Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 25, 2008

VEJAEntrevista Fernanda Young "É ótimo falar besteira"

"É ótimo falar besteira"

Além de irritada e irritante, a escritora, roteirista
e entrevistadora tem fama de maluquinha e acha
isso muito bom, porque ganha em liberdade
de dizer o que lhe dá na cabeça


Juliana Linhares

Lailson Santos

"Eu e meu marido não somos felizes como o Rui e a Vani de Os Normais. Eles são leves, nós somos mais intensos. Vani é caótica, anárquica, totalmente amoral"

Quem nunca sonhou em falar todas aquelas coisas que aparecem em Irritando Fernanda Young? O programa é sem censuras, sem pudores, sem limites – em suma, irresistível. Nele, Fernanda Maria Young de Carvalho Machado encontrou um presente dos deuses para quem busca o centro das atenções: o personagem perfeito. Aos 38 anos, duas filhas, dez livros, cinco roteiros de sucesso na TV (incluindo Os Normais), duas peças de teatro, mais de vinte tatuagens e um único marido, Alexandre Machado, ela preenche de sobra todos os requisitos para ser chamada de sucesso. Como ainda por cima é bonita, seria demais pedir também normalidade. Fernanda sofre com o desejo voraz de ser amada, acha que tem idade emocional de 6 anos, vive entrando e saindo de terapias. Agora parou, porque quer adquirir "voz própria". Pelo que se vê nesta entrevista, com níveis variados de irritação, não precisa procurar muito.

Seus livros, peças e roteiros de programa têm sempre um tom autobiográfico. Por que acha que as pessoas estão tão interessadas nas suas histórias?
Meus primeiros livros foram escritos em terceira pessoa. Eram livros bem construídos, mas distantes da minha realidade. Eu vivia sempre em um mundo que não era o meu. Aquilo para mim era o auge do bem escrito. Meu marido me fez ver que não fazia o menor sentido eu escrever sobre coisas que não me diziam respeito. Que escrever sobre culturas que você não conhece pode fazer com que o texto pareça uma redação escolar. É desse jeito que as mulheres fazem, é como elas escrevem. Daí, comecei a falar sobre as minhas próprias histórias. Elas não são mais legais que as dos outros. O que as faz interessantes é que eu sei contar bem uma história. E sei usar o humor.

"Não agüento o convívio com pessoas que acreditam em coisas prontas. Eu não suporto gente que entende de vinho. O sujeito fica entendendo de vinho, cheirando rolha... Não tenho paciência"

Escrever é um jeito de ser amada?
É. Mas de forma torta. Porque nos meus livros eu não estou pedindo desculpas, nem tentando ser doce. O jeito de buscar ser amada pelos livros é tentando mostrar que eu posso fazer uma coisa tão boa, mas tão boa, a ponto de provar para o outro que vale a pena o trabalho que eu dou.

Não sente medo de, nesse impulso de ser amada, terminar amaciando?
Não. Meu lado bad girl é muito menor do que o que as pessoas atribuem a mim. Eu não uso drogas, não saio namorando todo mundo por aí. É uma pena.

O ato de se expor, de falar de si publicamente, não abre um espaço grande demais para críticas?
A melhor coisa que eu fiz na vida foi ganhar essa fama de maluca. Porque, agora, dane-se. Eu posso fazer o que quiser, até sexo grupal, porque já estou queimada mesmo. Eu só não admito que me chamem de desonesta e que mexam com a minha maternidade.

Por quê?
Eu não me acho bonita. Sofri muito com uma forte dislexia durante a vida toda. Tenho problemas com pai e mãe. Sempre achei que não merecia ter filhos. Depois de muito tempo, a maternidade foi o lugar onde eu consegui me tornar segura. Tenho duas filhas felizes, gentis e honestas. Quando vejo que formei essas duas meninas,tenho a comprovação de que sou uma boa mãe e que mereço todo o respeito.

Suas filhas a acham maluca?
Elas me acham meio estranha, mas não se assustam e são muito cuidadosas com minhas ausências e minhas melancolias. Eu não atuo como mãe. Até atuei, durante os dois primeiros anos delas. Ia à praciiiiinha, não bebia, fiquei feia. Era como se, enfim, aquilo me igualasse a todos. Como se, daquele jeito, eu pudesse ser aceita e todo mundo fosse finalmente me amar. Que é o meu desejo mais profundo.

