Pois bem, na véspera do monumental desastre, o presidente Herbert Hoover disse à Nação: "Nós na América estamos perto do grande triunfo sobre a pobreza. Nunca na história um país chegou a esse ponto."
Mesmo depois, Hoover acreditava que os problemas seriam resolvidos em pouco tempo, confiando no papel "salvador" das grandes obras do governo central e dos Estados.
Mas o medo levava os empresários a cortar investimentos a cada dia. Em 21 de novembro, Hoover reuniu os industriais na Casa Branca para pedir a manutenção dos empregos e dos salários. Henry Ford prometeu até um aumento de salários. Os construtores asseguraram investir cerca de US$ 2 bilhões em novas obras. Do seu lado, o presidente conseguiu do Congresso um grande corte de impostos para estimular as empresas.
Em 18 de fevereiro de 1930, Hoover garantiu que o pior havia passado. No entanto, ao longo de todo o ano e em 1931 o barco foi à deriva. Mesmo assim, numa reunião de empresários (1932), o presidente afirmou: "A prosperidade está na esquina."
Foi a derradeira manifestação de otimismo, pois logo em seguida o republicano Hoover perdeu a eleição para o democrata Franklin Delano Roosevelt.
Vi muitas coincidências entre o 24 de outubro de 1929 e o de 2008. Nesse dia, as bolsas do mundo inteiro também desabaram. Os trilhões de dólares injetados nos bancos geraram mais desconfiança. Os sinais foram todos trocados a ponto de a Opep reduzir a oferta de petróleo e seu preço baixar.
Os americanos assustados, como em 1929, abriram espaço para os democratas fazerem barba e cabelo em 2008, elegendo Barack Obama para presidente e a maioria nas duas casas do Congresso. O mesmo desfecho político.
Mas, nos dias de hoje, o abatimento tomou conta de todos os países ricos. As expectativas dos consumidores e dos investidores passaram para o negativo. As empresas já revêem seus planos. O grande ícone da economia real - as montadoras de veículos - decidiram fechar fábricas e cortar a produção e o emprego.
A preocupação no Brasil é praticamente a mesma. O pêndulo do otimismo passou para a apreensão e, para muitos, para o pessimismo. Não é para menos. O Banco Central mostrou todos os seus dentes e o dólar subiu. Liberou compulsórios e o crédito minguou. O medo da inadimplência se espalhou como metástase.
Acertadamente, o governo aprovou medidas para ajudar os agricultores, construtores e fabricantes de automóveis. Com isso, conseguiu adiar o anúncio dos cortes de produção já programados para 2009 - anúncio que agravaria ainda mais o clima de incerteza.
É evidente que os recursos do governo não são suficientes para financiar a produção e o consumo. Mas foram de grande importância para, interinamente, evitar a erosão total da confiança e manter um nível razoável de emprego.
Sim, porque por trás de tudo está o emprego. Quem empresta quer ter a certeza de que os tomadores terão condições para devolver. Quem produz quer ter segurança de que vai vender. Para tanto, emprego e renda são cruciais.
Ganharam publicidade as teses dos que defendem aumentos de gastos públicos, como fez o Prêmio Nobel Paul Krugman. O importante, porém, é fazer o gasto certo. Esse não é o forte do governo atual. Sem contar os juros, o grosso dos gastos federais tem sido com salários e assistência social. Em 2007, foram despendidos cerca de R$ 110 bilhões com a folha salarial e R$ 337 bilhões com a assistência social, incluindo a Previdência.
Ou seja, nos tempos de normalidade, o Brasil praticou um assistencialismo galopante que bem se justifica nas horas de graves crises. Onde buscar agora o dinheiro para ajudar os mais vulneráveis se a crise se arrastar?
Essa é a conseqüência mais nefasta das políticas que, para garantir popularidade, comprometem a sustentabilidade.
As reformas - sempre consideradas urgentes - foram engavetadas. Hoje, no meio desse tsunami econômico, só nos resta dizer: nunca na história deste país desperdiçamos uma quadra tão gloriosa da economia na qual crescíamos na carona do mundo.
*José Pastore é professor de relações do trabalho da Universidade de São Paulo
Site: www.josepastore.com.br