenon? Um cacófato: quem será o Duda dela? Será que foi por isso o ato falho de falar em "lobo em pele de cordeiro"? Será "lobo" ou "loba"? Além do piche no Serra, não será também uma involuntária alusão a Lula ou a ela mesma? Dilma é uma loba em pele de cordeiro? Isso é grave. O PT não se envergonha de criar uma pessoa artificialmente fabricada em quem devemos votar? Será que seguem ainda a máxima de Lenin "Uma mentira contada mil vezes vira uma verdade"? Querem que ela seja uma sorridente "democrata", uma porta colorida para a invasão da manada de bolchevistas que planejam mudar o país para trás, na contramão da tendência da economia global. Eu os conheço bem... A crescente complexidade da situação mundial na economia e na política os faz desejar um simplismo voluntarista que rima bem com o fundamentalismo islâmico ou com a boçalidade totalitária dos fascistas: "complexidade é frescura, o negócio é radicalizar e unificar, controlar, furar a barreira do complexo com o milagre simplista". (Stalin: "A Humanidade está dividida em ricos e pobres, proprietários e explorados. Subestimar esta divisão significa abstrair-se dos fatos fundamentais". Ou Lênin: "Qualquer cozinheiro devia ser capaz de governar um país") O espantoso nisso é que o país melhorou graças ao Plano Real e a uma série de medidas de modernização que abriram caminho para a economia mundial favorecer-nos como um dos países emergentes, e esse raro e feliz fenômeno econômico (James Carville, assessor do Clinton, contra Bush: "É a economia, estúpido!") é tratado como se fosse uma política do governo atual, que só fez aumentar despesas públicas e inventar delírios desenvolvimentistas virtuais. (Stalin: "A gratidão é uma doença de cachorros...") O povão do Bolsa Família não pode entender isso. Muitos intelectuais entendem, mas não têm a coragem de explicitar as diferenças — o lobby da velha "boa consciência de esquerda" intimida-os. Nesta eleição, não se trata apenas de substituir um nome por outro.
Não. O grave é que tramam uma mudança radical na estrutura do governo, uma mutação dentro do Estado democrático. Vamos viver um pleito pretensamente "revolucionário", a tentativa de um Gramsci vulgar (filósofo que dizia que os comunistas devem se infiltrar na democracia para mudá-la). Querem fazer um capitalismo de Estado, melhor dizendo, um "patrimonialismo de Estado". Para isso, topam tudo: calúnias, números mentirosos, alianças com a direita mais maléfica. (Stalin: "Não deixamos os inimigos ter armas de fogo; por que deixar que tenham ideias?") Não esqueçamos que o PT combateu o Plano Real até no STF, como fez com a Lei de Responsabilidade Fiscal, assim como não assinou a Constituição de 88. Este é o PT que quer ficar na era pós-Lula. Seu lema parece ser: "Em vez de burgueses reacionários mamando na viúva, nós, do povo, nela mamaremos".
Depois desse "bonapartismo cordial" que o Lula representou até com galhardia, se apropriando da "herança bendita" de FH, pode haver o início de uma nova fase: o "chavismo cordial".
É isso aí, bichos...
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2010
(1998)
-
▼
maio
(213)
- O plantão do Inspetor Brasílio JOÃO UBALDO RIBEIRO
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ Historia de cinismos y persec...
- SUELY CALDAS -Um projeto para a Previdência
- DORA KRAMER Aos trancos e barrancos
- MERVAL PEREIRA Os caminhos do poder
- MÍRIAM LEITÃO Barrados na porta
- GAUDÊNCIO TORQUATO Reforma do Estado? Viva!
- A Santa Sé também erra José Márcio Camargo
- Decisão é na urna Míriam Leitão
- NELSON MOTTA Mundo animal
- Barbas de molho Dora Kramer
- MERVAL PEREIRA Vitória do Pragmatismo
- A tubulação Miriam Leitão
- Baixa a bola, Dunga! BARBARA GANCIA
- A burla continua Dora Kramer
- Mal-entendido ou má intenção? Merval Pereira
- A volta do Capitão Palocci Rogério L. F. Werneck
- DILMA, O OVO E A GALINHA Vinicius Torres Freire
- A joia da coroa Dora Kramer
- Azar do futuro Miriam Leitão
- Azar do futuro Miriam Leitão
- Serra e o mingau quente de Lula Vinicius Torres Fr...
