Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 26, 2008

O governo gera a instabilidade Paulo Renato Souza

A crise econômica chegou ao Brasil muito antes do esperado. Se nossa economia estivesse realmente preparada para enfrentá-la, ela deveria aportar em nosso país somente a partir do ano que vem, pela via da diminuição da demanda por nossos produtos no mercado internacional, provocando a redução do crescimento no setor real da economia. Muitos acreditaram em nossas autoridades quando disseram que o tsunami lá fora provocaria apenas marolas em nosso país, pois o sistema financeiro não sofria dos males da insolvência que assolava o dos países desenvolvidos. A crise chegou, e forte, não por culpa da oposição, como afirmaram o presidente Lula e alguns membros da Nomenklatura petista. Se ela já chegou, apesar de não termos entre nós os subprimes habitacionais, é por culpa única e exclusiva do governo, de sua política econômica e de sua teimosia em não falar claramente ao País, admitindo o tamanho do problema e apontando uma estratégia global e coerente para enfrentá-lo.

Na verdade, a primeira manifestação da crise se deu por variações drásticas no câmbio, que atingiram de modo especial empresas que buscaram proteção e bancos que especularam por meio do chamado mercado de derivativos. É inescapável aqui a responsabilidade do governo e do Banco Central, ao manter por longo período um câmbio artificialmente baixo. Foi o próprio Banco Central, com sua política monetária, que induziu os exportadores a especular no câmbio futuro, para que compensassem no ganho financeiro o prejuízo causado pelo câmbio supervalorizado. O mesmo real forte que favoreceu a especulação e manteve os preços das matérias-primas e dos alimentos reduzidos contribuiu de maneira decisiva para manter baixa a inflação e alta a popularidade do presidente Lula.

Os efeitos mais perversos da crise, contudo, chegarão ao Brasil a partir do próximo ano, pela queda dos preços e dos volumes demandados das commodities, o que afetará as nossas exportações e, conseqüentemente, o crescimento do produto interno bruto (PIB) e do emprego. A crise significará também interrupção nos fluxos internacionais de recursos privados para investimentos. A previsível desaceleração da economia será mais dolorosa na vida real que nas estatísticas. Por um efeito conhecido como carry over, os índices de crescimento real do PIB ainda serão positivos em 2009, mesmo em caso de estagnação.

O enfrentamento da crise haverá de exigir um enorme esforço do governo federal para aumentar o investimento público, capaz de sustentar o crescimento da renda e do emprego dos brasileiros e socorrer o setor produtivo privado. Entretanto, nossas dificuldades são maiores porque a situação fiscal do governo federal é muito precária, o que adicionará problemas sérios às políticas necessárias à superação da crise. O governo vendeu o discurso do equilíbrio fiscal, mas produziu superávits de baixa qualidade, baseados no contínuo aumento da carga tributária. Entretanto, a maior parte do esforço fiscal adicional, traduzido no aumento do superávit primário no período, veio dos Estados, dos municípios e das empresas estatais, e não da União. No governo federal, ao contrário, grande parte do aumento da carga tributária foi comprometida com o aumento das despesas correntes - em especial as de pessoal -, que cresceram em termos nominais dez vezes mais do que os investimentos. Além disso, já foram aprovados reajustes do funcionalismo muito superiores à inflação para este ano e para os futuros, estendendo-se em alguns casos até 2011.

Lamentavelmente, o governo assumiu despesas correntes para 2009 e 2010 baseadas numa previsão de crescimento elevado de suas receitas que não ocorrerá. Seria preciso manter o crescimento das receitas reais da União em impossíveis 9% ao ano para absorver a expansão irresponsável dos gastos de custeio e pessoal da máquina federal e manter o superávit primário. Gastos correntes inflexíveis são um complicador adicional, e não uma solução, para a crise, pois apenas os investimentos têm o chamado efeito multiplicador sobre o emprego e a renda.

O País estará novamente diante do dilema entre manter a inflação sob controle ou lançar mão dela para anestesiar os efeitos da falta da receita necessária. Sabemos todos que este remédio invariavelmente se transforma em veneno, pois a inflação, quando se instala, corrói o poder aquisitivo da maioria da população e não se deixa abater por discursos ou decretos.

Todos esses dados são públicos e conhecidos de todos - e do mercado mais ainda. Dada a imprevidência governamental na época da bonança ao promover a expansão desenfreada do gasto público, onde estão os recursos para o enfrentamento da crise? Para acrescentar injúria à ofensa, o governo tem adotado uma atitude em face da crise que só aumenta a insegurança dos cidadãos e dos agentes econômicos. Desde as manifestações notoriamente jocosas do presidente até as declarações iniciais de vários ministros, constata-se que o governo não tinha até recentemente uma idéia clara da dimensão que a crise assumia lá fora e da possibilidade de ela atingir o Brasil no curto prazo, como de fato ocorreu.

A crise já chegou. A pior atitude é a do avestruz. Basta de desembrulhar aos poucos o pacote econômico que notoriamente o governo está, de forma atabalhoada, impondo à sociedade. Em nome da transparência, o País exige um posicionamento claro de nossas autoridades e uma estratégia global de enfrentamento da crise que dê segurança à sociedade e aos agentes econômicos. Nós, da oposição, não somos arautos do apocalipse. O governo, com suas dubiedades, é que o está produzindo.

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