Que efeito tiveram a separação e o distanciamento do pai na formação da sua personalidade?
Eu já pensei muito que a culpa da separação deles e do rompimento com meu pai era minha. Sempre carreguei essa coisa egocêntrica da culpa, de achar que todas as coisas ruins que acontecem são responsabilidade minha. Hoje em dia, reconheço que são caminhos que não criaram vínculos. Acho que o principal efeito dessa não-relação com o meu pai é que eu não respeito homem.

Por que não?
Eu acho homem muito fraquinho. Os homens vacilam. Eu não confio neles.

"Eu gosto de comprar tudo e qualquer coisa. Não importa se vou usar. Não consigo usar sapato alto porque calço 32 e não tenho eixo no corpo. Mesmo assim, tenho mais de quarenta pares"

Nem no seu marido?
Ele eu respeito. É tão inteligente que suplanta o fato de ser homem.

Os seriados Os Normais e A Comédia da Vida Privada tinham muitas cenas inspiradas na sua vida conjugal?
Eu e o meu marido não somos tão felizes quanto o Rui e a Vani de Os Normais. Eles são leves. Nós somos mais intensos. A Vani é caótica, anárquica, totalmente amoral. E o Rui é incrível porque cede ao encantamento por ela. Homens interessantes são aqueles que cedem ao mundo caótico das mulheres

Seu marido cedeu ao seu?
Claro. Uma das coisas de que ele mais gosta é ir às lojas comigo e me ver escolhendo os vestidos que vou comprar. Ele acha lindo. A coisa mais maravilhosa que existe é ver uma mulher decidindo se leva o amarelo ou o verde. É uma coisa tão ruidosa, é mitológico o ato de uma mulher num shopping comprando coisas, decidindo se é esse ou se é aquele. É lindo isso. É sensacional. Eu tenho um amigo que é assim também, e não é gay, inclusive. Ele se permite ter a delicadeza da dúvida de que calça comprar.

A senhora já namorou mulher?
Ah, eu vivi a década de 80, né? Eu adoro mulher, não no sentido sexual, mas gosto da beleza feminina. Fico louca quando vou a uma festa e não tem mulher bonita para eu olhar. Gosto de abrir revista e ver cabelo, vestido, maquiagem. Tem alguma graça ver homem bonito em revista? Barriga de tanquinho? Nem pensar. Mas para namorar eu gosto é de homem.

A senhora parece adorar chocar os outros. Qual é o prazer que encontra nisso?
Eu não adoro. Sofro muito com isso. Não faço de propósito. Apenas odeio a caretice. Não a caretice de drogas, mas aquela caretice do coro, das pessoas que acham que detêm a verdade. Eu odeio essas pessoas todas sentadas nos seus sofás da Tok&Stok, refesteladas nas suas certezas. Eu gosto de provocar o ruído. Tem um comportamento de coletivo que é enjoativo, um nhenhenhém. As pessoas são chatas, têm uns papos que vão me enjoando.

A senhora detesta as pessoas?
Não, eu amo a humanidade. Eu vivo em função dela. Sou incapaz de olhar para a natureza, tamanho o meu prazer pela humanidade. Eu vou para um lugar onde tem horizonte e fico perguntando: "Cadê as pessoas, cadê as pessoas, meu Deus?". Eu as amo profundamente.

A senhora se ama?
Não, eu não me amo. Quer dizer, aprendi a me amar. Principalmente depois que tive filho. Só o que estou querendo dizer é que não agüento o convívio com pessoas que acreditam em coisas prontas. Eu não suporto gente que entende de vinho. O sujeito fica entendendo de vinho, cheirando rolha... Eu não tenho paciência. Mas me interessa como escritora porque posso criar ótimos personagens cheiradores de rolha. Vai fazer outra coisa, vai falar besteira. É ótimo falar besteira. Quantas pessoas hoje em dia não se permitiram a hipótese de ser escritoras porque leram meus livros e consideram que alguém que fala besteiras pode também escrever bem?