- Distorções Merval Pereira
- Nosso homem em Teerã Demétrio Magnoli
- Feio quanto parece Thomas L. Friedman
- O insustentável Miriam Leitão
- JOSÉ NÊUMANNE O espectro do Estado policial paira ...
- O fator Minas Merval Pereira
- Veracidade ideológica Dora Kramer -
- Uma pauta para a década Rolf Kuntz
- Energia e as eleições Adriano Pires
- Lavoura anárquica Dora Kramer
- Polarização Merval Pereira
- MÍRIAM LEITÃO Tudo falhou
- Será o fim da 'dolce vita'? JOSÉ PASTORE
- O dia da liberdade RODRIGO CONSTANTINO
- Erro de cálculo Rubens Barbosa
- A esquerda não quer a reforma agrária Autor(es): K...
- Principio y fin de la fiesta kirchnerista Por Joaq...
- DANUZA LEÃO De cultura etc.
- OS TRÊS FARÓIS DO VOTO Gaudêncio Torquato
- Aécio por linhas tortas DORA KRAMER
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Use corretamente o papel higiê...
- Os ventos do mundo Merval Pereira
- Crise sem dono Miriam Leitão
- O rei de Pasárgada Flávio Tavares
- Suely Caldas - A Previdência e os candidatos
- Miriam Leitão Um novo mercado
- MERVAL PEREIRA Divórcio
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Nas asas de Lula
- DORA KRAMER Mal traçadas
- MAURO CHAVES COMO SE PROTEGER DA MÍDIA
- MÍRIAM LEITÃO Do euro ao ouro
- DORA KRAMER Ordem do presidente
- MERVAL PEREIRA Sujou a ficha
- NELSON MOTTA Lula Futebol Clube
- Somos mesmo Terceiro Mundo! JOÃO MELLÃO NETO
- Quem polui paga a conta Adriano Pires
- Equipe' econômica em jogo de embaixadas Roberto Ma...
- Pensaram que a crise já era? CARLOS ALBERTO SARDEN...
- Planejar é preciso, mas com realidade Autor(es): A...
- Com a crise, corrida ao dólar Alberto Tamer
- Fichas ocultas Dora Kramer
- MERVAL PEREIRA Visão nuclear
- MÍRIAM LEITÃO Escape externo
- Demóstenes Torres - Pra lá de Teerã
- A pena vale a pena (O Estado de S. Paulo - Dora Kr...
- Europa, colírio e óculos escuros (Folha de S. Paul...
- Limites na campanha (O Globo - Merval Pereira)
- Olhar veterano (O Globo -Miriam Leitão)
- O escorpião e a CPMF (O Estado de S. Paulo Rolf Ku...
- O Brasil merece muito mais (Folha de S. Paulo PAUL...
- Os dilemas do crescimento (O Estado de S. Paulo JO...
- Iran, the Deal and the Council
- FERNANDO DE BARROS E SILVA O que é isso, companheira?
- A matriz energética brasileira José Goldemberg
- As lições da crise do euro:: Luiz Carlos Mendonça ...
- Perigo à vista: a situação fiscal continua a piorar
- CARLOS ALBERTO DI FRANCO Cobertura eleitoral
- MIRIAM LEITÃO - Dueto londrino
- Duas opressões e uma lápide:: Vinicius Torres Freire
- DANUZA LEÃO Mãe: ser ou não ser
- YOSHIAKI NAKANO Uma Nova Lei Fiscal
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Se o Brasil precisar
- MERVAL PEREIRA Olhos nos olhos
- WILSON FIGUEIREDO Do enxoval à mortalha
- TOSTÃO Metáfora da vida
- SERGIO FAUSTO Nada trivial
- GAUDÊNCIO TORQUATO Um filme em preto e branco Gaud...
- DORA KRAMER Cuidado ao pisar
- Suely Caldas - Um corte sem efeito
- Demasiado pronto, entre la ruina y la gloria Por J...
- Postura brasileira ignora "repressão bruta" no Irã...
- 'Dilma mentiu: eu sou o autor do Luz para Todos
- Igreja desembarca do PT-Ruy Fabiano
- É velha a estratégia de pegar carona em imagem de ...
- Círculo do medo Miriam Leitão
- FERNANDO RODRIGUES A dose do remédio
- VILAS-BÔAS CORRÊA A biruta patusca do presidente Lula
- Gabriel Tarde César Maia
-
▼
maio
(213)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA