NOVA YORK. Está certo que, pela teoria política, eleições municipais nada têm a ver com eleições nacionais, e que, nesta crise econômica que domina o mundo, fica muito difícil fazer previsões políticas para daqui a dois anos. Mas é querer tapar o sol com uma peneira não identificar alguns fatos que, registrados agora, terão conseqüências na sucessão de Lula em 2010, sobretudo o formidável fortalecimento do PMDB. O partido de Quércia ganha em São Paulo com a vice de Kassab; deve vencer em Salvador, reafirmando a liderança do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, e em Porto Alegre, com a reeleição do prefeito José Fogaça; e disputa com chances de vencer no Rio do governador Sérgio Cabral e em Belo Horizonte, com o apoio do ministro das Comunicações, Hélio Costa.
Se vencer em todas essas capitais, acrescentará à sua penca de prefeituras cinco das principais capitais do país. Mas não é o mesmo PMDB que terá essa glória, e nem essas vitórias deverão ser debitadas na conta da base aliada do governo.
Cada vitória e cada derrota do PMDB nessas capitais levará a uma conseqüência, que dificilmente será no sentido de tornar mais fácil a convivência dentro da chamada base aliada governista.
Com exceção do Rio, em todas as demais capitais o PMDB disputa diretamente contra o PT e, pelo menos no Rio Grande do Sul e em São Paulo, é o PMDB oposicionista a nível federal que está no jogo.
Em Belo Horizonte, há a particularidade de que, dentro da luta específica entre o candidato do PSB e o do PMDB, há uma luta nada surda entre duas facções petistas, a liderada pelo prefeito Fernando Pimentel e a da direção nacional do partido, com o presidente Lula no meio, tentando equilibrar-se entre as duas correntes.
Vencendo lá, o PMDB mineiro estará derrotando um dos governadores mais simbólicos do PSDB e jogando seu futuro nos braços do PT, que estará irremediavelmente dividido com a derrota de Pimentel.
E nada indica que essa derrota de agora, se se concretizar, reduzirá a força política de Aécio Neves no estado. Mas é certo que inviabilizará a adesão do governador ao PMDB, hipótese que já era remota. Ao contrário: vencendo na Bahia, o PMDB estará derrotando o governador petista Jacques Wagner e retomando antigos laços com o PSDB, mesmo que esse movimento não seja imediato.
O novo homem forte da política baiana, Geddel Vieira Lima, já foi tucano de carteirinha e hoje, embora garanta que as seqüelas da campanha não mudarão sua atitude política, tem muito mais compromissos com o presidente Lula do que com o PT.
A vitória de Fernando Gabeira no Rio é a única que representaria a derrota das máquinas partidárias de maneira geral, “municipal, estadual, federal e universal”, como ele ironicamente definiu. Mesmo tendo aderido, o prefeito Cesar Maia não ganhou o direito de apresentar como sua uma eventual vitória de Gabeira.
Poderá, quanto muito, se satisfazer com a derrota de seu ex-protegido, hoje inimigo figadal, Eduardo Paes.
Em caso de vitória de Paes, ela só de maneira indireta pode ser atribuída ao presidente Lula, apesar do apoio explícito do governador Sérgio Cabral.
A vitória será do esquema político do próprio governador, que, assim, poderia recuperar o prestígio perdido em derrotas importantes em municípios do Rio de Janeiro.
Como se vê, são muitos os PMDBs em jogo, o que torna previsível a dificuldade para uma adesão a uma chapa em que Lula, o único cimento capaz de unir cerca de 15 partidos tão desiguais quanto os que formam sua teórica base de apoio no Congresso, não estará presente pela primeira vez desde 1989.
Além do mais, a sucessão da presidência da Câmara e do Senado já mostra que, mais uma vez, poderá fazer vítimas na aliança governamental. A sucessão da Câmara que opôs o então PFL ao PSDB foi o início do fim da aliança política que em 2002 deveria ter apoiado José Serra à sucessão de Fernando Henrique, e acabou com as principais lideranças do PFL nos braços de Lula.
O deputado Inocêncio de Oliveira, que era o candidato do PFL para assumir a Câmara num rodízio, perdeu a eleição para o tucano Aécio Neves, desestabilizando a aliança. Agora, por acordo, o PMDB, que tem o direito de presidir as duas Casas por ter a maior bancada, está exigindo o rodízio na Câmara, que o PT dirige por concessão do PMDB.
Mas, para que o rodízio entre os dois principais partidos de apoio ao governo permaneça valendo, havia a presunção de que o PMDB deixaria o PT assumir a presidência do Senado.
O veto de Renan Calheiros ao candidato natural do PT, o senador Tião Viana, está apenas dando início ao processo de disputa intensa que, ao que tudo indica, o PMDB revigorado nas urnas municipais vai desencadear contra o PT. Pelo menos aquela parte do PMDB que o senador Calheiros ainda representa.
O objetivo final seria ficar com o comando das duas Casas, e aumentar seu cacife no ministério de Lula, pelo menos no próximo ano, o último antes da definição oficial das candidaturas.
O presidente continua empenhado em manter sua base unida a favor da candidatura única, que seria da chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, mas a esta altura essa escolha, que já não contava com o apoio da máquina petista, está colocada em xeque diante da dificuldade de Lula em transferir votos, demonstrada nestas eleições municipais.
É previsível que o presidente Lula, mesmo que mantenha a popularidade alta durante a crise, tenha dificuldade para convencer seus próprios pares de que Dilma é melhor opção do que outro petista qualquer mais ao gosto do establishment do partido.
Sem-voto por sem-voto, por que não um Tarso Genro, ou um Fernando Haddad, ou mesmo um Jaques Wagner, todos petistas de raiz?
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