Ao final de uma campanha marcada por ataques pessoais,
prefeitos eleitos precisam de planejamento de longo prazo
para enfrentar os problemas crônicos das metrópoles brasileiras
Otávio Cabral
Tiago Queiroz/AE |
SEM SOLUÇÃO Os gigantescos congestionamentos desafiam a paciência dos moradores e a competência dos administradores |
São Paulo Problema: trânsito Dimensão: o congestionamento médio da cidade atinge 138 km no horário de pico e a velocidade média dos carros não passa dos 15 km/h. O caos no trânsito afeta a segurança, causa mortes, polui o ar e resulta em prejuízos de 3 bilhões de reais ao ano Soluções: ampliar o metrô, aumentar o número de trens urbanos e melhorar o sistema de ônibus, o que consumiria 20 bilhões de reais. Outras medidas seriam o aumento da fiscalização, a melhoria das vias urbanas e a redução do tráfego de caminhões, que custariam mais 1,5 bilhão de reais |
Após quatro meses de uma campanha marcada por trocas de acusações e ataques pessoais, as eleições chegam ao fim neste domingo com a escolha dos prefeitos das trinta cidades onde haverá segundo turno. Os institutos de pesquisa mostram disputas ainda indefinidas no Rio de Janeiro, onde Eduardo Paes (PMDB) e Fernando Gabeira (PV) aparecem tecnicamente empatados, e em Belo Horizonte, com alternâncias na liderança entre Marcio Lacerda (PSB) e Leonardo Quintão (PMDB). Na maioria dos municípios, porém, os levantamentos indicam eleições praticamente decididas. Em São Paulo, Gilberto Kassab (DEM) deve se reeleger, derrotando a petista Marta Suplicy. Se não houver mudanças surpreendentes de última hora, também deve ocorrer reeleição em Salvador, com João Henrique (PMDB), em Porto Alegre, com José Fogaça (PMDB), e em Belém, com Duciomar Costa (PTB). Em Manaus, a disputa deve confirmar a volta do ex-governador Amazonino Mendes (PTB). Fechadas as urnas, o eleitor estará mais uma vez diante do velho paradoxo. No último round dos debates e nas cenas finais dos programas de televisão, os candidatos falaram pouco de suas propostas e se empenharam muito em ressaltar os defeitos do adversário. Os eleitores foram bombardeados com informações sobre o estado civil dos oponentes, sabem quem já usou ou não algum tipo de droga e até quem é mais amigo do presidente Lula, mas desconhecem o que o novo prefeito efetivamente fará pela cidade – aquilo que se chama plano de governo. E é isso que interessa.
"Essa eleição foi marcada pela canibalização recíproca dos candidatos, pela tentativa de desconstruir os rivais desnudando seu passado e expondo seus aliados indesejáveis", analisa o cientista político Gaudêncio Torquato, da Universidade de São Paulo. "Esse excesso de sangue na arena ofuscou os programas políticos, as propostas para os municípios. A maioria dos eleitores não sabe como sua cidade será administrada nos próximos quatro anos." VEJA ouviu especialistas em urbanismo em sete capitais onde haverá segundo turno para mostrar os principais desafios dos futuros prefeitos. Na maioria desses municípios, os problemas são comuns aos de qualquer metrópole brasileira, como congestionamento do trânsito, abuso da informalidade ou falta de habitação e saneamento. Existem questões específicas de alguns lugares, como os alagamentos nos igarapés que cortam Belém e a ausência de rede de coleta de esgoto em Manaus. São problemas que sobrevivem há anos e até se multiplicam independentemente da alternância de prefeitos. Isso, porém, não significa que sejam insolúveis. Segundo estudiosos do setor, a gênese da maioria dos problemas das grandes cidades é a falta de planejamento estratégico. Os políticos eleitos, com raríssimas exceções, priorizam projetos pontuais, que são visíveis e rendem votos, em detrimento de ações que vão apresentar resultados em vinte ou trinta anos.
