A política e a economia vão juntar, nos próximos dois anos, uma crise econômica e uma eleição presidencial. Antes da eleição, ouvi o seguinte no Planalto: “Lula acha que só poderá dizer que foi bemsucedido se fizer o sucessor, para isso é fundamental ganhar a eleição de São Paulo.” Lula perdeu essa primeira etapa e terá o que não esperava: problemas econômicos nos dois anos finais do seu governo.
A eleição municipal não tem nada a ver com a eleição presidencial. O eleitor brasileiro sempre fez questão de separar as coisas, mas a aposta do partido do governo era que a alta popularidade de Lula seria uma garantia de vitória. No primeiro turno, em vários episódios, ficou claro que não era bem assim; o segundo turno foi a prova dos nove. Também as ilações da oposição sobre vitoriosos — ou candidatos — de véspera são apressadas. Há várias razões que movem o eleitor nas suas escolhas, mas duas coisas são certas: Lula não é o midas que pensou que fosse; nem seu atual argumento, de que ninguém criticou o governo, faz qualquer sentido. A eleição não era federal.
Daqui para diante há várias dúvidas na esquina entre a economia e a política. A crise vai afetar o consumo, a renda, o emprego e o investimento, mesmo no melhor cenário, que é o de o país não ter recessão, mas apenas uma desaceleração. Como o país está crescendo 5% este ano, há um carry over para o ano seguinte, de tal forma que dois pontos percentuais do crescimento de 3% — mediana das previsões de mercado para 2009, segundo o Banco Central — serão apenas efeito estatístico, e não um ganho real. Não será um crescimento mesmo, aquele que produz a sensação de conforto econômico e que eleva o otimismo e a popularidade presidencial.
O presidente Lula, mesmo num contexto mais adverso, terá duas armas nas mãos para continuar mantendo parte da sua popularidade: o Bolsa Família e o salário mínimo.
Pela fórmula, o salário mínimo é corrigido pela inflação mais a variação do PIB de dois anos antes. Em 2009 e 2010, haverá aumento real do mínimo de 5% ao ano. Isso manterá os mais pobres ganhando da inflação, mas, ao mesmo tempo, será uma forte pressão de gastos, principalmente sobre as deficitárias contas da Previdência.
Para que essas vantagens possam ser capitalizadas pelo governo, as dificuldades econômicas do momento atual não podem virar uma grande crise. Isso é do interesse geral, porque ninguém ganha com uma crise fora de controle.
Para evitar o pior, o BC tem tomado várias medidas preventivas acertadas, como a de ontem, em que alterou de novo a fórmula do recolhimento compulsório.
Agora, terão desconto no compulsório os bancos que anteciparem o pagamento das parcelas ao Fundo Garantidor dos Depósitos.
Esse fundo tem o objetivo de garantir as contas correntes e, quanto mais capitalizado estiver, melhor.
Instituído na época da crise bancária de 1995-1997, o fundo é dos bancos privados e administrado por eles. Tem R$ 16,7 bilhões e garante os depósitos de até R$ 60.000, o que cobre 99% das pessoas que têm contas em banco. Agora, o Fundo terá mais R$ 6 bilhões, mas usará o dinheiro para compra de carteira.
— A norma internacional é ter no fundo entre 1% a 3% do total a garantir. Temos 2%. O total dos depósitos a serem garantidos é de R$ 301 bilhões. Mas os bancos brasileiros são pouco alavancados — garante o presidente do FGC, Antônio Carlos Bueno.
Nem tudo o que o governo tem adotado atualmente faz sentido. Não é possível manter o mesmo ritmo de consumo de antes. Está completamente errado e é até perigoso tentar isso. O crédito vai diminuir fortemente e ficar mais caro; se o país consumir como antes, pode aprofundar o déficit em transações correntes. Com a desaceleração, o desemprego vai aumentar e, se a pessoa estiver endividada, aumentará a inadimplência. Há vários riscos.
O economista Armando Castellar, da Gávea Investimentos, acha que o país não viverá mais aquele ambiente de crescimento, com boom de crédito, alta de commodities, fluxo farto de capitais, por um bom tempo.
— O crédito vai desacelerar depois de ter crescido 33% no ano passado e 25% este ano. E o crédito que houver será absorvido pelas grandes empresas, com menos recursos para as menores.
A crise externa vai piorar mais, antes de melhorar.
Aquele ambiente altamente positivo não voltará a curto prazo. Acho que a recuperação virá mais para o fim de 2010, começo de 2011, na melhor das hipóteses.
O consumo agora tem de ser mais contido e consciente e o endividamento, mais cuidadoso — diz o economista.
O trabalho do governo tem que ser técnico. Tem que lutar contra o agravamento da crise com medidas cirúrgicas e muita perícia. Evitar a desaceleração da economia será impossível. Se tentar fazer isso, para manter o ritmo de crescimento que deu alta popularidade ao presidente Lula, o governo corre o risco de aprofundar a crise. O melhor a fazer para ter ganhos políticos é nem pensar em ganhos políticos agora; e se concentrar no melhor a fazer para ganhar a guerra econômica.
Entrevista:O Estado inteligente
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