Talvez o presidente não tenha notado, mas a MP 443 é uma lamentável caricatura das medidas aplicadas nos Estados Unidos e na Europa. A estatização de bancos, naqueles países, foi adotada para conter a quebradeira, não como programa de governo. A intervenção foi decidida como solução temporária. O remédio para as deficiências do mercado, segundo se anunciou, deverá consistir em regulamentação mais ampla, supervisão mais estrita e maior cooperação internacional entre autoridades do setor.
No Brasil, a concepção da política é outra. A MP 443 não autoriza apenas a capitalização de instituições financeiras e a compra, pelo governo, de créditos de baixa qualidade. A compra de carteiras já havia sido autorizada e não dependia, na quarta-feira, de nova legislação. Além disso, não havia notícia de banco em risco de quebra e carente de novo capital. Havia problemas de liquidez e de escassez de crédito para atividades importantes, mas para resolver esses problemas não seria necessário estatizar ou reestatizar atividades financeiras ou de outra natureza.
Já na quarta-feira, a presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho, falou com entusiasmo, numa entrevista à Agência Estado, sobre as oportunidades de bons negócios criadas pela MP 443. Como exemplos, mencionou as possibilidades de participação em construtoras e outros empreendimentos. Admitiu, no entanto, não haver problema de solvência em nenhuma construtora. No dia seguinte, dirigentes das principais associações do setor criticaram a MP e condenaram o evidente propósito de estatização da nova iniciativa oficial. As empresas da área da construção, disseram seus porta-vozes, precisam é de mais financiamento, e para isso os bancos oficiais não precisam estatizar o setor.
Na mesma quinta-feira, o presidente Lula mencionou planos de compra de uma financiadora pelo Banco do Brasil para ajuda ao setor automobilístico. Isso não é necessário para a concessão de mais financiamento às vendas de veículos. Mas o presidente, influenciado pelo grupo defensor de mais estatização, mais contratação de pessoal e mais intervenção direta na economia, parece não perceber certas distinções.
O interesse do governo federal pelo Banco Nossa Caixa, controlado pelo Tesouro de São Paulo, também não tem relação com a crise financeira. No entanto, a MP 443 dispensa de licitação a venda de instituições públicas ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Isso pode facilitar a absorção tanto da Nossa Caixa quanto do BRB (de Brasília) pelo Banco do Brasil. Como isso contribuirá para a estabilização dos mercados e a superação da crise? De nenhum modo, mas o lance do governo é mais ambicioso. Algumas pessoas parecem não haver entendido (será o caso do presidente Lula?) que a crise financeira no mundo rico está associada à falha de regulamentação e não à falta de estatização. No caso de alguns, a confusão é explicável por uma deficiência intelectual irreparável. Há exemplos em áreas importantes da administração federal - hoje muito mais numerosos do que no tempo do ministro Antonio Palocci. No caso de outros, a explicação está no oportunismo e na malandragem.
O mais preocupante é o comprometimento do presidente Lula com essa gente. Isto, sim, é risco Brasil - muito mais assustador que aquele apontado, até agora, pelos índices do mercado internacional.