Marcelo Carnaval/Ag. O Globo |
CAMELÔS A omissão das sucessivas administrações municipais transformou vários pontos da cidade em feiras permanentes |
Rio de Janeiro Problema: informalidade Dimensão: 43% dos trabalhadores da cidade estão na informalidade, enquanto a média brasileira é de 30%. Apenas o transporte informal representa mais de 30% dos deslocamentos no município Solução: implementar projetos de inclusão dos trabalhadores no mercado formal, aumentar a fiscalização e ampliar o transporte público coletivo, o que deve custar 3 bilhões de reais |
O cientista político Rubens Figueiredo usa o trânsito de São Paulo como exemplo. Desde a volta das eleições diretas à cidade, em 1985, sete políticos de diferentes partidos já ocuparam a prefeitura. Cada um tentou deixar sua marca no trânsito. Houve a instituição do rodízio, a criação do Fura-Fila, a construção de pontes e túneis e, mais recentemente, a restrição à circulação de caminhões e a criação de faixas exclusivas para motocicletas. O trânsito, porém, só faz piorar. "Em todo esse período, não houve um prefeito que pensasse o trânsito de maneira estruturada a longo prazo, que fizesse um planejamento estratégico para os próximos vinte anos", avalia Figueiredo. O ideal, segundo ele, seria que os prefeitos tivessem elaborado e executado propostas conjugadas com o estado e a União para melhorar o transporte público, ampliar as vias urbanas e restringir o tráfego de veículos. Se um planejamento tivesse sido seguido administração após administração, apenas com mudanças pontuais, São Paulo hoje poderia estar em uma situação bem melhor, muito diferente do caos atual. "Os políticos precisam de votos. É difícil que alguém que apenas prepare a cidade para um salto a longo prazo consiga ser bem avaliado, ser reeleito. Por isso, os prefeitos preferem projetos vistosos, amplos canteiros de obras, que são fonte segura de visibilidade e votos mas não resolvem os problemas centrais das cidades", conclui Figueiredo.
O Rio de Janeiro é um caso exemplar do resultado dessa combinação de falta de empenho com omissão de alguns prefeitos. A informalidade já faz parte do dia-a-dia dos cariocas. São milhares de camelôs espalhados pela cidade, inúmeras ocupações irregulares em morros e milhares de ligações clandestinas de água, energia e televisão a cabo. O serviço de transporte coletivo em áreas periféricas também é, em boa parte, controlado por grupos piratas. A informalidade atingiu tal proporção que fica difícil para os atuais prefeitos combatê-la sem correr o risco da impopularidade e da perda de votos. "A omissão e a burocracia são indutores da informalidade", analisa o urbanista André Urani, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. No que diz respeito aos transportes, por exemplo, existe um cartel de empresas que controla o setor e se recusa a prestar os serviços nas áreas mais pobres. O governo municipal sempre fez vista grossa ao caso, o que agrada aos empresários e também aos piratas. "Para enfrentar essa questão, é preciso coragem para contrariar os amigos do rei e os financiadores de campanha. É o que se espera de um bom prefeito", acrescenta o urbanista. Infelizmente, nos últimos anos não tem sido essa a disposição dos prefeitos. É a velha tática de culpar os antecessores pelos problemas para deixar tudo como está. Melhor, ainda pensam alguns administradores municipais, é trabalhar para ser lembrado como o responsável por esta ou aquela obra. Continuam apostando na ignorância dos eleitores.
Fernando Araujo/O Liberal |
DEBAIXO D’ÁGUA Morador é obrigado a improvisar para enfrentar alagamento que atinge área comercial da cidade |
Belém Problema: alagamento Dimensão: cerca de 20% da população da cidade vive em áreas próximas a igarapés que alagam no período das chuvas Solução: construção de galerias pluviais e remoção das palafitas nas áreas com maior risco de alagamento. Custo estimado em 3 bilhões de reais |
O Ibope realizou uma pesquisa nas principais capitais do país para identificar os problemas que mais atormentam o eleitor. Em todas elas, a saúde é apontada como a questão mais grave a ser resolvida. Não é por acaso que o tema esteve presente em praticamente todas as campanhas municipais. No Rio de Janeiro, os candidatos prometeram construir clínicas, contratar médicos e reequipar hospitais. Em Belo Horizonte, os finalistas prometeram mais leitos, fim das filas de espera para consultas e contratação de médicos. Em São Paulo, os candidatos garantiram que, se eleitos, vão construir hospitais e clínicas, agilizar exames e consultas, contratar médicos e acabar com as filas. Do Oiapoque ao Chuí, como se vê, candidatos prometeram construir hospitais, contratar médicos e acabar com as filas de atendimento. Acenam, assim, a uma necessidade manifestada pelos eleitores, mas a maioria pouco ou nada vai fazer pela saúde – até porque muitas das ações nessa área dependem de políticas integradas com as dos governos estadual e federal. A desculpa, portanto, já está na ponta da língua. Mas o eleitor pode não ser tão ignorante como alguns acreditam.
Rodrigo Clemente/O Tempo/Folha Imagem |
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A CÉU ABERTO Esgoto corre em meio aos barracos de favela da capital de Minas Gerais |