Dizem que os roteiros de TV que a senhora assina com seu marido são, na verdade, escritos por ele. Por quê?
Eu já ouvi muito essa conversa. Não tenho a menor idéia de onde tiraram isso. Você vai perguntar a John Lennon e Paul McCartney qual a parte que lhes cabe numa composição? Não vai. Isso é totalmente sem cabimento.
As pessoas falam muitas coisas horríveis de mim. Uma vez, um jornal de São Paulo publicou uma crítica sobre mim cujo título era: "Fernanda Stupid". Eu fiquei mal, deprimida. Tive de tomar remédio. Foi um coquetel de cinco medicamentos para me recuperar daquela violência.

Tem muita gente que não gosta da senhora?
Eu já me incomodei muito por ser tão odiada. Mas agora entendi que as pessoas que se incomodam comigo estão odiando algo de si mesmas que vêem em mim. Fico me perguntando o que em mim causa tanto mal-estar nos outros.

O que seria?
Talvez uma liberdade que eu tenho e que elas não usufruem e gostariam de ter. Mas essa liberdade tem um preço altíssimo para mim. Eu tenho muito medo, por exemplo. As pessoas acham que quem é corajoso, como eu, não tem medo. Só não tem medo quem é louco ou quem está muito bem medicado. Nenhum dos dois é o meu caso. Eu tenho medo do que eu falo, por exemplo. Tenho medo desta entrevista. Tenho medo de ser mal interpretada e mal editada.

Sente medo de que as pessoas não a achem interessante?
Talvez. As pessoas acham que sou altamente segura. Nunca fui altamente segura. Minha auto-estima se revela no seu melhor no que se refere à vida profissional. Minha insegurança vem do fato de eu não ter sido muito elogiada durante a infância e a adolescência. Sem isso, você não se preenche, por mais que se torne Marilyn Monroe e receba na vida adulta tantos elogios que não serviram para nada.

Para se manter em forma, faz muito exercício?
Eu adoro ginástica. Correr é meu antidepressivo. Só vacilo na cerveja. Bebo muita cerveja. Em vez de fazer a linha fina e tomar vinho, não, vou lá e tomo cerveja. O pior é que tenho uma resistência incrível ao álcool por causa da minha ascendência irlandesa. Vou que vou.

Qual é seu maior excesso consumista?
Eu adoro matéria. Gosto de comprar tudo e qualquer coisa. Não importa se eu vou usar. Não consigo usar sapato alto porque calço 32 e não tenho eixo no corpo. Mas mesmo assim tenho mais de quarenta pares de sapatos de salto alto. Eu amo as coisas.

E não se culpa pela auto-indulgência?
Eu sou auto-indulgente, sim. Trabalho muito e, depois de uma jornada, tudo o que eu quero de fato é fazer algo que remeta ao erro de forma cristã. Geralmente, é comer pizza, que engorda, tomar cerveja, que faz mal, e comprar uma coisinha. Comprar coisas sem parar não é tentar preencher uma carência que nunca será superada desse jeito? Eu sou muito carente. O ter me dá a sensação de preenchimento que, no fundo, eu sei que não vai acontecer. Penso muito nisso. Mas carência é assim.

Quais as maiores loucuras que já fez?
Uma foi comprar um tailleur Chanel, em Paris, daquela coleção que tinha sido do desfile. Uma fortuna. Além disso, ele era rosa-bebê e ainda tinha um corselete. Foi uma estupidez. Eu tinha 27 anos, entrei na loja da Chanel, cheia de tatuagem, sem depilação, sem falar francês, parecia uma louca. Outra maluquice foi sair para almoçar com umas pessoas e, no meio da refeição, comprar um Karmann-Ghia de uma delas. Assim, na bucha. Depois de dez anos, troquei-o por três obras do Hildebrando de Castro.

Cabelo também é forma de expressão?
Eu raspei a cabeça durante onze anos. Era uma mutilação. Raspava de madrugada, no banheiro, muitas vezes chorando. Eu queria eliminar a beleza. Agora estou mais feminina. Estou usando cabelo comprido como o da minha mãe. Mas vivo mudando, porque me dá um tédio de mim e também uma vontade de estragar tudo. Nesses dias eu fiz escova e cortei franja. Um monte de gente mandou e-mail para o programa elogiando o corte. Pois fui lá e mudei a cor, clareei. Eu vivo experimentando, provocando, brincando de roleta-russa.

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