Crise justifica certos subsídios, mas medidas do governo tornam ainda mais obscuro o destino do dinheiro público |
O GOVERNO aumentou o crédito para a agricultura. Os bancos do governo federal serão autorizados a comprar partes de empresas e bancos capengas. O governo vai obrigar um banco federal a oferecer crédito para a construção civil a taxas abaixo do mercado, segundo o ministro Guido Mantega. O governo pode até adiar o recolhimento de impostos, o que é um tipo de desconto nos tributos devidos.
Mais subsídios virão.
O governo "não vai socorrer empresas que especularam com o câmbio", dizia Mantega, aparentemente contradizendo o presidente do BNDES, Luciano Coutinho. Coutinho porém nega ter sido contraditado, pois não teria dito a tal coisa negada por Mantega -foi a "imprensa que leu errado". Mas Mantega e Coutinho dizem que o BNDES vai inventar alguma linha de crédito de curto prazo para as empresas. Como o público, e talvez nem o governo, não sabe "quem especulou com o câmbio", o governo enfim talvez venha a ajudar empresas que "especularam". Mais subsídios virão.
Muito bem (mal) que, aparentemente, o crédito para as empresas tenha secado e que algumas delas possam ter sido apanhadas de surpresa. É certo que o crédito ficou muito mais caro. As taxas "básicas" de juros no mercado aumentaram de modo demencial. O que incomoda bastante em toda essa fieira de medidas é que o público não tem e provavelmente não terá a menor idéia de quem de fato precisava de ajuda, por quais motivos, qual o tamanho do subsídio será dado e qual o interesse geral dessas medidas.
Não há nada de essencialmente maligno ou prejudicial em subsídios. Certas subvenções podem ter efeitos sociais e econômicos que compensam tanto seu custo como o privilégio inevitável a alguns setores. Mas o país já carrega nas costas uma larga quantidade de subsídios de dimensão desconhecida.
A cada medida provisória de política industrial ou similar inventam-se dezenas de isenções e subvenções que jamais são explicitadas -quem recebeu, quanto. O BNDES empresta dinheiro de fundos públicos a taxas subsidiadas. O Banco do Brasil também subsidia, embora com impacto menos direto nos cofres do público. Agora, a pretexto da crise ou até devido a ela, mais uma onda de subsídios virá. Como o destino desse dinheiro barateado não aparece no Orçamento, não vamos saber mais uma vez quem vai levar o quê.
Para piorar, empresários ou banqueiros irresponsáveis podem receber "socorro" de graça: os pacotes de ajuda ora anunciados não prevêem nenhum tipo de punição.
O Orçamento federal em si mesmo já é uma barafunda obscura. Um parte dos gastos da União é executada de maneira discricionária pelo Executivo; outra, enorme, é vinculada a certos gastos, aliás uma ineficiência. O Congresso se ocupa quase apenas de emendas paroquiais e de contrabandos tributários em medidas provisórias. Na sombra ficam as iniciativas dos bancos federais, cujos resultados indiretamente afetam as contas do governo, mas afetam.
Esta sombra tende a ficar maior, dada a batelada de "apoios" que o governo tem oferecido a empresas e a bancos. O controle público e democrático dos fundos públicos continua uma pilhéria no país.