Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 05, 2010

MIRIAM LEITÃO - Lei ameaçada

O Globo

O Tesouro vende títulos a juros altos e a prazo curto. Depois, transfere dinheiro para o BNDES. É capitalização, mas o Tesouro chama de "empréstimo".

O banco empresta a prazo longo e juro baixo. Apesar de o Tesouro ter se endividado, essa operação não entra na conta da dívida líquida, porque, afinal, teoricamente ele apenas emprestou para o BNDES.

O governo não inclui nas contas do superávit primário os gastos com o seu maior programa, o PAC. As metas vão mudando ao longo do ano. Sendo revistas para baixo. O Tesouro faz demandas genéricas aos estados, que não podem ser cumpridas exatamente porque são genéricas. Do tipo: informar todos os gastos em tempo real. Antes havia um prazo específico — e realizável — para informar.

É assim, com gambiarras, exceções, exigências descabidas e metas mutantes que o governo Lula está ameaçando a Lei de Responsabilidade Fiscal.

É assim também que se constroem números mais bonitos que a realidade.

Nenhum esforço foi feito para regulamentar o que ainda precisa ser regulamentado na lei como por exemplo o teto da dívida mobiliária, o quanto o Tesouro pode lançar de papéis no mercado. Mesmo se houvesse, por esse truque descrito acima, de transformar capitalização em empréstimo para o BNDES e várias outras estatais e bancos públicos, fica registrado na contabilidade pública que essas empresas e bancos vão pagar.

Por isso, se chama "empréstimo".

Mas, como na verdade é capitalização, não sai como despesa.

O ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, comparou esse mecanismo de financiamento à conta movimento. Esse mecanismo, enterrado no Brasil em 1986, permitia que o Banco do Brasil gastasse à vontade, que o Banco Central supria com recursos de emissão de dívida pública.

— Falo da recriação da conta movimento porque o governo pôs em ação um mecanismo de expansão do crédito do setor público financiado por expansão da dívida mobiliária. As sucessivas capitalizações do BNDES são feitas com entrega de títulos do Tesouro Nacional, que são vendidos pelo Banco no mercado, quando necessita de recursos.

Quando isso ocorre, o BC acaba por monetizá-los via operações de mercado aberto.

A semelhança com a conta movimento é que há uma expansão do crédito do setor público (ao setor privado e às empresas públicas) com emissão de moeda pelo BC. Contabilmente, tal operação não afeta a dívida líquida do setor público, mas afeta a dívida bruta, que é a variável relevante a ser acompanhada daqui em diante — diz Loyola.

O secretário da Fazenda do Rio, Joaquim Levy, acha que a Lei que está fazendo 10 anos é um enorme sucesso, construiu o senso de responsabilidade no país, fez o orçamento ser menos ficção e virou uma ferramenta de gestão.

— Hoje, existe um kit para prefeitos que tem um programinha no qual eles podem incluir tudo o que pretendem fazer e ver se isso vai ou não ser possível pela Lei. Se fere ou não o artigo 42 que proíbe despesa sem cobertura.

Só isso já ajuda cada órgão, cada prefeitura a se organizar em limites, metas, projetos e prioridades.

O segredo do sucesso foi a simplicidade e o realismo.

Mas o que eu temo é que mudanças e reinterpretações estejam tirando os dentes da lei — afirma Levy.

O economista José Roberto Afonso acha que o Brasil tem motivo de ter orgulho, porque foi o primeiro país emergente a ter uma Lei de Responsabilidade Fiscal, e que até hoje a nossa é mais abrangente do que as que vieram depois porque inclui estados e municípios.

Mas alerta que o trabalho ficou incompleto.

— Há etapas de regulamentação que estão no Congresso desde outubro de 2000. Minha outra preocupação é que a dívida mobiliária teve um forte encurtamento e os juros estão em alta — diz.

A meta de superávit primário está cada vez mais parcial e menos concreta.

E mesmo com todos os descontos o superávit despencou.

O PT era contra a lei e tentou derrubá-la em 2000, mas o governo Lula respeitou a lei no começo.

Agora, está lentamente minando as bases da lei.

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